Por Maíra Torres
Algumas mobilizações tentam aumentar voz no setor e enfrentam problemas de inclusão e crescimento em cargos de chefia
Em agosto deste ano, um grupo reuniu mais de 720 convidados para o 1º Congresso Brasileiro das Mulheres da Energia. A intenção era amplificar a voz feminina no setor, expondo conhecimentos e criando um local de fala para acolher as trabalhadoras da área.
“O bônus é ter espaço para falar com pluralidade. Nas palestras não queríamos abordar somente o padrão de mulher do mercado de trabalho que conhecemos, mas mostrar também o valor da mulher mãe, negra, trans, LGBTQIA+”. A frase é de uma das idealizadoras do evento, Mayara Barreto, que trabalha com energia solar.
Os ingressos não foram restritos às mulheres. Também compareceram homens, inclusive com cargos de chefia. “Falamos de carreira, ações das empresas, posições de liderança. Hoje, por exemplo, a maioria das mulheres da área está no administrativo, e é importante haver um cenário em que possam crescer”, explica.
A fala de Mayara está amparada por um relatório de pesquisa divulgado em 2020 pela Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), em que aponta que 45% dos cargos administrativos do setor de energia renovável são ocupados por mulheres. Já em relação aos de chefia a porcentagem não ultrapassa os 25%. A quantidade cai quando se fala em posições de liderança no setor de energia eólica: 8%.
Os números mais recentes do relatório da Agência Internacional de Energia Renovável apontam que, em 2020, elas ocupavam 32% dos cargos no caso de empresas de energias renováveis. No segmento de petróleo e gás o valor passa a ser de 22% do total de empregos. A própria pesquisa sobre informações da área acaba sendo tão restrita que não há dados específicos sobre a participação das mulheres no setor de energia limpa.
Ainda assim, a análise também mostra que 75% das entrevistadas relataram sentir a existência de barreiras à entrada e ao desenvolvimento no setor, enquanto 40% dos homens compartilham a mesma visão. Entre os motivos apontados estão normas culturais e sociais, falta de flexibilidade no local de trabalho, de treinamento e de oportunidades.
A questão da maternidade também foi um empecilho bastante citado. Doutora em economia do trabalho pela Unicamp, Eliane Rosandiski, aponta que os desafios enfrentados no setor de energia renovável e limpa ainda são muito parecidos com o que as mulheres enfrentam no dia a dia do mercado de trabalho em geral – e comprovados pelos dados da pesquisa do Irena.
Ela afirma que, além de o trabalho no setor de energia ser socialmente encarado como “masculino” e as mulheres sofrerem preconceito e questionamentos, ainda há o estigma de organização social e da jornada do trabalho.
“Existe a dificuldade em se pensar a vida produtiva com a vida reprodutiva, incluindo os cuidados com a casa, filhos e parentes próximos, naturalmente destinados à mulher. Dessa forma, já fica estigmatizado que inserir a mulher no mercado de trabalho é submetê-la a menos tempo de produção, necessidade de horários mais flexíveis e, por isso, menores salários, tudo para que ela possa dar conta de executar essas funções da vida reprodutiva”, ilustra Eliane.
Uma das soluções propostas seria ampliar os cuidados da vida reprodutiva também ao homem, para que a mulher não precise fazer dupla ou tripla jornada de trabalho ou tenha necessidade de maior flexibilização de horários, segundo a economista.
A pesquisa do Irena traz ainda que, entre os entrevistados, 60% dos homens acreditam ter igualdade entre os salários independentemente do gênero – ao passo que somente 29% das mulheres confirmam. Para Eliane, a diferença salarial afeta diretamente as famílias chefiadas por mulheres e que dependem da renda para sobreviver e consumir, impactando também a macroeconomia.
Equiparar as rendas em um setor em crescimento, como o de energia solar, por exemplo, que projeta um potencial de geração de 15,5 milhões de empregos até 2050 segundo o Irena, seria uma forma de criar ao menos um nicho do mercado de trabalho mais igualitário.
A Agência Internacional de Energia Renovável se manifestou sobre o assunto e, no âmbito da energia solar, apontou a necessidade da ampliação do papel da mulher. “Sem o engajamento feminino, o crescimento da energia renovável não atingirá todo o seu potencial. Se o setor de energia solar, por exemplo, não olhar para a questão de gênero e incorporar mais mulheres, a indústria vai perder um leque de talentos com importantes habilidades e perspectivas para a própria expansão da indústria”, alegou.