O que sustenta a convivência na diferença? Reflexões dos Centros de Convivência da saúde a partir de suas vivências híbridas

Por Gal Soares De Sordi e Juliana Maria Padovan Aleixo

Os Centros de Convivência da saúde são dispositivos que se apresentam estrutural e simbolicamente de portas abertas para os encontros na diversidade humana, na desafiadora e complexa ação de conviver, e têm em sua constituição os ideários da Reforma Psiquiátrica Brasileira e do Movimento Antimanicomial.

A nomenclatura Centro de Convivência (CECO)[1] foi designada ainda no interior do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, ao se iniciarem as primeiras experiências de circulação dos usuários em atividades diversas, num espaço criado para socialização. Há relatos também de espaços similares, com a mesma nomenclatura, na Casa de Saúde Anchieta, em Santos, cidade fundamental no processo social complexo da Reforma Psiquiátrica e Atenção Psicossocial.[2] Os CECOs, agora instituídos enquanto serviços fora dos hospitais psiquiátricos, são espaços de circulação, inclusão, socialização e promoção de encontros entre os usuários da saúde mental e a população/comunidade geral. As primeiras experiências nasceram no município de São Paulo, no final na década de 80, a partir de uma abertura no cenário político, no governo de Luiza Erundina. Eram serviços intersecretariais, afinados com o ideário da Reforma Psiquiátrica e, portanto, com a superação do modelo hospitalocêntrico (GALLETTI, 2004). Dispositivos de uma rede articulada de atenção à saúde mental, porém com estratégias de ações diferentes dos demais equipamentos de saúde, tendo como foco a produção de encontros e convivência, através de oficinas, grupos e ações comunitárias, alinhado com a ideia de promoção à saúde.

O Ceco – com características específicas quanto ao seu modo de funcionamento – tinha como principal instrumento de intervenção com os usuários o trabalho com as oficinas. Inspirado nos princípios da Reforma Psiquiátrica, esse equipamento tinha, em sua concepção, a proposta fundamental da Reabilitação Psicossocial dos usuários da saúde mental, isto é, o trabalho das oficinas tinha, como finalidade, inserir os pacientes no circuito social (GALLETTI, 2004, p. 51). O maior objetivo deste equipamento é  produzir, mediar e investir em formas possíveis de encontros e convivência com a diversidade, buscando inclusão, cuidado, pertencimento, grupalidade e descoberta de outras formas possíveis de expressão da vida. Pensando a inclusão aqui enquanto conexão, enquanto fabricação de redes sociais.

Problematizando essa concepção de inclusão, entendemos que os Cecos podem fazer mais do que incluir pessoas. Os Cecos têm fabricado novos modos de sociabilidade, ou formas de sociabilidade alternativa, da qual todos nós estamos excluídos, na medida em que todos nós somos privados pelo projeto neoliberal de sociedade de viver um modo de convivência que valorize a ação coletiva (FERIGATO, 2013, p.101). Trazem, em seu núcleo, a ruptura com o modo hegemônico de pensar a saúde apenas como remissão de sintomas. Trata-se de um equipamento idealizado a partir das diretrizes do SUS e Atenção Psicossocial, nas quais se promove a convivência produtora de inclusão mediada pelo cuidado. Para tanto, utiliza-se de espaços de produção, desenvolvendo oficinas de artes, esportes, artesanato, autocuidado, práticas integrativas, dança, teatro, com objetivo de desenvolver potencialidades, intersubjetividades, trocas, aprendizados, experimentação e construção de um campo diversificado na produção de encontros.

Esses parâmetros norteiam as ações das equipes dos Cecos e suas relações com o território, com a rede de saúde, com a comunidade, fazendo interfaces com ações culturais e artísticas buscando construir na relação com diversos setores do território a intersetorialidade.[3]

Em 2011, os Cecos foram contemplados timidamente na política de saúde mental, através da Portaria Ministerial n. 3088, em 23 de dezembro de 2011, que oficializa a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e localiza esses equipamentos no eixo da Atenção Básica e definindo-os como:

Unidade pública articulada às Redes de Atenção à Saúde, em especial à Rede de Atenção Psicossocial, onde são oferecidos à população em geral espaços de sociabilidade, produção e intervenção na cultura e cidade. Os Centros de Convivência são estratégicos para a inclusão social das pessoas com transtornos mentais e pessoas que fazem uso de crack, álcool e outras drogas, por meio da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade e em variados espaços da cidade (BRASIL, 2011).

