O discutível desenvolvimento sustentável na mineração

Estudos apontam os lados controversos da mineração num mundo com alta demanda de recursos minerais

Por Job Batista Filho

Segundo estudo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) o garimpo aumentou mais de 350% nos últimos anos (2016 – 2022). Entre as observações sobre o período, “uma correlação entre a aprovação e a elaboração de mecanismos legais que flexibilizam o processo minerário em terras indígenas com o aumento de incidência de garimpo nessas áreas”, destaca a pesquisadora Martha Dourado, do IPAM.

Se o garimpo tem aumentado dentro dessas áreas supõe-se duas coisas: a primeira é a de que também aumentou fora dessas terras e, segundo, que exista uma preferência pelo garimpo nas terras indígenas, embora seja difícil comprovar essas hipóteses. “Temos que olhar para os números de garimpo para fazer essa análise, e provavelmente teremos muito mais garimpo fora do que dentro das terras indígenas”, aponta Cesar Diniz, pesquisador da equipe de Zona Costeira e Mineração do MapBiomas.

As terras indígenas hoje são como ilhas cercadas por agronegócio, pequenos produtores, terras do Estado e muitas são divisas com outros países, onde a fiscalização fica ainda mais complexa. Com o avanço da urbanização, essas ilhas estão cada dia mais ameaçadas.

Fonte: IPAM – Nota Técnica.

 

A pesquisadora Raíssa de Moraes, do Nepam/Unicamp (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais), defendeu recentemente a tese Arenas do garimpo em terras indígenas na região entre o Alto Tapajós e o Alto Xingu, em que estudou o território da etnia Kayapó, dos subgrupos Mekragnotire e Metuktire, e relata um caso emblemático de combate ao garimpo ilegal nessas terras. “Este sucesso se relaciona à organização das aldeias em associações indígenas legalmente constituídas, cujos escopos se concentram na captação e administração de recursos financeiros, aplicados em projetos voltados à proteção das fronteiras e ao incentivo de atividades econômicas sustentáveis”, aponta.

Ela ressalta a importância da coesão dos grupos para combater o garimpo, e que “apesar da pressão exercida, estes grupos sociais obtiveram tamanho sucesso que a atividade ilegal é inexistente na maior parte do território”. Outros pontos positivos apontados pelo estudo foram: “a potência e a capacidade de autodeterminação destes grupos, que captam parcerias e recursos financeiros para realizar projetos; a aplicação de um modelo autêntico de governança de recursos naturais; e um sistema eficaz de fiscalização do etnoterritório. Juntos, atuam como uma forma de blindagem à atividade garimpeira”.

“A experiência dos Kayapó possui a potencialidade de inspirar políticas públicas que visem à contenção da atividade garimpeira ilegal em territórios indígenas, tanto para esta quanto para outras etnias”, complementa a pesquisadora.

Rejeitos

Evitar a exploração em terras indígenas tem motivos importantes. “Os nossos estudos têm evidenciado que a história por si revela algumas consequências irreversíveis do processo de exploração mineral. E os exemplos mais imediatos são: o garimpo ilegal desenvolvido nas terras Yanomami e a tragédia humana que envolve esse segmento em particular, e de forma mais abrangente todos os amazônidas que são afetados pelo processo de contaminação dos lençóis freáticos”,  aponta o professor Gladson Hauradou, da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) de Parintins.

O professor realizou uma pesquisa de tese de doutorado  e os dados, articulados ao material teórico trabalhado, sinalizam que de fato há um processo predatório, de produção destrutiva, que tem efeitos na saúde. “Há a poluição do ar com partículas que são emanadas pelo processo de escavação na região dos platôs para o acesso à bauxita, há a contaminação dos lençóis freáticos e dos mananciais de água, além de questões como ruído e calor do maquinário”, diz. Em conversa com os comunitários e lideranças, o pesquisador observou que não há como remover, por exemplo, as barragens com os resíduos que são acumulados [decorrentes da lavagem da bauxita]. “A mineração é uma produção destrutiva. As barragens com os resíduos que são acumulados, por exemplo, aquilo não tem cura, só se fossem levados para outro planeta”, diz.

Só no Pará, em 2021, a produção de ferro foi de 192 milhões de toneladas, aproximadamente, com um teor de cerca de 65%, que é considerado alto, um dos maiores do mundo. Isso significa que os 35% restantes da rocha, se não forem reaproveitados, são descartados em bacias ou pilhas de rejeitos. Esses são os resíduos da mineração, além do estéril e da camada de solo que cobrem as jazidas minerais. Como comparação, no mesmo ano, Minas Gerais produziu 363 milhões de toneladas, aproximadamente, com um teor de cerca de 49%, ou seja, mais da metade do que é extraído se torna resíduo, se não for reaproveitado. Esses dados estão no Anuário Mineral de 2022.

A maior parte do ferro é direcionado para a China, que consome cerca de 75% do que é extraído no mundo (cerca de 1,2 bilhões de toneladas) para produzir aço, armamentos, navios, aviões, casas e carros elétricos. O Brasil exportou 378 milhões de toneladas de ferro em 2023, sendo 260 milhões só para o país, ou seja, quase 70% foi para o território asiático.

