Por Elaine Grolla
Ao observar uma mãe “conversando” com seu bebê de 2 ou 3 meses de vida, é possível perceber que sua fala é diferente daquela usada quando conversa com adultos. Conhecido por “maternês”, e também chamado de “fala dirigida à criança” por estudiosos, ele é uma maneira espontânea e carinhosa que mães, pais e cuidadores usam para falar com seus bebês e crianças pequenas. Até mesmo avós interagindo com seus netos apresentam características do maternês em suas falas. A literatura sobre o maternês é bastante extensa, e descobertas muito interessantes já foram feitas. No que se segue, vamos apresentar algumas dessas descobertas.
Quando comparado à fala dirigida a outros adultos, o maternês se diferencia por apresentar enunciados mais curtos, linguisticamente mais simples e redundantes, que incluem palavras e frases isoladas, um grande número de perguntas e o uso frequente de nomes próprios e de palavras no diminutivo. Também apresentam um conjunto de palavras específicas a esse registro, como, por exemplo, “dodói”, “tetê” e “pipi”. Definitivamente, essas não seriam palavras usadas numa conversa entre adultos!
Em relação ao ritmo e à prosódia, estudos sobre o maternês detectaram que ele possui pausas mais longas, um andamento mais lento, mais repetições prosódicas e uma média mais alta de frequência fundamental. Muitos estudiosos defendem que a prosódia do maternês facilita a categorização vocálica, para que o bebê identifique quais são as vogais existentes em sua língua. Ele também ajudaria na discriminação silábica, que poderia ensinar o bebê a estrutura das palavras. Outra função do maternês seria auxiliar na segmentação da fala em palavras, de modo que o bebê consiga perceber onde termina uma palavra e começa a seguinte. Além disso, já foi observado que a prosódia do maternês serve como um foco de atenção que aumenta a atividade cerebral para palavras potencialmente significativas.
O que se observa é que os contornos prosódicos variam a depender das intenções das mães. E isso foi testado com adultos, em um estudo em que se apresentou aos participantes um estímulo acústico contendo a fala de uma mãe usando o maternês, mas as palavras foram filtradas e os adultos ouviam apenas a entoação da fala. Esses adultos foram capazes de identificar a intenção da mãe (por exemplo, oferta de atenção, aprovação e conforto) com maior precisão quando ouviam maternês do que quando ouviam a fala dirigida a outros adultos. Ou seja, os padrões prosódicos do maternês são mais informativos do que os da fala dirigida a adultos e parecem fornecer aos bebês pistas confiáveis sobre a intenção comunicativa do falante. Nas mais diferentes línguas, os mesmos tipos de contornos parecem veicular os mesmos tipos de significados, como o usado para despertar ou para acalmar, para abertura ou fechamento de turno na conversação ou para aprovação ou desaprovação. A prosódia do maternês parece ser crucial para comunicar o afeto e as intenções dos pais de uma forma não verbal.
Podemos dizer que o maternês não é direcionado apenas a bebês. Muitas pessoas utilizam uma forma diferenciada para falar com seus animais de estimação também. Estudos já foram conduzidos para comparar o maternês dirigido a bebês humanos e a fala dirigida a animais de estimação. Foi constatado que eles são semelhantes em termos de tom mais elevado e maior afeto. No entanto, apenas o maternês contém vogais hiperarticuladas, o que alguns estudiosos acreditam que pode auxiliar no surgimento da linguagem em bebês humanos.
Outra descoberta interessante é que os bebês preferem ouvir o maternês à fala dirigida ao adulto e mostram maior capacidade de resposta afetiva ao maternês do que à fala dirigida ao adulto. Essa descoberta também se aplica a bebês surdos que veem sinais direcionados a eles. Além disso, os bebês lembram e olham por mais tempo para as pessoas que os abordaram com maternês.
O maternês não é exclusividade da nossa cultura brasileira, mas uma maneira comum que as mães e os pais em diferentes culturas usam para se comunicar com seus bebês. Muitos estudos sobre o maternês em diferentes línguas já foram conduzidos e uma das principais questões investigadas é a relação entre o maternês e a aquisição de linguagem. Como vimos acima, os bebês preferem ouvir maternês à fala dirigida ao adulto, mas isso não quer dizer que os bebês não sejam capazes de interagir com adultos que usam uma fala que não seja o maternês ou que o maternês seja necessário para que a aquisição de linguagem ocorra. Essa questão levanta um debate acalorado na área. Por um lado, alguns estudiosos defendem que o maternês é uma ferramenta indispensável para a aquisição, ao passo que outros não encontram evidências de que ele, de fato, ajude a criança no processo de adquirir sua língua.
