Por Fátima Gigliotti
Voltada para a indústria cinematográfica de exibição, distribuição e fornecedores de tecnologias, serviços e produtos, a convenção aconteceu em São Paulo de 16 a 18 de novembro, e foi também sede do “Encontros Spcine”.
Foram três dias de intensa programação e uma conquista de porte para o cinema do Brasil: em sua terceira edição, a Expocine 2016, que aconteceu de 16 a 18 de novembro, no Centro de Convenções Frei Caneca, em São Paulo, tornou-se o segundo maior evento do mercado cinematográfico mundial, além de consolidar sua posição como o maior evento de toda a América Latina. Foi sede ainda dos Encontros Spcine, a empresa de cinema e audiovisual de São Paulo.
Do balanço final da terceira edição da Expocine constam mais de três mil inscritos, a participação de mais de 100 empresas e marcas entre expositores, patrocinadores e expositores; as apresentações dos estúdios Fox Film do Brasil, Paramount Brasil, Sony Pictures Brasil, Universal Pictures Brasil, Walt Disney Studios BR, Warner Bros. Pictures Brasil e da distribuidora independente Diamond Films Brasil, que apresentaram trailers e conteúdos inéditos especiais dos principais lançamentos de 2017; a participação de representantes do mercado de cinema dos Estados Unidos, Argentina, China, Colômbia, Canadá, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Reino Unido; dez palestras e debates sobre circuitos independentes de exibição, as salas 4D, impactos do streaming, realidade virtual etc; o Encontros Spcine.
Sobre o evento, o diretor da Expocine, Marcelo Lima, afirmou: “Conseguimos abarcar na Expocine todos os campos do mercado de cinema, desde a produção e a distribuição, até a exibição. E isso é fundamental para aprofundar discussões e trocar experiências que contribuirão para a evolução do mercado cinematográfico na América Latina”. Lima ressalta ainda que no contexto internacional, o continente representa um alto potencial para o cinema, já que “enquanto a bilheteria mundial registrou em 2015 um crescimento de 5%, na América Latina essa marca foi de 13%, segundo a MPAA – Motion Picture Association of America (Associação de Cinema da América).
Novas tecnologias
É no setor de exibição que acontece atualmente grande parte das pesquisas para desenvolver novas tecnologias e oferecer ao espectador novas experiências na sala de cinema. Após a digitalização da exibição, agora é o conceito de imersão um dos destaques das inovações. Na Expocine 2016, um dos espaços mais concorridos foi a mini sala de cinema com tecnologia de som imersivo, que permite ao público ouvir com nitidez todos os componentes do som de uma cena ou sequência e, espera-se, se sentir como se fizesse parte do filme.
O público também se divertiu com a experiência combinada entre cinema 4D e realidade virtual, uma das últimas gerações de proposta de imersão durante a exibição de um filme. Poltronas que se movimentam no ritmo do filme, com três níveis de intensidade, autonomia para o espectador reduzir ou desligar os efeitos imersivos, equipadas com simuladores e até com efeitos que simulam vento e cheiros, devem estar disponíveis em breve nos cinemas.
Outra forte tendência no mercado são as projeções a laser, e o Brasil é pioneiro na América Latina, com a inauguração, em outubro, do primeiro complexo integralmente equipado com a nova tecnologia. Além de oferecer ao espectador qualidade superior de imagem, o equipamento proporciona ao complexo exibidor economia de energia que pode chegar a mais de 50%.
São inovações voltadas para o que se costuma chamar de cinema-evento ou filme-evento, ligadas sobretudo à exibição de blockbusters – os grandes lançamentos dos maiores estúdios, que levam milhões de pessoas aos cinemas, em geral, com efeitos especiais de última geração e histórias de aventuras. Luis Calil, diretor comercial do circuito de exibição Cinesystem, afirma que “o mercado de cinema passa constantemente por mudanças, mas o trunfo do exibidor é entregar uma experiência cinematográfica que chame a atenção do espectador”.
Acessibilidade e inclusão social
Se, internacionalmente, a possibilidade de incluir cadeirantes e deficientes visuais e auditivos na experiência do cinema 4D tem sido uma questão importante, mas ainda sem propostas concretas, no Brasil já há tecnologias viáveis e disponíveis para a acessibilidade e a inclusão social. Há recursos como um aplicativo que, por sincronização de áudio, possibilita que os usuários assistam ao filme com conteúdo de acessibilidade em uma segunda janela, e também um aparelho composto por uma pequena tela LED em um braço de suporte flexível, acoplada no porta-copos da poltrona em que são projetadas as legendas para audiências com deficiência auditiva.
