O desafio de restaurar áreas verdes urbanizadas e produtivas

Por Thalita Dalbelo e Laura Martins de Carvalho

O desenvolvimento dos centros urbanos na maioria das cidades brasileiras não contou com um planejamento adequado que aliasse a atenção às novas demandas de edificações com a manutenção de áreas verdes. A consequência inevitável dessa falta de planejamento foi uma redução excessiva da vegetação nas cidades, canalização e cobertura de córregos e rios, com consequências negativas para a maioria das grandes cidades atualmente, seja pelo aumento das temperaturas, formação de ilhas de calor, deslizamentos de encostas e agravamento das enchentes em períodos de chuvas intensas. Os benefícios das áreas verdes urbanas são diversos e vão muito além da valorização visual e ornamental. Elas possuem a importante função de reduzir efeitos da poluição, agem diretamente na redução da temperatura e na velocidade dos ventos, além de influenciarem no balanço hídrico e ainda podem servir de abrigo a diversos animais que vivem nas cidades.

Quando se toma a universidade como um microcosmo da cidade e lança-se o olhar sobre a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é possível notar que no processo de ocupação do seu território, iniciado na década de 1950, as características naturais não foram consideradas, resultando na canalização do córrego que cruza o campus Zeferino Vaz e a consequente supressão de sua Área de Preservação Permanente (APP). Ao longo do tempo, essa ocupação representou o isolamento dos remanescentes de vegetação nativa e o aumento da taxa de atropelamento de animais, visto que suas rotas verdes foram interrompidas por ruas e avenidas.

Nos anos 2000, retomou-se a preocupação com o meio ambiente no campus, objetivando restabelecer a conexão entre a vegetação fragmentada, manter os serviços ecossistêmicos e conservar a biodiversidade local. Essas ações tornaram-se ainda mais intensas com a aquisição da Fazenda Argentina, área de 144 hectares contígua ao campus, que contém mais de 28 hectares de áreas de preservação.

Os projetos iniciais voltados para a conservação da biodiversidade local foram realizados para minimizar os impactos da presença de animais no campus, com a sensibilização da comunidade local, a sinalização de vias, a instalação de barreiras de proteção nas áreas de preservação permanente através de cercamentos e o estudo de viabilidade de implantação de passadores de fauna. Nesse momento, iniciou-se o pensamento sobre o projeto Corredores Ecológicos da Unicamp.

A ideia do projeto Corredores Ecológicos está alinhada, desde sua concepção, ao Projeto Reconecta RMC, que, vinculado ao Plano Municipal do Verde (2016), tem o objetivo de estabelecer conexão e cooperação entre os municípios que compõem a Região Metropolitana de Campinas com fins de preservação e conservação da biodiversidade local. Com o passar dos anos, o projeto Corredores Ecológicos da Unicamp foi ganhando mais profissionais adeptos e mais visibilidade institucional, até que, em 2021, foi selecionado como um projeto estratégico para a universidade.

Como é institucionalmente estratégico, o projeto Corredores Ecológicos da Unicamp tem como objetivo conectar as áreas de preservação e polígonos de compensação do campus Zeferino Vaz e Fazenda Argentina entre si e entre os fragmentos de vegetação da área externa à universidade, permitindo o fluxo gênico de fauna e flora através da construção de passadores de fauna, de plantio e de manutenção de vegetação nos corredores ecológicos, bem como seus cercamentos e sinalização. Este projeto é uma parceria entre a Coordenadoria de Sustentabilidade, a Divisão de Meio Ambiente e o Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável.

Em termos de indicadores, este projeto trará a redução do grau de isolamento das áreas de vegetação remanescente, a melhoria do fluxo genético através da dispersão de sementes, da sobrevivência de espécies territorialistas e aumento da taxa de sobrevivência das espécies animais e vegetais, a redução de atropelamentos nos cruzamentos entre passagens de fauna e sistema viário. Em números, serão 217.000m² de corredores ecológicos; 92m de passadores de fauna; 6.500m de cercamentos; 300.000m² de área de plantio, com o investimento de 6,2 milhões de reais.

Além da restauração ecológica das APPs existentes e a conectividade entre elas, o projeto também prevê uma área de amortecimento, onde está sendo proposta uma agrofloresta. Atualmente, o projeto encontra-se na fase de desenvolvimento de projetos executivos para os passadores de fauna e para a restauração ambiental.

Para as áreas de amortecimento dos corredores ecológicos, a agrofloresta é pensada como  áreas verdes produtivas, com atividades agrícolas, como alternativa para uso e ampliação de áreas verdes nas cidades, pois a produção agrícola tem se tornado elemento central no planejamento urbano em diversas cidades do mundo, bem como de projetos urbano-arquitetônicos, nos aspectos sociais, ecológicos, econômicos e espaciais, com projetos modernistas de cooperativas agrárias e fazendas urbanas comunitárias.

