Por Carlos Vogt
É possível mentir, mesmo dizendo a verdade?
Por mais paradoxal que pareça, sim!
Alguém pode enunciar uma verdade, digamos, objetiva, sem contudo, ele próprio acreditar nela e com ela comprometer-se.
É o caso das fake news, na versão mais sofisticada e, ao mesmo tempo, bruta dos que afirmam a democracia sem, entretanto, comprometer-se com a verdade do que afirmam.
São muitos os que, hoje, fazem isso no Brasil, a começar por figuras públicas que não só produzem, incentivam e propagandeiam falsidades, como alardeiam o “mérito” de serem campeões do desatino.
Gerar, espalhar, difundir, divulgar fake news não é um ato de prazer, em que o mentiroso mente e se compraz com a esperteza de enganar o outro e de sair vitorioso dos embates com uma piscadela de auto-benevolência para com sua traquinagem.
Vai longe o tempo em que o malandro já virou bandido e o comportamento “inocente” do mentiroso fundamentava uma crítica social de raízes cristãs e de intenções socialistas.
Não se está falando mais de um Lazarillo de Tormes, de um Leonardo, de Memórias de um Sargento de Milícias, de um Pedro Malasartes, de João Grilo e Chicó, mas de uma outra linhagem, cujo arquétipo poderia ser encontrado na figura de Mac-Navalha, da Ópera dos três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weil.
A crueza, a brutalidade, a violência vão tomando o lugar da ligeireza, da esperteza, da ofensa simpática e cordial, para instalar a marginalidade, não como estratégia dialética do confronto social e da superação dos contrários, mas como afirmação de um estado duro, bruto e ensandecido de desigualdade absoluta.
Os novos mentirosos da legião das fake news são dessa estirpe e formam, na dadosfera, milícias agressivas de caçadores da verdade para incendiá-la e com suas cinzas praticar os rituais sinistros e tenebrosos da mentira a qualquer custo.
Mesmo quando “arrependidos”, fingem que fazem o mea culpa da rendição e repetem, no ato de contrição, a verdade, por evidente, sem, contudo, acreditar nela e com ela comprometer-se.
É como se a mentira fosse uma segunda natureza e impregnasse de tal forma a vida social do indivíduo que, mesmo mentindo, acreditaria estar dizendo a verdade e, dizendo a verdade, estaria também mentindo.
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