Por exemplo, Newport, uma pesquisadora proeminente nesta área, defende que o maternês não é uma língua para o ensino da sintaxe das línguas, visto que ele pode ser um efeito e não uma causa da aprendizagem da língua. Analisando o maternês e como ocorre o desenvolvimento da linguagem nas crianças, Newport e colegas encontraram poucas correlações entre a sintaxe presente na fala dos adultos e o desenvolvimento da linguagem. Por outro lado, alguns estudos que consideraram o nível de linguagem das crianças no momento em que fizeram a avaliação da fala materna encontraram relação entre as categorias semânticas e sintáticas do maternês e o desenvolvimento de linguagem das crianças num momento posterior. Por exemplo, a extensão do enunciado da mãe no uso do maternês e a quantidade de pronomes utilizados com seus filhos de 18 meses previram a fala subsequente dessas crianças aos 27 meses de idade. A escolha das mães por construções simples facilitou o desenvolvimento da linguagem. No entanto, deve ser notado que a maioria dos estudos que encontrou alguma relação entre o maternês e o desenvolvimento da linguagem investigou o desenvolvimento do vocabulário das crianças e não da sintaxe, ou seja, foram estudos sobre a aquisição de palavras isoladas e não sobre como as crianças pequenas estruturam as suas frases.
Se o maternês for indispensável para a aquisição da linguagem, espera-se que ele seja encontrado em todas as culturas e línguas existentes, afinal de contas todos os seres humanos neurotípicos aprendem uma língua em sua primeira infância. No entanto, se existirem culturas em que o maternês não é utilizado, ele não poderá ser considerado necessário para a aquisição da linguagem. Portanto, para investigar a universalidade do maternês nas línguas humanas é necessário analisar o maternês em diferentes culturas. Um estudo relevante nesse aspecto é o de Laura Shneidman e Susan Goldin-Meadow, que em 2012 coletaram dados linguísticos em aldeias maias iucatecas no sul do México. Em estudos anteriores feitos por antropólogos, linguistas e psicólogos, foi constatado que os bebês maias, em geral, e os bebês maias iucatecas, mais especificamente, vivenciam tipos muito diferentes de ambientes linguísticos, se comparados aos bebês que crescem em comunidades euro-americanas de classe média. Essas diferenças decorrem de alguns fatores. Por exemplo, devido ao grande tamanho das famílias e à distribuição do trabalho doméstico, não é comum para os bebês maias passarem muito tempo com um único cuidador adulto. Em vez disso, a maior parte do tempo eles ficam com várias outras pessoas, e são as crianças, e não os adultos, que normalmente servem como principais cuidadores e companheiros de brincadeiras dos bebês. Além disso, os cuidadores maias, tanto adultos como crianças, normalmente não consideram os bebês como parceiros de conversa válidos e, portanto, raramente se dirigem diretamente a eles.
Ao analisar a fala dirigida à criança maia iucateca e compará-la à fala dirigida a crianças americanas que possuem famílias numerosas, as autoras descobriram que, nos EUA, as crianças ouvem principalmente os adultos falando diretamente com elas. Nas comunidades maias, no entanto, os bebês ouvem principalmente conversas entre outras crianças, em falas que não são dirigidas a eles diretamente. Ou seja, o maternês, apesar de difundido em diferentes culturas, não parece ser universal e os bebês são capazes de adquirir suas línguas nativas mesmo em comunidades onde o maternês não é amplamente utilizado.
Algumas pesquisas sugerem que apenas ouvir padrões de linguagem pode ser suficiente para que os bebês aprendam como as frases são construídas em suas línguas. Isso significa que ouvir conversas, mesmo que não sejam dirigidas diretamente a eles, pode ser tão útil para aprender a estrutura das frases quanto falar diretamente com os bebês.
Apesar do grande volume de estudos já conduzidos sobre o maternês, uma resposta definitiva ainda não foi alcançada sobre se o maternês é, de fato, necessário para que os bebês adquiram sua língua nativa. Embora uma relação mais direta possa ser estabelecida entre o maternês e a aquisição de vocabulário, a mesma relação ainda não foi claramente estabelecida para a aquisição de sintaxe.
No entanto, se olharmos para além do desenvolvimento linguístico, o maternês deve ser considerado por sua capacidade de transmitir emoções, promovendo o apego. Vários estudos destacam o impacto da emoção tanto na produção do maternês quanto em seus efeitos, desempenhando um papel muito importante na comunicação com os bebês. Ao utilizar o maternês, é criado um espaço emocional partilhado, onde a comunicação é moldada de acordo com as necessidades de desenvolvimento dos bebês. Portanto, nosso conselho às mães, pais e cuidadores é que continuem usando o maternês. Independentemente dos efeitos para a aquisição da linguagem, os bebês se beneficiarão do afeto e carinho trazidos por ele.
Elaine Grolla é professora associada (livre docente) do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo. Obteve o título de doutora em Linguística pela Universidade de Connecticut (EUA) em 2005. Realizou pós-doutorado na Universidade de São Paulo (2006) e na Universidade de Maryland, EUA (2014-2015). É fundadora e coordenadora do LEAL/USP – Laboratório de Estudos em Aquisição de Linguagem, onde desenvolve e orienta pesquisas sobre o desenvolvimento de aspectos sintáticos e semânticos do Português Brasileiro como primeira língua.