Os caçadores de vagalumes

Por Carlos Vogt

para J.C. Valadão de Mattos, amigo das lembranças.

Eu nunca cacei cometas,
nunca nenhum saci cavalgou na garupa dos cavalos em que nunca viajei,
jamais dobrei a noite das esquinas de Sales Oliveira, sem que tivesse medo de topar
com a ausência brusca da cabeça escura da mula-sem-cabeça.
Eu fui, isso sim, um grande caçador de vagalumes,
com vidros cheios de lanternas vivas, iscas de tiques e estalos de pescoço,
com tições em brasa riscando a escuridão do Triângulo,
que abastecia de lenha as máquinas da Mogiana.
Ali, onde meu pai, menino, jura ter visto aparições temíveis,
vi apenas o meu e o medo de outros meninos com medo das aparições.
Mas o cometa Halley, este sim, eu vi, quando era menino,
cortar de silêncio e espetáculo o poente do céu da infância de meu velho pai;
vi também muitas outras coisas com os olhos adultos e as mãos atentas de seleiro,
que cortavam o couro e teciam arreios para os colonos e fazendeiros dos cafezais,
com estes olhos e aquelas mãos que cortavam o couro e teciam enredos.

Por Sales Oliveira, passaram muitos cometas,
desses mais triviais que o tempo deixou sem uso e superstição,
cometas-vendedores, de roupas, de joias, de supérfluos, de bijuterias,
que pousavam na pensão de Dona Itália;
mais frequentes que os do céu, mais transitórios na terra,
fortes, contudo, na regularidade e cíclicos na invenção,
cheios de histórias e fantasias, de mundos estrangeiros, de prosopopeias,
feitos não só de silêncios luminosos, mas de lâminas sonoras de persuasão.

Quando o cometa Halley aparecer de novo e meu pai tiver completos seus oitenta anos,
já não serei eu mesmo, sem ter sido outro,
não estarei em Sales, tampouco a selaria, a Mogiana, os colonos, os cafezais,
não haverá cometas, desses sem uso de compra e venda, por desusados;
juntos estaremos a olhar as terras que olham retas o risco branco que corta a noite,
a mesma noite em que, meninos, seremos velhos, perto e distantes na solidão.

* Publicado originalmente no livro Geração, ed. Brasiliense, São Paulo, 1985, p. 34-35; retomado no livro Poesia reunida, Landy Editora, São Paulo, 2008, p.175-177 e no site Cantografia (www.cantografia.com.br)