Mudanças climáticas afetam produção cafeeira no Brasil

Por Mariana Hafiz

Temperaturas elevadas, ondas de frio e alteração nos ciclos de chuva estão entre os principais componentes meteorológicos responsáveis pela queda de produção em 2019

As mudanças climáticas devem alterar a produção agrícola brasileira. No caso específico de um componente relevante como o café, são as mudanças relacionadas à temperatura, como as breves e intensas ondas de calor e ondas de frio, que são mais prejudiciais.

O Brasil é hoje o maior produtor de café do mundo e o que possibilitou sua expansão no país foram as condições climáticas. Trata-se de uma planta originária da Etiópia, região de altitudes entre 1.500 e 1.900 metros, médias anuais de chuva entre 1.000 e 1.500 milímetros e temperatura média de 17ºC a 20ºC, características encontradas sobretudo no estado de São Paulo e na região do cerrado de Minas Gerais.

No entanto, o relatório de setembro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostra que Minas Gerais teve redução em 24% da produção cafeeira em comparação à safra passada devido a períodos de veranico (dias de sol e calor intensos durante períodos chuvosos) entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, além de geadas no inverno que queimaram partes superiores do cafezal. Já o estado de São Paulo sinalizou redução em 30% da produção em função da desuniformidade dos frutos, causada pelo veranico de dezembro de 2018 e pela estação seca desde maio deste ano.

Na cafeicultura, a elevação nas médias de temperaturas anuais é problemática porque a água da chuva evapora mais rápido do que o esperado, e o solo seca com muita rapidez, fazendo com que não haja água suficiente para as plantas fecharem seu ciclo.

O aumento de temperatura, conforme explica a pesquisadora Ana Maria Heuminski, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicada à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, está relacionado a alterações nos padrões fluviais, que além de elevar os níveis térmicos, apresentam outros problemas para a produção cafeeira. “Os dados comprovam que as chuvas da primavera estão chegando cada vez mais tarde. Com esse atraso, as temperaturas ficam mais elevadas na primavera, estação de florescimento do café”, afirma.

Temperaturas elevadas à época da floração também é um problema grave. Se o lançamento do botão floral acontecer em temperaturas acima de 33ºC, a flor queima e há perda da produtividade.

O café arábica, por exemplo, aquele com o maior valor comercial mundial, é uma planta típica de climas tropicais úmidos, para cuja produção as variações térmicas e de precipitação anuais são determinantes. Heuminski explica que é a distribuição anual adequada de chuvas e temperatura que delimitam áreas importantes de produção comercial e garantem a qualidade da bebida – essa última, uma das condições estabelecidas nos regulamentos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para que um produto adquira selo de procedência.

“Existem limites térmicos bem definidos que interferem diretamente na qualidade da bebida. Portanto, se a temperatura aumentar, como uma das consequências das mudanças climáticas, pode afetar diretamente a quantidade e a qualidade do café”, diz.

Além disso, mudanças nos ciclos pluviais são prejudiciais porque, de acordo com Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa, 95% da produção agrícola brasileira depende da chuva. “Os maiores efeitos que estamos vendo são frequências mais elevadas de fenômenos extremos, como chuvas intensas e ondas de calor. Esse ano, por exemplo, já registramos cinco chuvas de granizo nas últimas duas semanas de outubro, em Viçosa (MG), Foz do Iguaçu (PR) e em São Paulo. É a grande ameaça a médio prazo para a grande agricultura que o Brasil tem hoje”, diz o pesquisador.

Assad aborda a questão das mudanças climáticas na agricultura desde 1988, quando já era pesquisador da Embrapa e apresentou um trabalho que dava início às primeiras projeções sobre impactos que viriam sobre a agricultura. O estudo consistiu em duas simulações: uma com a Terra esfriando e, outra, esquentando, e foi comprovado que as duas afetariam muito o Brasil, conforme disse o pesquisador durante entrevista em seu escritório na Embrapa Informática, em Campinas.

A fase mais sensível às altas temperaturas é a de floração: ao chover, as flores se abrem, mas se as chuvas não persistirem a temperatura aumenta e as flores queimam. Foto: Rafael Rocha / Embrapa Rondônia

Polinização

Outro efeito das mudanças climáticas que afeta a produção de café é a redução de agentes polinizadores, que deve diminuir em 13% no Brasil inteiro até 2050, conforme o estudo “Efeitos das mudanças climáticas sobre os polinizadores de algumas culturas agrícolas no Brasil”, realizado em 2017 por colaboração entre a USP e Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV), de Belém, Pará.

A pesquisa mostra que a região onde o cenário futuro é mais desfavorável é o sudeste brasileiro, onde estão os três principais estados produtores de café no Brasil: São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Dentre as treze culturas agrícolas consideradas, o café é o terceiro mais afetado (15% de probabilidade de redução de polinizadores), enquanto tomate é a primeira (25%) e girassol é a segunda (17%).

De acordo com Tereza Giannini, autora do artigo, professora na Universidade Federal do Pará (UFPA) e pesquisadora do ITV, 95% dos municípios produtores de café podem sofrer com a ausência de polinizadores até 2050. Essa ausência acontece porque “o habitat das espécies pode não mais se tornar adequado a elas em função das mudanças de temperatura e/ou de regime de chuvas, fazendo com que elas precisem migrar para uma nova área”, esclarece a pesquisadora.

As abelhas são o grupo de polinizadores mais estudados por serem o de maior importância para cultivos agrícolas. Foto: Fabiano Marques Dourado Bastos / Embrapa Cerrado

Além do café, outras culturas relevantes economicamente para o Brasil como tomate, acerola, coco, algodão, goiaba, tangerina, maracujá e abacate podem sofrer com a ausência de polinizadores. Hoje, das 91 plantas cultivadas ou silvestres utilizadas na produção de alimentos no Brasil e estudadas, 76% são dependentes do serviço ecossistêmico de polinização por animais (em sua grande maioria abelhas, mas também por besouros, morcegos e outros). Economicamente falando, o valor desse serviço foi estimado em 12 bilhões de dólares ao considerar o valor da produção e valorar o incremento da produtividade associado a polinizadores. Os dados são do Relatório temático de polinização, polinizadores e produção de alimentos, de fevereiro de 2019.

O café, conforme o estudo de Giannini, é o segundo maior valor econômico da polinização (cerca de 2 bilhões de dólares por ano), perdendo apenas para a soja (5,7 bilhões de dólares). “É um assunto importante porque mostra claramente que a perda de biodiversidade impacta a economia e a segurança alimentar dos municípios, e pode agravar cenários de pobreza ou fome”, diz a pesquisadora.

Mariana Hafiz é jornalista formada pela Unesp e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp. Trabalhou com divulgação científica de astronomia em espaços não formais.