São iniciativas que atendem à Instrução Normativa 128/2016, da Ancine – Agência Nacional do Cinema – com a determinação de que, até setembro de 2017, 50% dos cinemas das redes com mais de 21 salas deverão estar equipados com tecnologias capazes de conteúdo acessível a deficientes visuais e auditivos. Para os grupos menores, 30% das salas serão obrigadas a apresentar esses recursos no mesmo prazo. E, em 2018, todos os complexos de cinema do País precisarão estar completamente adaptados a esta realidade.
Ainda sobre inclusão, no âmbito do Encontros Spcine, houve um fórum sobre o audiovisual negro, com o objetivo de discutir como as políticas públicas podem ser mais efetivas para ampliar a participação de negros e negras à frente e atrás das câmeras. Apesar de 54% da população do país ser negra, segundo o último levantamento disponível no IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) constatou, a partir da análise das vinte maiores bilheterias de 2002 a 2014, que 84% dos cineastas são homens brancos; 14%, mulheres brancas; e 2%, homens negros.
“Precisamos do fortalecimento de uma política de formação para que realizadores, exibidores, distribuidores e todo o setor possam compreender a necessidade da linguagem do negro no cinema”, afirmou a advogada e cineasta Viviane Ferreira. Dia 2 de dezembro, durante a realização da série Diálogos Ausentes e 1º Seminário Audiovisual Negro, realizada no Itaú Cultural de São Paulo, foi criada a Associação dos/as Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), que integrará o Conselho Consultivo da SPCine.
No primeiro semestre deste ano, o Spcine lançou um edital de curtas já com o olhar dirigido para o audiovisual negro. Há ainda uma parceria entre a instituição e o Instituto Criar, que facilita a jovens de 18 a 19 anos ter experiência na área com estágio em produtoras, distribuidoras e exibidoras. “Durante cinco meses, eles entendem como funciona a arte de fazer cinema”, disse Raul Perez, do Spcine.
Também o grupo Mulheres do Audiovisual esteve presente no evento, no Encontros Spcine, para fazer um balanço do primeiro ano de atividade. “Foram analisadas 2.606 obras em 2015, e na direção tínhamos 19% de mulheres, incluindo curtas, médias, longas e séries para televisão. No roteiro estamos em 23%, e nossa participação é muito maior na produção executiva com 41%. Estamos mais presentes na construção, nos bastidores, do que na criação desses projetos. Quem vai falar em nome dessas obras normalmente é o diretor, e um dos nossos objetivos é ampliar nossa presença na direção”, afirmou Débora Ivanov, que faz parte da diretoria colegiada da Ancine. Ela disse ainda que a agência criou uma paridade de gênero nas comissões do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) com o objetivo de aumentar a presença de mulheres atrás das câmeras.
O(s) futuro(s) do audiovisual
A televisão e o streaming são uma ameaça ao futuro do cinema? Para o CEO da Rede Telecine, João Mesquita, a resposta é não, e o caminho continua a ser o da parceria. ““Nosso valor depende do sucesso do cinema, é uma questão de sobrevivência. No Brasil, quanto mais forte é um filme [na telona], melhor para todos”, comentou o executivo, destacando ainda que é por esse motivo que a Rede Telecine promove e coproduz filmes no País. Na rede, 90% do consumo de conteúdo em seu canal de VOD (vídeo sob demanda) ainda vêm daqueles 10% de longas que tiveram mais sucesso nos cinemas.
Se nenhuma mídia tem tanta atenção quanto a telona, como afirmou o diretor executivo Laudson Diniz, da Cinelive, maior empresa de transmissão via satélite do Brasil, e o cinema continua sendo a grande vitrine do mercado audiovisual para longas-metragens, como disse Calil, da Cinesystem, o importante é que o espectador possa assistir ao filme da maneira mais confortável para ele. Por isso, para Calil, há a possibilidade de que existam produções mais afeitas ao streaming, como as de arte ou de nicho, e o vídeo por demanda pode contribuir para conquistar novos públicos para o cinema.