No entanto, ainda não há uma regulamentação ministerial específica para os Cecos, situação que fragiliza esses serviços colocando-os à margem dos investimentos direcionados às políticas públicas. Há o reconhecimento de sua existência e sua expressão nas práticas de cuidado, mas não se conta ainda com o comprometimento em torná-los serviços regulamentados com investimentos próprios, compondo no cenário com outros serviços da RAPS, fortalecendo as frentes alternativas ao modo asilar.

Atualmente, há uma grande mobilização dos Cecos em Campinas, São Paulo, Embú das Artes e Belo Horizonte, no sentido de agregar parcerias e construir diretrizes que possam embasar portarias, parcerias intersetoriais e maior envolvimento de atores políticos que viabilizem maior sustentação aos projetos.

Produções híbridas: arte, cultura e clínica
No cotidiano das práticas do Centro de Convivência, construídas na interface com o universo da arte, cultura, práticas integrativas, práticas de lazer, nos deparamos frequentemente com experimentações estéticas que se expandem do campo da saúde, arte e cultura tradicionais.

Práticas que atravessam a fronteira que delimita esses campos e se conectam, agenciando-se hibridamente, num novo campo de difícil nomeação, no qual a arte se encontra com essas pessoas-margem que acessam o território do Centro de Convivência. Nesse território proliferam-se momentos estéticos, em que subjetividades em obra podem construir-se a si mesmas, configurando e dando forma ao caos e às rupturas de sentido que, muitas vezes as habitam (LIMA, 2006).

Este fato tem um poderoso efeito sobre a vida das pessoas que experimentam estados clínicos [...] Cada sujeito ao construir um objeto, pintar uma tela, cantar uma música, faz algo mais que expor a si mesmo e o próprio sofrimento. Ele realiza um fato de cultura [...] O valor que determinadas produções podem ganhar, passando a interessar justamente por seu caráter de singularidade, dissidência, deriva e inacabamento, e sua circulação num coletivo, provoca um enriquecimento dessas vidas; e aqui estamos tomando a vida, e não a arte como critério. Ao se articularem aos modos de expressão dominantes, modos de expressão dissidentes atravessaram a linha divisória que os separavam da produção cultural, ganhando cidadania cultural [...] e certo poder nas reais relações de forças (LIMA, 2006, p. 326).

Ali são acolhidas pessoas, que passam por experiências-limite, rejeitadas em alguma medida pelos campos instituídos da arte, da cultura, da saúde. Ao lhes propormos a participação em oficinas e grupos das mais variadas atividades, buscamos proporcionar experiências de criação. Muitas vezes, essas experiências acontecem sobre uma linha tênue, na qual acontecem fragmentos estéticos ou performances que não podem ser reproduzidos, mas que têm a capacidade de fortalecer vínculos, instaurar grupalidades, transformar vidas. São momentos privilegiados em que arte, saúde, loucura e precariedade se conectam, colocando em xeque os limites entre arte e não arte, entre arte e vida, e arte e clínica (LIMA, 2006). Assim, notamos um território intenso de produções híbridas do Centro de Convivência; um constante caminhar entre uma região fronteiriça na qual arte, cultura e clínica estão implicadas em suas conexões, em suas dissonâncias, gerando um espaço de tensões que provoca desestabilização entre os campos.

Vemos como desafio não reduzir essas produções a nenhum dos campos tradicionais, procurando encaixá-los, dando lugares mais facilmente legitimados e reconhecidos, mas manter aberta a tensão que essas produções instauram entre elas. Vivenciar o incerto, o inacabado, o transitório, o efêmero, que comporte as desterritorializações e os desequilíbrios dos sujeitos dos quais se conecta.

O sustentar da convivência 
O que sustenta a convivência na diferença, na qual os ruídos do encontro entre o singular, o excêntrico, o modo de pensar, sentir e agir de cada um são matéria viva a ser cultivada? Debruçar-se sobre esse dispositivo, suas ética, filosofia, política, tecnologias e clínica a partir do cotidiano, é uma disposição fundamental para produzir respostas a essa pergunta, como explica Merhy (2007, p.13): “falar e pensar o que acontece diariamente nos frontes de trabalho, em uma rede substitutiva ao manicômio e a segregação social, é abrir-se para olhar multiplicidades de acontecimentos e fazeres, bem como as implicações dos vários sujeitos em relação e ação”.

