Por Sarah Azoubel Lima
Os microrganismos do corpo também respondem ao exercício
Os efeitos do exercício vão muito além dos músculos treinados. Praticar uma atividade física ajuda a dormir, melhora o humor, e pode diminuir os riscos de doenças cardíacas, diabetes e até de Alzheimer. A surpresa é que o exercício pode mudar também a composição dos trilhões de microrganismos da microbiota intestinal. “Tanto os nossos dados, como os de outros grupos, indicam que o exercício altera tanto a composição da microbiota quanto os metabólitos produzidos pelos microrganismos no intestino”, diz Jacob Allen, pesquisador no Nationwide Children’s Hospital, em Columbus, no Estados Unidos.
Allen cursou o doutorado na Universidade de Illinois, onde investigou o efeito do exercício na microbiota intestinal, sob a orientação do professor do Departamento de Cinesiologia Jeffrey Woods. Em um dos estudos, os pesquisadores separaram camundongos em dois grupos: um grupo corria regularmente, e o outro era sedentário. A microbiota intestinal desses animais foi então transferida para camundongos germ-free, que são criados em ambientes estéreis e são completamente livres de microrganismos. “Nós descobrimos que os animais que receberam os microrganismos dos camundongos ativos tinham uma microbiota diferente, e também um nível menor de inflamação no intestino”, conta Allen. Os animais que foram colonizados pela microbiota dos corredores também se mostraram melhor equipados para resistir e reparar irritações e úlceras no cólon, quando comparados aos que receberam a microbiota “sedentária”.
Existem evidências preliminares que sugerem que a microbiota intestinal pode influenciar a performance nos exercícios de resistência aeróbica, que são atividades como a corrida ou o ciclismo. Um estudo recente mostrou que camundongos germ-free têm menor capacidade de exercício quando comparados a camundongos criados com uma microbiota normal. Allen diz que, apesar desses resultados interessantes, ainda são poucos os estudos investigando essas interações. “Há muito a aprender sobre o assunto”, pondera.
O papel regulatório da microbiota passa pelos ácidos graxos de cadeia curta
Allen também estudou as relações entre a microbiota intestinal e o exercício em humanos. “Nós produzimos a primeira evidência de que o exercício de resistência aeróbica leva ao aumento de bactérias que produzem ácidos graxos de cadeia curta, e também no nível desses ácidos graxos”, afirma.
Os ácidos graxos de cadeia curta afetam vários aspectos da saúde, incluindo o sistema imunológico, metabolismo e até o comportamento. Esses compostos são foco da pesquisa de doutorado de Renan Corrêa, orientado por Marco Aurélio Vinolo, professor do Instituto de Biologia da Unicamp. “O organismo humano não digere as fibras de origem vegetal, mas algumas bactérias do intestino fermentam essas fibras para obter energia e nutrientes próprios. Como resquício dessa fermentação, elas liberam esses ácidos graxos de cadeia curta”.
Esses ácidos graxos são absorvidos pelas células do intestino, sendo responsáveis por até 90% de toda energia consumida por elas. “Cerca de 5 a 10% de toda a energia do nosso corpo vem desses metabólitos”, continua.
O butirato é um dos principais ácidos graxos de cadeia curta. “Uma dieta rica em fibras diminui a chance de câncer, diabetes, quadros inflamatórios intestinais e até transtornos psiquiátricos. Isso tudo é relacionado ao papel do butirato”, diz Corrêa. Além de atuar como fonte energética nas células do intestino, o butirato influi no sistema imunológico, diminui a inflamação no intestino, e até regula a expressão de genes nas células intestinais.
Em um artigo recente, Vinolo, Corrêa e colaboradores observaram que o butirato leva à modificações nas proteínas que “empacotam” o DNA, as histonas. Surpreendentemente, esse efeito não parou no intestino. “Nós encontramos o mesmo efeito também no cérebro”. Os pesquisadores ainda estão estudando como essas modificações ocorrem, e quais seus efeitos. Mas, segundo Corrêa, o fato é que “o nosso corpo, com um todo, recebe impacto da microbiota”.
O butirato também pode ser afetado pelo exercício. “Observamos que mudanças nos níveis de butirato tiveram uma forte correlação com melhoras na massa magra em resposta ao treinamento”, diz Allen. Segundo ele, essa descoberta sugere uma possível interação entre a microbiota intestinal e as adaptações na composição corporal em resposta ao exercício – como emagrecimento e aumento da massa muscular.
Outros grupos também já identificaram que os ácidos graxos de cadeia curta são mais abundantes em atletas treinados do que em indivíduos sedentários, e que são associados à maior capacidade cardiorrespiratória. Allen considera que mais estudos são necessários para confirmar esses achados e entender melhor o que é causa, e o que é consequência. Mas a má notícia é que os bons resultados só duram enquanto a pessoa se mantém ativa. “Se parar de se exercitar, a microbiota parece se reverter ao seu estado original”, diz o pesquisador.
Suplementação com probióticos pode ajudar maratonistas
“Há seis anos começamos a olhar para a microbiota com mais atenção”, afirma Ronaldo Thomatieli dos Santos, professor do curso de educação física do campus da Baixada Santista da Unifesp. Thomatieli investiga os efeitos do exercício no sistema imunológico. “Por cerca de dez dias depois de uma maratona, os corredores têm grande incidência de infecções respiratórias, como gripes e resfriados”. Segundo ele, há queda na imunidade após a execução de exercícios extenuantes, como percorrer os 42 km da prova.
Thomatieli e seu aluno Edgar Tavares da Silva testaram se a suplementação com probióticos poderia melhorar esse quadro em maratonistas amadores. Os pesquisadores apostaram numa formulação com bactérias que sabidamente atuam no sistema imune, contendo Lactobacillus e Bifidobacterium. “Por um mês antes da corrida, um grupo de voluntários recebeu a suplementação com probiótico, e o outro recebeu um placebo”, conta. Após a corrida, o pesquisador relata que os voluntários que receberam o placebo sofreram mais com os sintomas de gripes e resfriados do que o grupo que recebeu os microrganismos. Esses resultados são parte da tese de mestrado de Edgar, que agora continua sua investigação no doutorado.
O grupo da Unifesp busca determinar o efeito da suplementação com probióticos sobre a microbiota dos corredores. O pesquisador alerta que mais estudos são necessários para entender os efeitos, mas já vê um potencial no uso da suplementação em atletas. “Melhorando a microbiota e, consequentemente, a resposta imune, o indivíduo fica menos doente, e pode treinar mais. Além disso, melhorar a microbiota pode levar à maior absorção de nutrientes, o que é importante na adaptação ao exercício e na recuperação após a atividade”.
Sarah Azoubel Lima é doutora em biologia pela Universidade da Califórnia em San Diego e mestre pela Unicamp. É aluna do curso de jornalismo científico do Labjor/Unicamp.