Por Adilson Roberto Gonçalves
Cientistas atuam em suas áreas conscientes da importância dessas atividades, mas raramente com total compreensão sobre a natureza do conhecimento científico em que se baseiam. O livro The nature of scientific knowledge: an explanatory approach, que ainda não possui tradução para o português, lida com os fundamentos da epistemologia da ciência e avança na explicação do conceito de conhecimento. O autor, Kevin McCain, é docente do Departamento de Filosofia da Universidade do Alabama em Birmingham, Estados Unidos, e possui uma série de livros e artigos nessa área, sendo um autor bastante citado.
O livro é um bom manual de como aplicar a ciência para entender o funcionamento da própria ciência. Iniciantes devem fazer uma leitura aprofundada dos primeiros capítulos com consulta à vasta bibliografia complementar indicada. Parte do livro é fruto de artigo anterior publicado na revista Science & Education.
O conteúdo foi dividido em quatro partes e as duas primeiras (correspondente a dois terços do livro) se referem aos fundamentos da epistemologia da ciência. Especialmente a primeira parte é dedicada às características gerais do conhecimento e destinada para quem não é familiarizado com o assunto. O autor procura ser didático em apresentar os conceitos de conhecimento, crença, verdade, justificativa, evidência, e as questões de crença baseadas em evidências e os problemas para a contabilização tradicional do conhecimento. Ele deixa bem claro a necessidade de estabelecimento desses conceitos gerais antes de lidar com a questão específica do conhecimento científico.
O coração do embasamento conceitual do livro está na segunda parte, que discorre sobre o conhecimento de reivindicações científicas. São apenas 40 páginas para lidar com esse aspecto central que faz a transição do conhecimento geral para o conhecimento científico em particular. Nessa parte, McCain revela a importância da explicação para o conhecimento científico: boas explicações são as que trazem um bom entendimento de um fenômeno em particular. A explicação é o objetivo principal da ciência e o autor inicia uma discussão sobre visões diferentes quanto a esse aspecto, pois há também os adeptos do “empirismo construtivo”, pelo qual vão ser construídas teorias que se ajustem aos fenômenos observáveis. Mas todos os estudiosos das duas diferentes concepções do conhecimento científico colocam a explicação como elemento importante.
O autor dá ênfase ao fato de que a explicação cotidiana e a explicação científica são frutos da mesma essência e diferem apenas no grau (e não no tipo). A metodologia científica arrasta a própria forma que usamos para entender o mundo, ou seja, tanto a ciência como a nossa vida estão nesse “negócio de dar explicações”, segundo o autor, sendo conduzidas de forma semelhante.
Além da explicação, são objetivos da ciência a predição e o controle dos fenômenos, e o autor nos conduz à construção da maior importância dada à explicação. Antecipando algumas de suas conclusões, explicações válidas e feitas com sucesso aumentam o entendimento do mundo ao nosso redor. E é em virtude desse maior entendimento que podemos predizer e controlar fenômenos. Esse também é um postulado com alguma discrepância entre outros filósofos da ciência, que são discutidos no livro, ainda que na forma principal de notas de rodapé com uma série de referências externas.
E, sim, o primeiro exemplo apresentado para explicar a questão é um fenômeno químico – a formação de ferrugem. Um pedaço de ferro deixado em contato com o oxigênio e na presença de água (líquida ou na forma de umidade presente no ar) se oxidará e formará o que chamamos de ferrugem. A explicação se dá pela troca de elétrons entre essas substâncias – chamada na química de oxirredução – e tal entendimento fará com que possamos prever que outro pedaço de ferro colocado nas mesmas condições também sofrerá a mesma degradação. O controle do fenômeno será o de impedir tal oxidação removendo o contato do ferro com o oxigênio ou com a umidade, pela pintura de sua superfície, por exemplo. Um exemplo relativamente simples, até para quem não estuda a química, para ilustrar as três características do conhecimento científico.
No capítulo há um aprofundamento nos conceitos da explicação advinda dos dois modelos ali detalhados: dedutivo-nomológico (ou método da lei de cobertura) e indutivo-estatístico. Da mesma forma, várias abordagens são apresentadas sobre o conceito de “entendimento”, que é visto como um aspecto de compreensão individual daquele fenômeno explicado. Entendimento de fenômenos e entendimento de teorias são explicados separadamente.
O capítulo 10 “estabelece uma conexão muito estreita entre a inferência científica e a justificativa que podemos ter para qualquer uma de nossas crenças”, nas palavras do autor. Ou seja, é como uma conclusão interna sobre os conceitos fundamentais da natureza do conhecimento científico.
A terceira parte do livro lida com os desafios para o conhecimento científico, com temas relevantes neste mundo pandêmico pós-verdade, com o ceticismo quanto ao mundo externo em que se vive e também aos conceitos indutivos, no qual o autor também discute anti-realismo e irracionalidade associados ao processo de elaboração do conhecimento científico.
A última parte é considerada de grande importância, pois trata da dimensão social do conhecimento científico, com capítulos de títulos significativos e quase auto-explicativos: “Ganhando conhecimento científico de outros”; “Conhecimento em uma comunidade científica”; e “Olhando para trás e olhando para frente”.
Para quem não está familiarizado com os conceitos científicos, é um livro que requer leitura atenta, ainda mais sem o acesso à tradução, uma vez que se baseia em conceitos da epistemologia do conhecimento com forte fundamentação filosófica. Porém, é um texto que precisa ser lido para os que atuam na ciência e precisam cada vez mais justificar adequadamente suas ações perante a sociedade.
The nature of scientific knowledge: an explanatory approach Kevin McCain Springer, 2016 277 páginas
Adilson Roberto Gonçalves é pesquisador da Unesp na área de Química, com especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.