Para os blockbusters de Hollywood e os grandes circuitos de exibição, parece garantido o sucesso na indústria cinematográfica nos próximos anos, mas o mesmo não se pode afirmar das produções independentes nacionais ou internacionais e dos exibidores de médio e pequeno porte do país. O diretor da Ancine, Roberto Lima, afirmou que na agência, atualmente, o setor de operadores de cinema – que vem crescendo nos últimos cinco anos – conta com uma coordenação exclusiva.
No mercado de exibição brasileiro, composto de 3.150 salas, com quase 100% de digitalização, segundo dados de 2015, o número de cinemas com poucas salas ainda é dominante, e apenas três complexos brasileiros têm 15 ou mais telas. São esses cinemas com poucas salas, especialmente aqueles com apenas uma tela, os que têm mais dificuldades de se manter. Mas são também eles que mais exibem conteúdo nacional, disse Lima. O diretor da Ancine afirmou que a agência está em processo de reavaliação e readequação das linhas de fomento que oferece como do Prêmio Adicional de Renda – PAR, Cinema Perto de Você, Cinema da Cidade, Lei do Audiovisual e Funcine.
A gerente do departamento de Economia da Cultura do BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento, Fernanda Farah, disse que o mercado audiovisual como um todo cresce em ritmo mais acelerado do que o resto da economia – como exemplo, comparou a venda de veículos entre 2010 e 2015, que sofreu queda de 26%, às bilheterias, que apontam crescimento de 53% no mesmo período. A instituição já apoiou 420 filmes brasileiros, a criação de 409 salas de cinema e a digitalização de 770 telas. Dos R$ 400 milhões já investidos pelo banco, 70% foram para pequenos e médios exibidores. Na Expocine, a executiva do BNDES anunciou o PROCULT, linha de financiamento de valor mínimo de R$ 1 milhão para construção e ampliação de salas de cinema, com valores oriundos tanto do programa como do FSA – Fundo Setorial do Audiovisual.
Dentre as iniciativas públicas de incentivo à exibição de pequeno e médio porte, há ainda o Circuito SpCine, que em dois anos de atuação conta com 18 salas públicas de cinema em todas as regiões da cidade de São Paulo. “Chegamos em mais de 200 mil espectadores em bairros da periferia com as salas do Circuito. Isso gera cidadania e, depois, mercado consumidor audiovisual. Em menos de dois anos, já é possível ver resultados, ver que a relação custo/benefício foi boa para o interesse público dos paulistanos”, afirma o diretor-presidente da Spcine, Alfredo Manevy.
Os próprios exibidores também têm buscado e implementado inovações e alternativas para seduzir o público para seus circuitos e salas de cinema. Em São Paulo, por exemplo, Facundo Guerra, sócio fundador do Grupo Vegas, inaugurou no Cine Belas Artes, a sala Cine Drive-in, em que as cadeiras são bancos de carros, há uma cozinha exclusiva no fundo da sala montada na carcaça de um trailer, e a programação é diferenciada: “Se entra um filme do Almodóvar, temos o ciclo Almodóvar”, explicou o empresário, para quem foi surpreendente constatar que o público é predominantemente jovem, em busca de uma experiência diferenciada e não tão industrializada.
A Cinelive investiu em conteúdos diversificados, com a exibição de shows de rock, óperas e até campeonatos de games para trazer novos públicos ao cinema. “Na final de um determinado jogo, havia 15 mil pessoas no Allianz Park e outras 10 mil em salas espalhadas pelo Brasil. Por isso sou defensor da experiência, pois vamos ao cinema para ter uma nova experiência juntos”, afirmou Diniz.
Outro exemplo muito interessante de diversificação de circuitos médios e pequenos para conquistar o público foi apresentado por Tim League, CEO e fundador da Alamo Drafthouse Cinema, rede norte-americana que equilibra blockbuster e filmes independentes, oferece opções diferenciadas de cardápio e bebidas, além de ambiente e arquiteturas próprios e ainda ter uma distribuidora independente, a Darthouse Film. “Nossa missão é entregar experiências incríveis aos espectadores, que os deixem com vontade de voltar. A programação diversificada é uma das formas da rede buscar essas experiências, tanto que 8% da receita vêm da exibição de conteúdos alternativos, como peças de teatro e ópera, enquanto 15% vêm da bilheteria de filmes independentes”, explicou.
A quarta exibição da Expocine vai acontecer entre os dias 27 e 29 de setembro de 2017.