Por Juliana Vicentini
O direito estabelece diretrizes para a exploração do espaço desde a Guerra Fria, mas ainda não conseguiu gerenciar de maneira efetiva o lixo que orbita sobre nós
A exploração espacial se iniciou na época da Guerra Fria, quando em 1957 a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) lançou o foguete Sputnik – primeiro artefato que chegou ao espaço – e nesse contexto de disputa pelo protagonismo com os Estados Unidos nasceu o direito espacial. Para Olavo Bittencourt Neto, professor da Universidade Católica de Santos, “os princípios fundamentais de direito espacial não podem ser dissociados do momento histórico em que foram concebidos. O próprio Tratado do Espaço de 1967, vigente até hoje, está inserido num quadro de acordos de desarmamento entre as superpotências”.
Olavo, que também é membro da Diretoria do International Institute of Space Law (IISL), explica que o direito espacial regulamenta normas de conduta aplicáveis à exploração e ao uso do espaço, como liberdade de acesso, prerrogativas de astronautas e responsabilidade por danos causados por objetos espaciais. “Como nenhum Estado pode exercer soberania sobre a questão, as normas têm matriz internacional”, diz. A coordenação fica dividida na ONU entre o Comitê para Usos Pacíficos do Espaço (Copuos) e o Escritório para Questões Espaciais (Unoosa).
Atualmente, a exploração do espaço não se restringe à hegemonia política das nações, e envolve diversas atividades que ocorrem na superfície terrestre. Olavo explica que a globalização, marcada pelo constante fluxo de dados e informações, deve muito à tecnologia satelital. “Igualmente, verifica-se impacto social e científico notável quanto aos conhecimentos sobre nosso planeta, com impactos diretos em atividades díspares, como agricultura e defesa. E o crescente monitoramento a partir do espaço tornou possível a localização em tempo real, criando verdadeira revolução para a logística de transportes e para a vida cotidiana”.
A exploração de recursos naturais também tem ocorrido no espaço, mas essa atividade ainda carece de arcabouço jurídico. O Tratado do Espaço estabelece liberdade de acesso ao espaço e proíbe apropriação soberana de corpos celestes. “O regime internacional em vigor parece insuficiente para regular o crescente interesse na exploração comercial de recursos naturais de corpos celestes. Por conta de potencial econômico e consequências políticas, atividades relativas a recursos espaciais podem dar origem a uma nova era do direito espacial”, diz o professor.
Lixo espacial
A exploração do espaço gera lixo, variados em tamanho e composição. Erika Rossetto, uma das diretoras da Space Data Association, explica que “o lixo espacial é todo o resto de objetos lançados no espaço, sem utilização. Pode ser um satélite que chegou ao final de sua vida útil, pode ser um resíduo de missão ou algum objeto. A maior parte é gerada por acidente. No início da exploração espacial não havia um controle tão grande sobre isso, e essa exploração um pouco descoordenada gerou muito resíduo”, diz.
De acordo com a Agência Espacial Europeia (ESA) e com a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), atualmente o lixo espacial ultrapassa a casa dos 170 milhões de objetos, considerando desde os menores (menos de um milímetro) até os maiores (mais de 10 centímetros).
Segundo Erika, que também é mestre em astronomia pela Universidade do Rio de Janeiro, o monitoramento depende do tamanho do objeto e do nível orbital onde se encontra. O rastreamento se dá por meio do uso de telescópio, radares e de alguns sensores. “Para os objetos que conseguimos rastrear temos uma atualização da posição da órbita. Porém, como há variação muito grande de tamanhos, muitos não conseguimos rastrear, e, nesses casos, temos algumas modelagens”, diz. Quando há um acidente, por exemplo, os especialistas estimam os objetos envolvidos. “Objetos menores só conseguimos estimar a quantidade, a distribuição espacial e como eles estão interagindo do ponto de vista de dinâmica. Monitoramos aqueles que estão em órbita baixa, em quantidade muito maior. Aqueles que estão na órbita geoestacionária, a 36 mil km de altitude da Terra, monitoramos os que forem maiores de 1 metro”, afirma a pesquisadora.
Essa quantidade de lixo espacial é um desafio para a própria continuidade das atividades, pois geram riscos para os satélites em operação. “Se há uma colisão com satélite ativo, cria uma perturbação em toda aquela região onde você poderia colocar novos satélites. Esse é o maior impacto do lixo espacial. Isso vai se multiplicando e tornando cada vez mais desafiador colocar novos satélites, e até mesmo novas órbitas”, pontua Erika.
Gerenciamento do lixo espacial
A gestão do lixo espacial é complexa, com limitações financeiras e tecnológicas. Há algumas iniciativas, mas são projetos ainda muito inovadores. “Atenderia apenas a região de órbita mais baixa, até 2 mil km, mas é interessante porque também é a região com mais objetos”, conta Erika. Ela explica que para o lixo que está na órbita geoestacionária é feito o reorbit, “que é colocar o satélite numa órbita que chamamos de cemitério, um pouco mais alta do que a geoestacionária, e o que estiver lá não causa perturbação nos objetos que estão operacionais”.
Pensando em alternativas para mitigar o lixo espacial, Erika Rossetto adiciona que também tem sido discutida a reutilização de alguns objetos. “Já tem foguete que é lançado e que se consegue reutilizar pelo menos algumas partes. Essa é uma das medidas que pode ajudar, porque quando você lança um objeto, a missão em si já gera resíduo. A população de lixo espacial é muito superior do que aquilo que é útil. O que a gente tenta hoje é fazer com que as missões sejam mais eficientes do ponto de vista de gerar menos resíduos”.
Sobre a jurisdição do lixo espacial, a pesquisadora enfatiza que “quando você lança o satélite, você é responsável, mas quando ele vira um lixo espacial não existe nada que te obrigue a se responsabiliza, nem que impeça outras empresas de coletar. Isso não é ainda muito bem determinado. A exploração espacial hoje é global e é muito difícil chegar no consenso para criar uma legislação”, pondera.
O professor Bittencourt Neto complementa que, recentemente, novos documentos foram aprovados internacionalmente voltados à proteção do meio ambiente espacial. “Destaco as Diretrizes para sustentabilidade a longo-prazo de atividades espaciais, aprovadas pelo Copuos em 2019. Embora não vinculantes, tais diretrizes favorecem padrões de conduta cruciais de impacto global”.
Juliana Vicentini é doutora em ciências (USP) e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp