Marcelo Yamashita é chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp
Como foi e tem sido sua trajetória profissional, e como aconteceu sua aproximação com o jornalismo científico?
Entrei em Física na USP em 1995. Meu interesse em ciência já começa antes de 1995, mas aumentou desde que ingressei na graduação em 1995, no Instituto de Física da USP. Em 2005, depois que terminei meu doutorado, entrei aqui na Unesp e comecei um trabalho de divulgação de ciência, de comunicação de ciência, não era jornalismo científico. Criei um site que se chamava “Física para Todos”. A ideia era responder perguntas de física relacionadas ao dia a dia das pessoas. Tinha um formulário de comunicação com o público em que a pessoa perguntava o que quisesse relacionado à física e a gente respondia com uma linguagem que fosse compreensível para o público geral.
Fui, então, transferido para o Instituto de Física Teórica (IFT-Unesp). Em 2005, eu estava em Itapeva. Em 2008, mudei para o IFT aqui em São Paulo e assumi, em 2013, a coordenação de um projeto que se chama “Física ao Entardecer”. Ele trata da comunicação de assuntos de física, assuntos de vanguarda, mas comunicados de maneira que o público geral consiga entender. É um projeto que se iniciou em 1999 e eu assumi a coordenação em 2013. São oito palestras anuais versando sobre assuntos de fronteira da física.
Meu contato diário com jornalismo científico, e aí do ponto de vista estrito, começou em 2018, com a criação do Instituto Questão de Ciência e da revista Questão de Ciência. Comecei desde então a pensar de maneira mais sistemática sobre a questão da própria epistemologia do jornalismo de ciência. Publiquei alguns artigos olhando de maneira crítica o jornalismo científico.
Em 2021, quando assumi a Assessoria de Comunicação e Imprensa (ACI) da Unesp, relançamos um produto que havia sido descontinuado, que era o Jornal da Unesp. O nosso foco é o jornalismo científico. São pesquisas desenvolvidas no âmbito da Unesp, escritas com rigor e com o cuidado que o jornalismo científico merece. Aqui, ninguém vai ver alguns vícios que costumamos encontrar na grande imprensa, relacionados à prática do jornalismo de ciência.
Quais carências do jornalismo científico você tem detectado ao longo de sua trajetória?
Sobre carências do jornalismo científico, primeiro acho que tem uma questão do entendimento do tempo da ciência e do tempo da notícia. A ciência avança de maneira muito lenta. Na comunidade científica, em geral, quando você publica um artigo científico, o incremento que se dá, na imensa maioria das vezes, não é uma descoberta que vai revolucionar a área de conhecimento que você está tratando. E a notícia… você pega os periódicos diários, tem toda essa pressa de publicar alguma descoberta científica que seja impactante, que atraia o público geral.
Essa questão do entendimento entre o tempo da ciência e o tempo da notícia é uma coisa que não é muito bem compreendida pelo jornalismo em geral. A ciência é lenta, ela avança a passos pequenos. É preciso compreender a diferença da escala de tempo do avanço e da necessidade daquela notícia que precisa aparecer nas revistas ou nos jornais.
Quando você não compreende muito bem essa questão, acontece às vezes aquela gangorra, que eu gosto de mencionar, entre a apatia e o sensacionalismo em relação a um assunto com que o jornalista se depara.
A falta de preparo técnico também é um dos problemas de uma parcela não desprezível dos jornalistas. Às vezes a especialidade é uma outra área, e a pessoa se vê fazendo jornalismo científico. Aí, ao se deparar com uma pesquisa é comum não saber se o que encontrou é grande ou pequeno dentro da área de conhecimento que se está abordando. Às vezes o achado é grande e o jornalista não dá muita atenção – é a questão da apatia, de achar que aquilo nem é notícia, não vale a pena noticiar. Por outro lado, existe a questão do hype, do sensacionalismo. A gente vê isso com muita frequência no jornalismo de saúde. Qualquer incremento pequeno de uma pesquisa in vitro, feito em laboratório, ou que foi feito em camundongos, já se torna uma nova cura para algum tipo de câncer.
Falta também um pensamento crítico sobre o que se publica. Isso pode gerar por exemplo problemas de falsa equivalência, ou de “outroladismo”. Vamos pegar um caso absurdo: formato da Terra. Você vai e coloca um físico, um geólogo de um lado falando sobre o formato da Terra e do outro você coloca um terraplanista. É óbvio que isso é um caso extremo, mas no dia a dia a gente encontra muitos outros exemplos, não é? Coloca-se uma falsa equivalência entre pessoas falando sobre um determinado tema.
