Por Leonardo Pinto de Magalhães
Em 2020, uma das auxiliares da campanha de Donald Trump teve a participação retirada de um encontro do Partido Republicano após publicar em redes sociais uma fake news que citava os Protocolos dos sábios de Sião como uma de suas fontes. Esse livro conspiratório, popular desde 1905 quando foi publicado pela primeira vez na Rússia, trata de uma suposta dominação mundial orquestrada pelos judeus.
Ao pesquisar teorias da conspiração para uma de suas obras, o quadrinista Will Eisner se deparou com o texto sendo divulgado em fóruns da internet e sentiu a necessidade de produzir algo sobre o tema. Por isso, em 2005 ele publica O complô, obra na qual trabalhou por vinte anos.
Considerado um dos maiores quadrinistas de todos os tempos – tanto que o maior prêmio da área leva seu nome – Eisner ficou famoso com obras como The Spirit e Wonder Man. Na graphic novel O complô, o autor retrata a história dos Protocolos dos sábios de Sião, desde sua origem nas disputas políticas da Rússia czarista, passando pelo caso Dreyfus na França, até ataques a sinagogas nos anos 2000. O primeiro motivo para ler O complô é entender como uma teoria conspiratória tão malfeita foi levada adiante com anuência de tantos.
Outro motivo para ler a HQ é devido a sua qualidade. Feita em preto e branco, sem uma divisão clara dos quadrinhos, o autor descreve os fatos através do desenho de homens confabulando em cafés, cenas enevoadas pela fumaça dos cigarros, com um aspecto que remete a romances de espionagem. Esse clima é feito sob medida para contar a história de uma teoria da conspiração orquestrada pelos serviços secretos de ao menos três países.
Há passagens históricas importantes nos desenhos de Eisner, como a contribuição de Henry Ford na popularização da teoria de dominação judaica. Em 1920 ele publica no Dearborn Independent, com base nos Protocolos dos sábios de Sião, uma série de “reportagens” chamada “O judeu internacional”. Essas publicações de Ford foram elogiadas por Adolf Hitler e Goebbels, sendo utilizadas como propaganda antissemita na Alemanha nazista (onde os Protocolos já tinham enorme popularidade). Até Winston Churchill acreditou na história falsa e publicou um artigo no Reino Unido sobre o “perigo dos judeus internacionais”.
Protocolos dos sábios de Sião é uma cópia com alterações do livro O diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu. Escrito originalmente por Maurice Joly na França do século XIX, o livro era uma crítica ao governo de Napoleão III e não citava nenhum judeu. Os diálogos escritos por Joly se encaixavam perfeitamente na ideia de conspiração que alguns aristocratas russos queriam atribuir aos judeus que viviam no país. Após a falsificação, o livro se popularizou ao ser lido por políticos em praças públicas das aldeias russas, onde a população, em sua maioria analfabeta, passou a espalhar a história de forma oral. Eisner compara os dois textos e fica evidente que a falsificação é uma cópia, às vezes literal, do texto original de Joly.
Na introdução de O complô, feita pelo escritor Umberto Eco, há também uma série de citações a outras possíveis influências na origem da teoria conspiratória, e uma explicação do porquê Os Protocolos ainda possuírem tanta popularidade. Ao estudar autores antissemitas, Eco viu que “é a profunda necessidade das pessoas em isolar o Inimigo que as leva a acreditar nos Protocolos”.
A figura de um inimigo, neste caso os judeus, que age às escondidas para destruir a família, o Estado ou a Igreja, é muito presente nessa teoria conspiratória e em fake news atuais. O livro, apesar de falso, exerce um papel reforçador do preconceito e crenças dos que acreditam nele.
Além disso, Steven J. Zipperstein, professor de Stanford, em um artigo de 2020 chamado “The conspiracy theory to rule them all” para a revista The Atlantic, sobre a popularidade permanente dos Protocolos dos sábios de Sião, diz que a estrutura do texto é atraente para quem busca uma explicação simplista do funcionamento do mundo. Seu arco, composto por heróis e vilões, se assemelha à literatura ou contos de ficção, histórias que são compreensíveis e atraentes ao público.
A leitura de O complô, por ser no formato de histórias em quadrinhos, é leve e ágil. Mas, não se engane, o autor não trata o tema com leviandade ou sem a seriedade necessária. Ao terminarmos a leitura ficamos com a sensação incômoda de como a manipulação de parte da população com interesses políticos, através de teorias conspiratórias, é permanente, atual e violenta. Como, mesmo com o passar dos anos, as mentiras permanecem no imaginário popular somente esperando uma crise social para escolher os inimigos contra quem apontar. Ler O complô é uma chance de compreender mais sobre o nascimento de teorias conspiratórias e como elas se espalham. Entender o passado pode ser uma maneira de evitar que os erros se repitam.
O complô (The Plot) Will Eisner Companhia das Letras/2006
Leonardo Pinto de Magalhães é doutorando em engenharia de sistemas agrícolas (USP) e aluno da especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)
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