Os Cecos, por sua constituição primordial, são “espaços de portas e janelas abertas a todos” e essa condição é explicitada para quem neles chega pela primeira vez. Os Cecos estão abertos a todas as pessoas que desejam participar seja qual for a sua situação de vida: para quem solta pipa na favela ou anda de bicicleta nas ruas do condomínio fechado, para quem toca pandeiro na roda de samba do Caps ou tem os segredos do morar na rua, para quem sabe as distâncias contando passos e os que dançam sobre rodas, para aqueles que fazem versos de improviso e assim vai… Para todos eles e elas, de todas as idades e histórias, a marca comum é a do desejo. Ali chega quem quer chegar, convive quem quer conviver a partir de seu jeito único de ser e estar no mundo.

Ser um lugar de encontros “ao sabor” da singularidade pessoal, social e cultural é colocar a todos os envolvidos experiências dentro da imprevisibilidade das relações humanas capazes de abrir pensamentos e emoções – desejáveis e indesejáveis, boas e ruins -, pois a trama da convivência é complexa e permeada por problemas que empurram os sujeitos a terem que se reposicionar, negociar, dialogar, para continuarem convivendo. Pode-se dizer que a convivência na diversidade amplia os olhares e os saberes, promove sustento e calor humano, mas não é simples, nem sempre fácil e exige trabalho e presença de cada um.

Já nos serviços marcados pela lógica manicomial, a convivência passaria necessariamente por uma normatização a partir de um ideal de regras e valores gravados a ferro e fogo pela equipe técnica. Isso se daria a partir de dispositivos de contenção e regulação: medicamentos, contenção física, eletrochoque, discurso científico, isolamento, entre outros. A encomenda socialmente aceita e legitimada pelos hospitais psiquiátricos de manter a ordem social a qualquer custo coloca a complexidade do conviver nas mãos de poucos – dos profissionais que carregam as chaves de suas inúmeras portas fechadas – e com isso, extingue o processo da convivência, enclausurando os doentes mentais em um “(…) local construído para o completo aniquilamento de sua individualidade, como palco de sua total objetivação” (BASAGLIA, 1985, p. 114).

A partir desse contraponto, pode-se afirmar que os Cecos são lugares abertos a problemas e desafios que a convivência provoca e que eles pertencem a todos os envolvidos, não sendo exclusividade da equipe técnica. Se as chaves são ícones do paradigma manicomial, as mesas redondas dos ateliês, independente de sua forma geométrica, são ícones da co-responsabilização de todos no processo da convivência. Alí as pessoas se colocam lado a lado umas às outras para pintar, tocar, dançar ou bordar em panos de prato, por exemplo. Neste último caso, as monitoras sabem muitos pontos de bordado e são chamadas como referências de saber, mas a maior responsabilidade delas é fazer, cotidianamente, prevalecer a lógica da mesa redonda, na qual o poder e o saber são igualitários. Num clima despretensioso e acolhedor, inúmeras trocas entre os participantes acontecem – técnicas e pessoais, sobre fios e sobre a vida – levando em consideração o modo de cada um se tecer no coletivo.

A lógica da “mesa redonda”, da roda, ou do partilhar da gestão dos processos por todos envolvidos, exige dos trabalhadores a percepção de si enquanto mediadores de processo, mesmo quando convocados pelo próprio grupo, perante situações angustiantes, a intervirem autoritariamente, com frases: “decida você como deve ser”, ou ainda, “você não devia mais deixar essa pessoa vir aqui”. Em situações conflituosas, de desavença, ressentimentos, ou ainda, de decisões polêmicas sobre o funcionamento das oficinas e do próprio Ceco, os trabalhadores devem sustentar o campo aberto para diálogos, como situa Lopes (2008, p. 43):

mediar é uma tarefa de manejo grupal e quando você mistura muita gente diferente, você provoca conflito, provoca aquilo que a gente quer provocar: encontros. Mas encontros que às vezes, são tumultuados, que são vivos; encontros que não são maneiros, não são encontros sutis; encontros disfarçados, encontros escrachados, importantes e para isso, você cria uma arena e fala, “vire-se”.

Ser um espaço de portas e janelas abertas também diz sobre o caráter híbrido de sua constituição por colocar a saúde em relação a outros discursos e setores da sociedade, como: cultura, educação,  assistência social, direitos humanos, economia solidária,  esporte, entre outros. Se a vida se apresenta lá em sua complexidade, os diferentes campos da vida devem se apresentar também. Aulas de alfabetização de adultos, ocupação de espaços públicos como museus, praças de esporte e centros comunitários, rodas de preparação para conferências municipais, debates e sessões de cinema sobre temas como os direitos das mulheres, dos negros, dos usuários da saúde mental, entre outros, conectam a questão do conviver à vida cotidiana em sociedade.

