Mariela Soares de Souza Dias
No museu tudo comunica, desde o entorno do edifício ao menor dos fragmentos expostos. Em seus espaços, podemos encontrar um elevado potencial para a difusão do conhecimento. Nele observamos caminhos para a popularização de temas científicos e culturais, junto a um público não especializado. Por meio de exposições, as informações tomam formas mais acessíveis, favorecendo a interação e a aproximação de variados grupos, compostos por diferentes faixas etárias, costumes e saberes. É nesse sentido que buscamos direcionar nosso olhar, compreendendo os museus como grandes aliados na ação de divulgação científica e cultural.
Para tanto, visando a uma melhor compreensão sobre a função social dos museus, pontuamos aqui algumas premissas estabelecidas pelo Conselho Internacional de Museus (Icom – International Council of Museums). Em sua definição mais recente, aprovada durante conferência geral realizada no ano de 2022, na cidade de Praga, um dos trechos, descreve os museus como locais inclusivos, acessíveis e abertos ao público. Nessa definição, os museus também são apresentados por sua característica e compromisso em comunicar de modo ético e profissional em um ambiente propício para reflexão e partilha do conhecimento. Outro trecho salienta os museus como ambientes favoráveis ao desenvolvimento de experiências diversas para a educação, fomentando diversidade e sustentabilidade. Com base nessa definição, voltamos nossa atenção para os efeitos em torno da comunicação museológica.
Na medida em que o artefato sai do seu circuito de origem para adentrar o espaço do museu, ele passa inevitavelmente, por uma ressignificação, tornando-se um item musealizado. Isso indica que, consequentemente, cada artefato passará a receber um registro e um cuidado voltado para sua conservação. Esse registro envolve a etapa de descrição como parte do tratamento destinado à preservação de bens de valor histórico e cultural. Estes bens, por sua vez, conservam inúmeras histórias, despertam curiosidade e atraem os olhares dos visitantes, seja por seu potencial educativo ou mesmo pela prática recreativa do turismo.
Sem dúvida, a preservação de coleções museológicas funciona como um fator de impulso e motivação para a visitação. Por essa razão, pensar a respeito do planejamento de exposições como meio de divulgação científica e cultural no espaço dos museus, nos possibilita discutir sobre a importância do trabalho em torno da comunicação e a necessidade em prover diálogos abrangentes, acessíveis e inclusivos, reforçando um compromisso ético junto à comunidade.
Sabemos o quanto a ciência impacta em variados aspectos de nossas vidas. Num sentido mais amplo, por exemplo, quando trabalhados eixos temáticos oriundos das ciências exatas, biológicas, humanas, na percepção da ciência e da tecnologia, será possível notar o fortalecimento da noção de pluralidade, somada a toda uma diversidade cultural existente, na medida em que forem estabelecidos diálogos constantes entre diferentes culturas e saberes.
Mais precisamente, quando pensamos em formas de aprendizagem é comum que nos ocorra uma primeira associação ao segmento da educação formal, diretamente relacionado ao trabalho realizado dentro do ambiente escolar. Contudo, entendemos que os espaços de educação não formal, também podem oferecer boas oportunidades para condução de observações, reflexões e estudos sobre ciências. O interesse pela divulgação do conhecimento científico e cultural abrange diferentes instituições e segmentos sociais. Os museus, por exemplo, apresentam consideráveis qualidades, enquanto agentes multiplicadores do conhecimento, seja por sua forma de entreter, informar ou estimular a troca de experiências. Enquanto espaço de educação não formal, os museus também colaboram com propostas de disseminação e percepção do saber científico. Um saber que visa o desenvolvimento de habilidades, como articular e responder questões de diferentes naturezas, firmado pelo exercício e prática da ciência, através de reflexões críticas.
A propósito, Martha Marandino (2008), na medida em que avalia a divulgação científica no museu, reforça como esses espaços de educação não formal, promovem importantes experiências educativas na formação de cidadãos. Marandino também ressalta o quanto um objeto pode exercer fascínio e interesse, proporcionando fonte de informação em potencial, sendo capaz de revelar procedimentos de ciência. Os objetos expostos pelos museus trazem consigo inúmeras histórias, que por sua vez mobilizam todo um trabalho de comunicação museológica, reforçando a necessidade de planejamento e organização de informações, pois ela afeta diretamente na experiência adquirida durante a visita.
Nesse sentido, de acordo com Marilia Xavier Cury (2013), “no museu, ensina-se e aprende-se de maneiras diferentes da escola”. A autora também destaca: “o ambiente de museu é riquíssimo, as exposições nos dão inúmeras possibilidades, há alternativas dentro do processo curatorial para serem exploradas educacionalmente dentro e fora do museu, sem negligenciá-lo”. Assim, o trabalho e a atenção com a comunicação deve incluir toda a equipe do museu, em especial a equipe encarregada pela mediação, ação educativa, justamente por acompanharem e estarem mais próximos do diálogo firmado entre visitantes e monitores.
