As relações entre o relógio biológico e o metabolismo são a base da cronobiologia
Adilson Roberto Gonçalves e Eduardo Cezar Bento
O tempo não é o mesmo para todos. Diversos organismos, de bactérias a mamíferos, possuem um sistema interno, endógeno, que organiza as atividades celulares, bioquímicas e comportamentais durante um período de aproximadamente 24 horas. Segundo a cronobiologia – ciência que estuda a organização temporal de todos os seres vivos – essas manifestações diárias são produzidas pelo chamado relógio biológico.
A periodicidade desses ritmos biológicos equivale aproximadamente aos ciclos diários de claro/escuro. Porém, também há ritmos com períodos inferiores a 20 horas, ou ritmos ultradianos (respiração, batimentos cardíacos, disparos de neurônios), e ritmos cujo período é superior a 28 horas, os infradianos (ciclo menstrual, ciclo sazonal climático, reprodução).
Entende-se hoje que os ritmos biológicos, tais como os observamos na natureza, são o resultado da interação entre relógios biológicos endógenos e fatores ambientais externos aos quais os organismos estão submetidos.
A dinâmica do relógio biológico já é conhecida desde os anos 1980, a partir de resultados com experimentos com moscas, mas somente em 2017 um prêmio Nobel de medicina e fisiologia foi concedido para essa área, tendo sido contemplados os norte-americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young.
Stela Virgilio, doutora em biotecnologia, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, explica que os ritmos biológicos, ou também conhecidos como ritmos circadianos, são coordenados de acordo com o ambiente, e têm como objetivo limitar as atividades em um determinado momento do dia, permitindo que o metabolismo e o comportamento sejam adequados da melhor maneira. Ela exemplifica: regulação do sono, divisão celular, expressão gênica rítmica, temperatura corporal, secreção de hormônios, sensação de fome e metabolismo.
Virgilio alerta que mudanças nos hábitos alimentares, aumento das atividades noturnas, interrupção do sono, horas extras no trabalho ou diferentes turnos, podem levar a defeitos no relógio ou no ritmo metabólico. “Alguns distúrbios mentais, síndromes metabólicas, doenças cardiovasculares e até cânceres podem estar associados a problemas nesse relógio”, afirma. “As alterações também podem ocorrer durante viagens longas (jet lag), por mudanças na rotina, em algumas exigências profissionais ou quando o corpo se estressa, e o organismo precisa de tempo para voltar às condições normais”, completa.
O especialista em geriatria e medicina biofísica, Francisco Vianna Oliveira Filho, cita como exemplo a melatonina. Produzida pela glândula pineal, localizada no cérebro, esse hormônio sinaliza ao corpo quando é dia ou noite. As relações entre modo de vida moderna (trabalho, metas profissionais, competitividade social) e quedas dos níveis desse hormônio são bem conhecidas, causando alteração da atividade cerebral e estresse. Em 1996, o livro Melatonina: o relógio biológico, de Celio Mendes, Denise Quinet Pifano e Helion Povoa (editora Imago) fez sucesso ao popularizar a questão. Recentemente, as relações entre o hormônio e o canto noturno de certos peixes foram avaliadas em artigo publicado na revista Current Biology.
Pesquisas e resultados nas mais diversas linhas
Diferentes organismos, desde fungos, bactérias e insetos têm sido estudados em relações aos seus ciclos. As investigações científicas relacionam o relógio biológico à neurociência, diabetes, obesidade e doenças metabólicas.
Parte do doutorado de Virgilio foi desenvolvido na Texas A&M University, College Station, nos Estados Unidos, no Center for Research on Biological Clocks, onde pesquisadores desenvolvem estudos de relógio biológico em diferentes organismos. Um dos mais promissores é sobre a migração das borboletas-monarca. A pesquisa sugere que o relógio circadiano desses insetos está localizado nas antenas.
A pesquisadora da USP dá detalhes do seu trabalho atual. “Especificamente, estudo o metabolismo de glicogênio, que é composto por moléculas de glicose, com a função de armazenamento de energia. Defeitos no metabolismo de glicose estão relacionados a problemas no relógio biológico, e, consequentemente, obesidade, diabetes e resistência à insulina”.
O estudo do relógio é importante, e mudanças diárias, principalmente no metabolismo, podem influenciar a eficácia e a toxicidade de muitas drogas e medicamentos. “Portanto, entender os mecanismos, a sinalização e as proteínas associadas pode contribui para o surgimento de novas oportunidades de tratamento para as doenças ou conhecimento dos diferentes comportamentos dos organismos vivos”, destaca.
Adilson Roberto Gonçalves é formado em química e pós-graduando em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp
Eduardo Cezar Bento é formado em biologia e pós-graduando em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp