O império contra-ataca: como as big tech responderam à PL 2630

 Por Jorge Abrão

A long time, in a galaxy far far away (ou pelo menos como parece ter sido o ano de 2020) foi apresentado no Senado Federal o PL 2.630/2020, também conhecido como PL das Fake News, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Agora, 2023, a discussão voltou a ter destaque com a aproximação e posterior adiamento de sua votação.

Mais do que tratar de desinformação (como o apelido sugere) o projeto de lei busca criar regras de regulação de conteúdo nas redes sociais e outras plataformas digitais. Isso significa, também, uma regulamentação da publicidade digital no Brasil, colocando em jogo um bilhões de reais para as empresas que tem no faturamento com anúncios publicitários é a principal fonte de financiamento.

Em 2022, por exemplo, o mercado publicitário movimentou cerca de 46 bilhões sendo que 32,4 bilhões foram destinados para a publicidade digital – destes 7,6 bilhões foram investimentos realizado via agências e passíveis de auditoria pelo CENP (entidade de autorregulamentação do mercado publicitário), já 24,8 bilhões foram investimentos feitos diretamente com a plataforma – e os restantes 13,6 bilhões em publicidade off-line. Analisando esses dados, fica evidente a presença de uma assimetria que favorece as grandes empresas, as quais não estão sujeitas a nenhuma regulamentação, restrição ou exigência de transparência. Isso coloca anunciantes e consumidores em uma posição vulnerável aos interesses econômicos das plataformas. Publicidades que promovem a compra de armas, golpes de estado e fraudes financeiras podem ser facilmente veiculadas nessas plataformas, que também lucram com esse tipo de propaganda tóxica.

Como esperado, as big tech responderam, em carta aberta disse que “sem os parâmetros de proteção do Marco Civil da Internet e com as novas ameaças de multas, as empresas seriam estimuladas a remover discursos legítimos, resultando em um bloqueio excessivo e uma nova forma de censura”. Já o Telegram afirmou que o projeto PL 2630 “concede poderes de censura ao Estado” e o julgou como “desnecessário”, em uma mensagem enviada a todos os seus usuários. O  Supremo Tribunal Federal considerou a mensagem como “flagrante e ilícita desinformação” e determinou sua remoção. 

Assim começamos a perceber que resposta das empresas de tecnologia não veio apenas em notas e comunicados a imprensa, mas com ações. E já que ações valem mais palavras, vamos nos voltar para os atos de algumas empresas.

Se no Canadá e na Austrália, a Meta ameaçou remover notícias do Facebook se leis similares ao projeto brasileiro fossem aprovadas, tendo até bloqueado a notícias na plataforma durante um período como forma de pressionar o governo australiano, no Brasil a ofensiva foi mais intensa, envolvendo estratégias que apenas reforçam a necessidade da de se regulamentar a área. 

Segundo relatório do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro, as big tech anunciaram e veicularam anúncios contrários ao PL 2630, porém, de maneira obscura e contornando seus próprios termos de uso. Entre os exemplos apontados pelo laboratório estão: anúncios que não foram marcados como conteúdo político e social nas plataformas tanto no Google, quanto nas plataformas do Meta; anúncios no Spotify que afirma em seus termos de uso não permitir conteúdos pagos com teor político; recomendação de mídias hiper partidárias e contrárias ao PL no Google; indução do termo “PL da Censura e; sugestão de vídeos e influenciadores contrários a proposta do Youtube.

Diante vemos como as empresas se aproveitaram de sua posição privilegiado no para disseminar suas próprias ideias e influenciar negativamente a percepção dos usuários em relação ao projeto de lei. O que provocou, em conjunto com a resistência de diversos membros da Câmara e do Senado, o adiamento da votação, fazendo assim com que a regulamentação da Internet no Brasil seja ainda uma obra sem data de estreia marcada. 

Jorge Abrão é doutorando em Comunicação e Práticas do Consumo pela ESPM/SP e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

Nota
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001