Por Rafael Revadam, Júlia Ramos de Lima e Adriele Eunice da Silva
Segundo relatório do IPCC, o planeta está atingindo temperaturas críticas, que podem afetar desde paisagens naturais a sistemas econômicos e humanos
Divulgado em agosto, o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) apontou uma situação alarmante: se o aumento de temperatura da Terra passar de 2ºC enfrentaremos crises ambientais alarmantes nos próximos anos. Oriundas de processos naturais, as mudanças climáticas passaram a ocorrer com mais frequência devido à interferência humana, iniciada com o processo de industrialização.
“Quando falamos de mudanças climáticas, englobamos tanto aquelas de origem natural quanto as de origem antropogênica”, explica Paola Bueno, meteorologista e mestranda do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). “Ao observar o histórico da Terra, notam-se diversas mudanças no clima, resultantes de variações internas do próprio sistema climático. Porém, elas ocorriam de forma muito lenta, ao longo de centenas a milhares de anos. No último século houve aumento abrupto da temperatura média, de forma muito rápida e intensa. E a principal responsável foi a atividade humana, que tem atuado até mais do que as variabilidades naturais”.
O aumento das temperaturas globais se dá pela intensificação do efeito estufa, um fenômeno natural causado por moléculas – como CO2, H2O e CH4 – que absorvem radiação solar infravermelha, transferindo e aquecendo as camadas atmosféricas mais baixas. De acordo com o físico e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Renato Ramos, é possível identificar a influência humana sobre a variação climática pela análise dos componentes. “Os gases do efeito estufa possuem isótopos diferentes, o que permite identificar sua origem”, afirma, complementando: “É possível observar essa tendência de aquecimento ao longo do tempo pelo aumento das temperaturas meteorológicas, pela diminuição da quantidade de gelo nos polos (derretimento), por dados coletados pelas boias marinhas etc”.
Por conta desse cenário, esforços internacionais estão dando origem a tratados, como o Acordo de Paris, para tentar conter as temperaturas globais. Assinado em 12 de dezembro de 2005, o acordo entrou em vigor no dia 4 de novembro de 2019, mesma data em que os Estados Unidos, um dos maiores emissores de gases poluentes na atmosfera, iniciou o processo formal para sua retirada dessas metas globais.
Os acordos, metas e tratados internacionais são elaborados com base nos relatórios do IPCC, órgão da ONU responsável por analisar e sintetizar as informações obtidas por diversos estudos e modelos climáticos. As produções mais recentes são um documento de 2018 sobre as tendências de temperaturas do aquecimento global, e outro de 2019 acerca dos impactos no oceano e na criosfera.
O relatório especial de 2018, dedicado ao aquecimento global, foi elaborado durante aproximadamente dois anos e divulgado em agosto de 2019. Ele estimou que as atividades humanas causaram cerca de 1°C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais. Além disso, é provável que as temperaturas atinjam 1,5°C entre os anos 2030 e 2052, caso continuem a aumentar no ritmo atual.
O estudo também listou que os riscos atuais associados ao clima, tanto para os sistemas naturais como para a humanidade, dependem da magnitude e do ritmo de aquecimento, da localização geográfica, dos níveis de desenvolvimento e de vulnerabilidade, além da implementação de opções de adaptação e mitigação. Para os cientistas responsáveis pelo documento, atingir e sustentar níveis zero de emissões globais de gases do efeito estufa (GEE) interromperiam o aquecimento global antrópico, mas ainda assim a acumulação de emissões persistirá por séculos e milênios, e continuará causando mudanças a longo prazo no sistema climático.
Debate científico sobre aquecimento global surge desde primeira edição do IPCC, em 1979
Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Paulo Nobre explica que, apesar de as mudanças climáticas estarem midiaticamente em alta, o termo aquecimento global é recorrente e vem da primeira edição do IPCC, realizada em 1979. ”Agora o tema tem uma grande cobertura de mídia, mas aqueles indicadores que a ciência apontava lá no passado, quando os modelos eram ainda mais imperfeitos, já permitiam ver que tínhamos um problema em potencial”.
Para o cientista, o processo de dúvida sobre as mudanças climáticas também é consequência de um discurso publicado sem respaldo científico. “É muito interessante observar a desinformação que alguns setores disseminam. Nos invernos muito mais rigorosos, particularmente na Europa e nos Estados Unidos, alguns tabloides publicaram fotos daquele montão de neve e perguntaram: cadê as mudanças climáticas? E o aquecimento global? Mas os mesmos ficaram quietos quando viram aquelas ondas de calor que mataram milhares de pessoas na França, depois na Rússia, ou os incêndios florestais. Porque é um jogo não equilibrado. Um jogo da desinformação que atende a interesses econômicos estabelecidos”.
Nobre defende que as pessoas precisam entender a importância da mudança climática e, mais do que isso, visualizar o que pode ser feito para mudar essa realidade. “Falar que elas representam um planeta mais aquecido, isso não cativa as pessoas para a urgência da reversão de seus modos de vida. Mas as mudanças climáticas estão deixando as pranchetas, os laboratórios, os computadores dos cientistas para chegar à vida das pessoas. Vivemos um momento muito peculiar no cenário das mudanças climáticas porque elas estão se tornando inegáveis, as pessoas estão sentindo na pele”.
O especialista conclui que entender a participação individual nas questões de clima é quebrar mitos e percepções construídos em cada indivíduo. “A Terra é um conjunto finito de matéria, energia e vida. Quando compramos algo, foi usado um recurso natural para produzi-lo. Seja madeira para fazer papel, petróleo para o plástico ou minério para fazer uma lata. Se, nesse ciclo, a fonte de energia serve a um propósito e depois vai para um lixão, ela tende a se esgotar. A sociedade tem o pensamento de que a Terra é muito grande, e não vai acabar, mas esse modo de viver, multiplicado por 8 bilhões de pessoas, exaure a quantidade de água potável, e materiais disponíveis. A chamada sociedade de consumo não é uma sociedade durável”.
Rafael Revadam é jornalista e aluno do curso de especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)
Júlia Ramos de Lima é bióloga e aluna do curso de especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)
Adriele Eunice da Silva é bióloga e aluna do curso de especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)