A atividade de comunicadores e educadores da ciência nos museus, de um modo em geral, visa contribuir para disseminação do conhecimento de forma ética e responsável. Isso também inclui o uso de linguagem mais acessível, bem como a disponibilidade de acesso à informação em diferentes plataformas, como no caso do meio digital. Sabemos que uma exposição aciona variadas ferramentas como forma de transmissão da mensagem. Com certa frequência, verificamos nos museus a presença de dispositivos sonoros, equipamentos visuais, recursos táteis, bem como expressões cênicas, cujo intuito visa promover uma melhor percepção e compreensão da temática exposta. Esse cenário, repleto de possibilidades, favorece abordagens interdisciplinares, aproximando olhares de diferentes áreas dentro da proposta curatorial. Podemos citar como exemplo, os temas trabalhados acerca da ciência e tecnologia, sendo possível articular questões em torno da diversidade cultural, educação ambiental, educação patrimonial, memória coletiva, linguagens artísticas, política e economia, entre outros. Consequentemente, toda essa ambientação não somente impulsiona o interesse do visitante, como também desperta a sua curiosidade e questionamento, favorecendo o aprofundamento da temática apresentada.
Em adição a essa consideração, não podemos deixar de ressaltar a contribuição de Michel Foucault (2008) e sua dedicação ao estudo de efeitos discursivos. Ele concentra atenção na reflexão em torno do campo dos acontecimentos discursivos analisando a forma como um enunciado é construído. Conforme estabelece o autor, aquilo que é dito e aquilo que fica na esfera do não dito, também deve ser problematizado. Desse modo, enfatiza: “é, pois, em um sentido, pesar o ‘valor’ dos enunciados”. Para o autor, devemos pensar na capacidade de circulação e de troca dos enunciados, assim como na sua possibilidade de transformação. Por meio de exposições, discursos são elaborados, por essa razão, pensar a respeito do modo como uma mensagem é produzida e transmitida, e quais os efeitos provoca, é sem dúvida essencial.
Conforme notamos, a produção de exposições requer estudo e planejamento. Mais precisamente, no caso de exposições etnográficas que contemplam as culturas de povos indígenas, torna-se primordial o conhecimento sobre o histórico de origem dessa coleção, assim como a história dos povos aos quais os artefatos são provenientes. Sabemos que estudos etnográficos mobilizam conhecimentos acerca da cultura, arte, alteridade, dentre outros conceitos que permitem discorrer sobre a diversidade cultural.
Nessa perspectiva, os artefatos e seu conteúdo informacional evidenciam as especificidades de uma determinada cultura, elementos que sinalizam diferentes características e tradições de um povo. Esses vestígios conservam aspectos sobre suas crenças e costumes, marcas que expressam uma regionalidade, também presente no idioma. A produção de exposições exige um dedicado trabalho de comunicação, de modo a evitar que ocorram leituras rasas e compreensões demasiadamente simplistas, ocultando, por exemplo, a expressiva diversidade linguística presente nas culturas indígenas.
Outro aspecto importante remete à forte relação cultivada por povos indígenas com a natureza, onde observamos a preservação de um conjunto de conhecimentos e técnicas oriundos do seu legado ancestral. Com relação a esse tema, a conferência diplomática da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), realizada no ano de 2024, veio reforçar no tratado sobre Propriedade Intelectual, Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados, o reconhecimento e respeito aos saberes dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Como é possível notar, esses temas repercutem no tempo presente e refletem questões relacionadas a políticas públicas demandadas pela sociedade.
Nesse sentido, com relação à comunicação museológica e o discurso presente na elaboração de narrativas expositivas de coleções etnográficas, atualmente temos acompanhado discussões cada vez mais amparadas por posturas éticas e por críticas pós-coloniais. Na atualidade, temos visto com maior frequência a produção de exposições introduzidas por olhares e discursos indígenas acerca de suas próprias culturas. Essas exposições também são conhecidas como curadorias compartilhadas ou museologia colaborativa. Nessa perspectiva, também encontramos museus elaborados e geridos por indígenas em suas aldeias, cuja temática expositiva é planejada e organizada pela própria comunidade. Essas abordagens contemporâneas vêm contribuindo para a valorização e divulgação dos saberes tradicionais, salientando sua significativa contribuição para história e memória nacional. Assim, o compromisso ético com a inclusão, acessibilidade e diversidade, evidenciam a função social dos museus e a comunicação museológica como um potencial para a divulgação científica e cultural.
Mariela Soares de Souza Dias é turismóloga, historiadora e mestra em divulgação científica e cultural (Labjor/Unicamp).
Bibliografia
Cury, M. X. “Educação em museus: panorama, dilemas e algumas ponderações”. Ensino Em Re-Vista, v. 20, n. 1, p. 13-28, jan./jun. 2013. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/23206.
“Estados membros da OMPI adotam novo tratado histórico sobre propriedade intelectual, recursos genéticos e conhecimento tradicional associado”. WIPO, 2024. Disponível em: https://www.wipo.int/pt/web/office-brazil/w/news/2024/news_0004.
Foucault, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
ICOM aprova nova definição de museu. ICOM Brasil, 2022. Disponível em: https://www.icom.org.br/?p=2756.
Marandino, M. “Educação em museus e divulgação científica”. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. ComCiência, n. 100, 2008. Disponível em: https://www.comciencia.br/dossies-73-184/web/handler9bac.html?section=8&edicao=37&id=441.