Nessa direção, em oficina participativa sobre Faixas de amortecimento produtivas no HIDS, realizada em outubro de 2022 pelo Centro de Estudo sobre Urbanização para o Conhecimento e Inovação (CEUCI), foram destacados o benefício dos sistemas agroflorestais (SAFs) e a implantação de projetos de agricultura urbana nessas faixas verdes, para serem geridas por iniciativas de base, garantindo, dessa forma, sua manutenção com manejo permanente através de projetos de inclusão social e parcerias com movimentos populares. A implantação prevê estratégias distintas em propriedades públicas e privadas e é consenso que existem fragilidades ou ausência de marcos legais consistentes e robustos para a criação de faixas verdes de amortecimento e para a regulamentação das áreas verdes produtivas, sendo um dos principais desafios para a implantação e gestão dos corredores ecológicos produtivos periurbanos, em particular na área HIDS.

Em oficina participativa realizada em novembro de 2023, de Produção agrícola urbana e periurbana em distritos do conhecimento, foi aprofundada a inserção da produção agrícola em áreas urbanas e periurbanas em territórios do conhecimento, buscando o desenvolvimento de seu potencial socioeconômico, de articulação entre múltiplos atores, tecnológico, infraestrutura e inovação, com a finalidade de formação de um Distrito de Inovação Alimentar, que mostra as diversas oportunidades para pesquisa e desenvolvimento integrado entre as áreas humanas, biológicas e tecnológicas, com possibilidades concretas de aplicação e parcerias entre sociedade civil organizada, pesquisa acadêmica, poder público e iniciativa privada, especialmente as startups.

Os Distritos de Inovação Alimentar concentram geograficamente negócios, serviços e atividades comunitárias voltadas para a alimentação, apoiadas localmente através de iniciativas de planejamento e desenvolvimento econômico a partir da articulação entre poder público, iniciativa privada e universidades. Esses distritos promovem ambientes de negócios que estimulam o desenvolvimento do sistema alimentar regional e aumentam o acesso aos alimentos locais. Podem incluir serviços como mercados, incubadoras de empresas alimentares e instalações de uso comum de armazenamento, embalagem e distribuição que proporcionam a colaboração empresarial para estimular oportunidades de criação de produtos, partilha de informações e parcerias em eventos e promoção de mercado.

O projeto dos corredores ecológicos produtivos no HIDS e o Distrito de inovação alimentar são exemplos de estratégias de recuperação de áreas verdes associadas à produção de alimentos e desenvolvimento socioeconômico em um território do conhecimento que pode ser replicado em outras cidades. 

Outro exemplo de relação direta entre universidade, desenvolvimento urbano e produção agrícola é o da escola de Arquitetura, Planejamento e Conservação da Universidade de Maryland nos Estados Unidos, que oferece a disciplina ‘O Distrito de Inovação AgroEcológica (AID). A disciplina envolve a aplicação de conhecimento no desenvolvimento do Campus Norte da referida universidade, buscando criar e ampliar novas relações espaciais entre a produção agrícola e o espaço público, ecologias humanas e não humanas, o desenvolvimento urbano e o campus. A proposta da disciplina é um exercício de design que explora um urbanismo em que a agricultura, os edifícios e a infraestrutura são desenvolvidas em conjunto. A diferença entre urbanismo agrícola e agricultura urbana é que a última geralmente é realizada em áreas abandonadas de urbanismo pré-existente (Clark et ali., 2022).

Thalita Dalbelo é coordenadora da CSUS/Unicamp e pesquisadora associada do CEUCI

 Laura Martins de Carvalho é pós-doutoranda do CEUCI

Referências

Center for Regional Food Systems. Food Innovation Districts: An Economic Gardening Tool. Michigan State University. n/a. Available at: <https://www.canr.msu.edu/foodsystems/index>

CLARK et ali. AgroEcology Innovation District Designing Agricultural Urbanism at the University of Maryland. University of Architecture, Planning and Preservation of the University of Maryland, 2022. Available at: <https://arch.umd.edu/research-creative-practice/projects/agroecology-innovation-district-agricultural-urbanism-university-maryland >

DALBELO, Thalita S.; GALANTE, A. E.; ROMERO, G. M.; DIEGUEZ, A; TORNIZIELLO, T. M. Plano Diretor Integrado da Unicamp 2021-2031: uma visão de futuro para os campi. 1. ed. Campinas: Biblioteca Central Cesar Lattes – BBCL/Unicamp, 2021. v. 1. 115p.

DALBELO, Thalita S. Interacting the Urban Masterplan of Unicamp with the Sustainable Development Goals. Journal of Sustainability Perspectives, v. 1, p. 270-278, 2021.