Encontros vividos: Dançando no Ceco
Numa chuvosa tarde de quinta, Maria chega timidamente ao grupo de dança do ventre, que já havia iniciado. Começamos aquecendo em roda, alongando, nos apresentando, ocupando pouco a pouco a pequena sala do Ceco. Convido-a para entrar na roda, me apresento. O sorriso envergonhado, o corpo desajeitado, o olhar firme, curioso, procurando outros olhares, outros corpos, ajeitando-se ao lado de outras mulheres, outras Marias presentes no grupo. Há, também, muitas Marias nessa Maria.

Seguimos nos preparando para dança, movimentando os quadris, explorando direções e formas, nas batidas laterais, nos acentos verticais, nos tremidos, deslocando, girando, caminhando, experimentando e descobrindo as possibilidades de movimentos dessa complexa estrutura feminina ao som dos ritmos e instrumentos percussivos árabes. Maria sorri e mostra ginga, atenta aos corpos que a rodeia. Corpos que se soltam, que se encontram, se conversam, se esbarram e se afastam brincando, se agenciam em movimento. O sentimento de alegria se expande pela sala. Vamos aos movimentos ondulatórios, sinuosos redondos, oitos, ondulações de ventre, encontrando direções e deslocamentos diversos em cada possibilidade. Leveza, delicadeza, introspecção, concentração, sensualidade, feminilidade. Maria se desajeita, se enrijece, olha para os lados, percebe o grupo mais atento e não desiste. Segue no desafio de experimentar seu corpo de mulher nos passos que convocam o feminino a pulsar. Caminho pelo grupo procurando por processos a serem mediados e facilitados. Percebo Maria tensa. Toco em seu quadril e juntas desenhamos os oitos com nossos corpos. Ao soltar as mãos, tranquilamente seu quadril segue dançando, explorando as direções propostas. É imediato o brilho que toma conta de seus olhos, o sorriso largo volta a aparecer no rosto sofrido.

Maria está com os filhos num abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica. Já passou em tratamento pelo Caps e pelo Centro de saúde. Em seu acolhimento, feito antes de entrar no grupo, relatou não poder dar seu endereço. Regra dos abrigos que hospedam mulheres que passaram junto a seus filhos por situações inúmeras de violência com seus parceiros.

Voltando ao grupo, antes de finalizar nosso encontro, proponho um momento de improviso. Ouvir a música, experimentando os movimentos explorados, deixando o corpo conduzir para as direções que sentir, que desejar. Conectar-se, arriscar-se. Maria não hesita. Fecha os olhos e dança. Sorri, gira, solta os braços, ora desengonçada e enrijecida, ora precisa com seu largo quadril marcando os ritmos árabes, com ginga e discreta feminilidade que já acena em cena.

Ao final, nos apresentamos novamente para que Maria conheça as outras frequentadoras. Ao se apresentar, diz: “Meu nome é Maria. Soube daqui pelo SOS Mulher. Estou desempregada e preciso fazer alguma coisa. Alguma coisa por mim. Alguma coisa que me afaste de tanto sofrimento”. Maria passa, assim, a frequentar regularmente o grupo de dança. Poucos meses depois, recebemos o convite para nos apresentar numa Mostra de Práticas de Saúde Mental, organizada pelo Serviço de Saúde Cândido Ferreira. Juntamos os dois grupos de dança do Ceco e começamos os ensaios de uma pequena sequência coreográfica seguida de um momento de improviso coletivo.

Em nosso último ensaio, ao final do encontro, Maria se dá conta que não tem figurino para se apresentar. Havia faltado no ensaio anterior em que combinamos de experimentar e criar figurinos para apresentação. Rapidamente pego as peças que não foram escolhidas, um tanto preocupada, pois eram pequenas e não pareciam compor entre si. O grupo estava agitado acertando os últimos combinados para chegar ao evento no horário combinado. No canto da sala, Maria olha os figurinos entristecida. Pergunto se gostou de algo, e ela responde que acha que não dará certo, pois são pequenos e assim prefere dançar em outra ocasião. Rapidamente algumas mulheres se aproximam e começam a ajudá-la com as peças, começam a vesti-la, tiram, colocam, criam, aparecem com linha e agulha e de repente Maria está vestida, com seu figurino árabe pronto. Peço para que se veja no espelho e novamente seu largo sorriso toma conta. Está lindamente vestida para dançar. Diz, timidamente, com os olhos emocionados, “Nunca me vi tão bonita”.