A destinação adequada ou o reaproveitamento dos resíduos são um desafio para a ciência e tecnologia da mineração, sendo a causa dos maiores desastres ambientais no setor atualmente. Bacias de rejeitos – como em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais – que se acumulam em grandes quantidades, poderiam ser reaproveitados em vez de serem estocados, agravando os impactos ambientais.

O Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) é referência nacional em estudos de reaproveitamento desses materiais, e eliminar os problemas causados pelos resíduos seria um grande avanço para a sustentabilidade da mineração, buscando novas estratégias de pesquisa e desenvolvimento nesta área.

Negócios intensificados

A demanda por minério está aumentando no mundo todo devido ao aumento populacional e as novas tecnologias, como celulares, computadores e carros elétricos, que necessitam de grande quantidade e diversidade de minerais, pressionando  por mais matéria-prima. Sem falar nos minerais energéticos, como urânio e lítio, que precisam suprir a demanda de energia para que esses novos aparelhos e maquinários funcionem corretamente.

Com isso, “o número de empreendimentos de mineração listados em bolsa aumentou significativamente no Brasil e ainda há muito potencial de crescimento”, afirma o professor Giorgio de Tomi, professor da USP no Departamento de Engenharia de Minas da Escola Politécnica. Na B3 (antiga Bovespa) são 8 empresas de mineração listadas e 11 na área de petróleo, gás e biocombustível. “Por exemplo, além das empresas de mineração já listadas no Brasil, há mais 45 empresas brasileiras de mineração na bolsa de valores de Toronto, no Canadá”, destaca o professor.

Segundo o Sumário Mineral do Aço o consumo per capita de aço bruto no Brasil foi de 100 kg/habitante em 2017 (crescimento de 3,9% em relação a 2016), que é considerado muito baixo em comparação com outros países como Coreia do Sul (1.152 kg/habitante), Taiwan (897), Japão (550), China (545), Alemanha (538) e Turquia (475).

Há potencial para crescer, mas é preciso analisar os efeitos gerados. As grandes minerações têm desenvolvido planos de ciência e tecnologia, mas a pequena e média mineração, que é a maioria no país, “ainda carece de mecanismos adequados de financiamento para o setor e de políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento científicos e tecnológico desses empreendimentos”, ressalta Giorgio.

Mais problemas no horizonte

No caso da Amazônia, a mineração está aumentando os problemas sociais e ambientais e gerando crises humanitárias. Estudos apontam que a mineração não traz emprego de qualidade nem em quantidade almejada para a região, por ser uma atividade intensiva, que  ainda pode gerar mais problemas sociais como a concentração de renda, conforme constatam as pesquisas da tese de doutorado Maldição ou dádiva? Os dilemas do desenvolvimento sustentável a partir de uma base mineira, de Maria Amélia Enriquez, economista e professora da UFPA (Universidade do Pará), e que se tornou livro.

De acordo com a tese, a mineração se tornar uma maldição ou uma dádiva depende do país e de seus habitantes, que precisam de planejamento e aparato legal, político e fiscal bem estabelecidos para acompanhar e gerenciar a atividade mineira e seus royalties. É preciso mudar o modelo, que não gere tanta riqueza às empresas, que são na maioria estrangeiras, e minimize os problemas sociais. “A maldição ou dádiva dependerá de como seus frutos forem aproveitados”, finaliza Enriquez, citando o economista indiano e prêmio Nobel Amartya Sem.

Dragas de garimpo no Rio Madeira. Autor: James Martin-Wikimedia Commons.

A Noruega, um dos países no topo do ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e que contribui para o Fundo Amazônia, é a  sede de uma das maiores empresas de mineração que atuam no Brasil, e explora bauxita na região de Barcarena/PA, com inúmeros relatos de problemas ambientais.“O modelo de mineração do Pará é concentrador de renda, apresenta elevado custo por cada emprego gerado – e gera poucos -, é intensivo em energia e, nos seus mais de quarenta anos de presença no Estado, embora tenha promovido um crescimento exponencial em alguns de seus macro indicadores, tais como saldo das exportações, volume e valor de produção, dimensão das jazidas, entre outros, não alterou estruturalmente a condição socioeconômica do estado”, escreve Enriquez na obra Mineração dinâmicas socioeconômicas no Pará e alternativas para contrapor à maldição dos recursos.

Enriquez traz também como solução “taxar menos o trabalho e taxar mais o fluxo de recursos naturais”, pondera em artigo publicado na revista EcoEco, da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. “Promover encadeamentos fortes e engajamento da atividade mineral na região, como incentivo às indústrias e comércios locais com atividades ligadas a mineração é um desafio contra a maldição da mineração, que sem engajamento apenas retira o minério e o desloca para outro local ou nação, deixando um buraco na terra e na alma dos habitantes da região”, completa a professora.

Engajamento, no caso, de forma a implantar a atividade mineradora no cotidiano local, expandindo seu uso para ciência, turismo mineral/geológico, sustentabilidade, preservação do meio ambiente e tecnológico.

Seguindo na busca por soluções, a professora também aponta o Zoneamento Ecológico, “em que se determinam áreas de extrema importância para o equilíbrio ecossistêmico e não pode ter mineração mesmo que tenha uma reserva mineral importante”, diz. Isso porque como a mineração também requer uma infraestrutura e logística complexas, Enriquez não é muito otimista. “A tendência é a de que a mineração realmente descambe para o lado da maldição”, lamenta.