Uma outra situação é quando o jornalista tem conhecimento técnico da área que está tratando, mas a pessoa não consegue se desvencilhar de um ativismo ou de um viés muito arraigado à sua personalidade. Um jornalista, por exemplo, pode se sentir completamente sem amarras ou barreiras para criticar o posicionamento do Conselho Federal de Medicina sobre os “tratamentos precoces” contra a Covid-19 que apareceram por aí, mas não consegue criticar homeopatia, e usa o próprio Conselho Federal de Medicina, que ele criticou, para falar bem de uma prática que é comparável, em termos de negacionismo e falta de evidência, aos tratamentos precoces.
Outra coisa que queria mencionar: às vezes falta um pouco de seriedade nas próprias empresas de comunicação, nos veículos de grande mídia. Tem algumas agências de comunicação de ciência que apareceram de uns tempos para cá que gostam de fazer aquele jornalismo que, num dos artigos que escrevi em parceria com o Carlos Orsi, chamo de “bartender”: é o jornalista que quer fazer entretenimento, exacerbando o hype. Ele quer entreter e agradar aquele pesquisador que por sua vez quer ver sua pesquisa compartilhada por aí, mesmo que não esteja lá muito bem contemplado o rigor científico na matéria.
Ainda na linha da falta de seriedade de alguns veículos da grande mídia, as Redações demitiram muitos bons jornalistas de ciências, não é? Você não tem uma editoria de ciência em muitas Redações.
E aí você vê um jornal que gosta de falar bem de ciência, porque ciência dá audiência e agrega valor ao produto, então o veículo fala bem de ciência, mas numa página coloca um conteúdo de ciência e na outra coloca astrologia e horóscopo. Como é que você consegue levar a sério um veículo que se compromete por exemplo com The Trust Project, sobre veracidade das notícias que veicula, e ao mesmo tempo publica sobre água solarizada para curar depressão…
Um lado acaba minando o outro, não é?
Exato, e esses conteúdos saem direto. E tudo faz parte de um mesmo veículo que se compromete com a checagem de fatos! Isso aí causa a longo prazo um problema com a questão da credibilidade do próprio veículo. Imagina alguém que não tem um conhecimento um pouco mais aprofundado do que está lendo, uma visão um pouco mais crítica, a pessoa assume tudo aquilo como verdadeiro. Como é que você faz? É complicado.
Qual seria seu foco em um curso de jornalismo científico?
Estou montando um curso baseado naquele Manual de Edição em Jornalismo Científico do Knight Science Journalism do MIT, que é um material muito bom [clique aqui para baixar o manual, 281 páginas, formato pdf]. Trata de boa parte desses problemas que mencionei do jornalismo de ciência.
Acho que falta uma especialização ou uma disciplina optativa, por exemplo, num curso de graduação de jornalismo. Poderia ser dado um semestre onde se ensinasse a ler um artigo, a identificar falsas controvérsias, a não criar falsas equivalências, a não exagerar no hype, o que é um estudo in vitro, o que é um estudo em animais. Hoje a gente fala tanto de transdisciplinaridade e da mistura de áreas, então por que não dar alguns tópicos por exemplo de biologia, física, química, matemática para o jornalista, sem entrar em detalhes técnicos – uma pequena introdução em um semestre. É possível abordar esses temas.
Há um tempo, eu ia coordenar um curso de comunicação mais ou menos nessa linha. Isso foi bem no começo da pandemia, e tivemos então de suspender o curso. Começávamos com algumas aulas de introdução à filosofia da ciência, abordando os critérios de demarcação, o que é ciência, o que não é ciência. É importante saber sobre isso. Falávamos sobre psicologia social da ciência, uso de estatística em ciência, comunicação em saúde, melhores práticas jornalísticas e indicadores de credibilidade de notícias.
Entrávamos depois em alguns assuntos que são tratados no dia a dia dos jornais, pelo menos na época em que a gente estava bolando o curso, que às vezes geravam uma falsa controvérsia. Tratávamos sobre organismos geneticamente modificados, aquecimento global, física quântica e sobre algumas terapias alternativas. A ideia era discutir como tratar desses assuntos que normalmente são abordados de maneira equivocada pela grande mídia.
A minha ideia agora é tratar de parte desses temas no curso que estou montando, baseado nesse manual do Knight Science Journalism. A minha ideia é um semestre, com aulas semanais, que atualmente é o que eu consigo me dedicar. Acho que tem um público interessado nesse conteúdo.