Por Carlos Vogt
Para Nelson Brissac Peixoto
Nunca mais construir a imitação da excedência da luz,
nunca, digo, não por vontade de indivíduo pleno ou por ensejo,
antes por imposição de pessoa, pacto de imagens, planificado e plano,
este que transforma um guarda-roupa de subjetividades
num ícone errante de dor, angústia, programa de saudades.
Nunca mais o cão alarido atrás de grades familiares,
solo de andarilhos, pose de esfinges, solidão de bares,
nesses de gravuras que vendem fórmulas prontas de dramas finos,
esses que se fazem das mãos cheias de despojos,
como museus de bobagens nos bolsos de meninos:
pedra de bugalho, guimba de cigarro, luz de vagalume, canto de cigarra, entulho de desejos.
Posturas, pois, sem erros e atropelos, ali no lugar devido,
como um navio atracado ameaça navegar o cais,
salão em que o mocinho se encontra com o bandido,
e os dois são únicos no mesmo enredo, são um e muitos em muitas capitais.
Se já não há perguntas com respostas para a embriaguez das circunstâncias,
por simplicidade de método, para encurtar o não,
resumo o programa em que se fundem a linguagem com o outro, a imagem com o chão:
agarrar a tolice, como o samurai a mosca, com a espada da bebida,
trocar o aéreo pelo sóbrio, a chama pelo jogo, a sombra pelo líquido,
ser paciente e boi nos olhos, no cansaço, nas falhas e abundâncias,
ruminar detalhe por detalhe, grama por grama, areia por estrela, símbolo por ação,
desconstruir o sonho pela vida, a vida pelo enigma, o enigma pelo óbvio,
ser banal e bobo na banalidade de ser um e múltiplo, mas não ser ubíquo,
resistir heroica e inutilmente à utilidade da palavra,
como pássaro se perde de si próprio no canto solitário que a gaiola agrava.
Nunca mais o estilo decidido, nunca mais a ilusão do real pelo real,
tampouco a explosão semântica do símbolo cindido,
no modo ambíguo de falar de si para esconder-se mais;
agora não será preciso correr com o espelho sobre o objeto mudo,
no movimento vão de armazenar o mundo,
de construir represas para conter os furos,
de fabricar armários de guardar cascalhos;
não penetrar paisagens pela dimensão da profundidade que elas não têm,
ser lateral e plano na exclamação cruzada de suas molduras,
ficar parado e móvel nas ruínas de cenários como um cenário de ruínas,
habitar a interface do mundo com o muro,
ver e estar sendo visto: janela de néon, poltrona de vacâncias, moinho de securas.
*Publicado, originalmente, no livro Metalurgia ( Companhia das Letras, São Paulo, 1991, p. 15-17) e em Poesia Reunida ( Landy Editora, São Paulo, 2008, p. 231-233).