O corpo como questão que se impõe... É assim, vivido nesses laboratórios como “passagem” e “matéria moldável”, lugar de experimentação, criação e reflexão, do qual se procura ampliar mais e mais a capacidade de afetar e ser afetado pelos encontros. Rompem-se anestesiamentos, automatismos, modos enrijecidos e balizados por valores morais que tendem a uma homogeneização e padronização dos sujeitos e minam o reconhecimento/produção das diferenças que carregam o germe da invenção de si e de mundos (LIBERMAN, 2010, p. 117).

Conclusão
Os centros de convivência constituíram-se, desde sua implementação, como espaços comprometidos em romper com a lógica manicomial e colocar a saúde mental em conexão cotidiana com outros saberes e práticas, a propiciar vivências híbridas, sensíveis e inclusivas. O sustentar de portas e janelas abertas à diversidade humana e toda a imprevisibilidade, alegrias e tensões que a convivência provoca, só é possível pelo engajamento (mesmo com resistências) de todos os envolvidos, conectados por um comum: o desejo.

Encontros como o de Maria no Centro de Convivência carregam essa tônica; momentos quase fugazes que se eternizam na descoberta de outras conexões possíveis.

São encontros sensíveis, gentis, que se apresentam à espreita, ampliando discretamente a conectividade dos momentos, expandindo, aumentando superfícies de contato ao vivido, facilitando exposições às afecções, aos acontecimentos. Encontros que dançam e movimentam, agenciando respostas outras diante dos efeitos dominantes das subjetividades normativas. Encontros que extraem das forças maiores as experiências minoritárias, afetivas e inventivas (GALLETTI, 2007). Na inventividade e na criatividade das práticas e ações do Ceco, incitam-se o alargamento e o atravessamento das bordas da clínica, da instituição, do funcionamento administrativo, em que se experimenta a produção de conhecimento do fazer-saber na convivência.

No Centro de Convivência, as práticas mostram-se conectadas às novas formas de produção e de sensibilidades no campo do cuidado na Atenção Psicossocial. Novas formas de fazeres, de cuidado, de trabalho, alargando, inovando e redimensionando o entendimento de cuidado e trabalho nesse campo de ações, e que tornam necessária a composição de novas linguagens, novas referências que possam trazer à cena novos regimes de visibilidade às práticas ali produzidas.  O trabalho no Centro de Convivência se compõe em dimensões que borram as fronteiras tradicionais da saúde e leva a pensá-la enquanto aumento de potência de vida, conectando-se, assim, ao campo das artes, da cultura, da educação, das práticas integrativas, no sentido de se aliar contra modos hegemônicos de produzir saúde.

Gal Soares De Sordi é psicóloga com especialização em artes visuais, intermeios e educação pela Unicamp, coordenadora do Centro de Convivência Casa dos Sonhos, unidade do Serviço Dr. Cândido Ferreira.

Juliana Maria Parovan Aleixo, terapeuta ocupacional, bailarina de dança oriental árabe e coordenadora dos Centros de Convivência Rosa dos Ventos e Portal das Artes no Serviço de saúde Cândido Ferreira e doutoranda na Unesp-Assis no programa psicologia e sociedade.

Referências Bibliográficas

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BASAGLIA, F. A INSTITUIÇÃO NEGADA. Rio de Janeiro: Edições Graal LTDA., 1985.

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YASUI, S. RUPTURAS E ENCONTROS: desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010.

[1]              Na cidade de São Paulo,  Centros de Convivência e Cooperativa (CECCOs).

[2]              Informações compartilhadas na linha de pesquisa Atenção Psicosocial e Políticas Públicas, em grupo de orientação com Silvio Yasui, docente da Unesp-Assis no programa de pós graduação do curso de psicologia.

[3]              Yasui (2010, p. 155) nos aponta um caminho para pensar a intersetorialidade: “Articular ações integradas com os campos da Educação, Cultura, Habitação, Assistência Social, Esporte, Trabalho, Lazer, com a Universidade, o Ministério Público e as ONGs, significa construir um processo que envolve um intenso diálogo, o qual pressupõe reconhecer e respeitar as especificidades e as diversidades de cada campo; explicitar os conflitos e os interesses envolvidos, para que se possam negociar e pactuar ações; unir potências, produzir encontros ao redor dos temas que perpassem por todos esses campos, a saber: a melhoria da qualidade de vida, a inclusão social e a construção da cidadania da população”.