Por Maria Vitoria Pereira de Jesus e Talita Gantus de Oliveira
Especialistas afirmam que o atual modelo de ensino não provoca reflexões sobre as causas essenciais da crise climática e apontam a necessidade de mudanças curriculares.
Imagem: Pixabay/Goran Horvat
Diante do surgimento de jovens ativistas, como a sueca Greta Thunberg, grandes expectativas têm sido atribuídas à capacidade dos jovens em conscientizar os tomadores de decisão e a sociedade em geral sobre o caráter destrutivo de atividades econômicas que envolvem o desmatamento, o consumo de recursos naturais e o aumento da queima de combustíveis fósseis. Em parte, a crença na capacidade dos adolescentes e jovens em reduzir os efeitos das mudanças climáticas se deve não somente à sua criatividade em sugerir modos de vida mais sustentáveis, como também à consciência de que as ações realizadas hoje influenciarão diretamente no mundo que herdarão.
A luta para mitigar os efeitos das mudanças climáticas é de todos os indivíduos que compõem a sociedade. Para Marcos Sorrentino, diretor do Departamento de Educação Ambiental e Cidadania do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, “como a questão ambiental e climática é complexa, ela dificulta a mobilização das pessoas em relação à superação das causas dessa crise. Não somente dos adolescentes, mas de toda a sociedade”. Segundo ele, que é também professor da Universidade Federal da Bahia, o papel de ambientalistas, cientistas e pessoas envolvidas com esse tema é encontrar redutores de complexidade para mobilizar a população.
Para o professor da Unicamp Luiz Marques, os jovens “estão mais mobilizados, muito mais conscientes e alarmados em relação ao mundo que lhes está sendo legado”. Em um artigo publicado no Jornal da Unicamp sobre a terceira edição do livro Capitalismo e colapso ambiental, Marques ressalta que o mundo que em que viverão as gerações mais jovens será marcado pelas altas temperaturas, secas prolongadas, incêndios florestais, extinções de espécies, solos menos produtivos, insegurança alimentar, pandemias, ciclones tropicais e oceanos cada vez mais “plastificados”. O texto, ao descrever em 2019 o planeta que será deixado para as gerações mais jovens a partir de relatórios de instituições e associações da ONU, parecia prever alguns dos fenômenos que a humanidade enfrentaria nos anos seguintes, tais como a pandemia de Covid-19, o aumento das temperaturas e das secas, a ocorrência de incêndios florestais e a formação de ciclones.
De acordo com um relatório publicado pelo IPPR (Institute Public Policy Research) também em 2019, a escala e o ritmo acelerado das mudanças climáticas sinalizam a chegada da era do colapso ambiental. No relatório, os estudiosos já salientavam a necessidade de tornar as sociedades resilientes para lidar com as possíveis consequências da degradação ambiental. Entretanto, em termos educacionais e considerando, principalmente, a população mais jovem, quase nada foi feito com o objetivo de instruí-los sobre o iminente colapso ambiental. Segundo Marques, mesmo após inúmeros cientistas alertarem sobre o atual contexto, “os currículos escolares e universitários permanecem quase idênticos ou muito parecidos com os currículos do século XX, quando tínhamos uma perspectiva completamente diferente em relação ao qual seria o nosso futuro”.
No cenário contemporâneo, seria fundamental que as escolas e universidades contassem com disciplinas que suscitem discussões sobre as atividades econômicas que mais contribuem para a aceleração das mudanças climáticas. O ano de 2023 deve ser o mais quente da história, marcado por ondas de calor e fortes chuvas em todo o mundo, e tais fenômenos já são considerados consequências das mudanças no clima. Dessa forma, uma discussão sobre o tema na fase escolar e universitária poderia não somente possibilitar a elaboração de propostas criativas para mitigar os efeitos, como também tornar os jovens mais capacitados para agir num mundo afetado fortemente pelas mudanças climáticas.
O sistema educacional brasileiro e a defasagem de disciplinas sobre a crise climática
Pesquisadoras da UFMG, Bárbara Ramalho e Lúcia Leite investigaram a pertinência da adoção de um modelo único, universal e hegemônico de educação escolar, ainda que sob diferentes roupagens. No artigo “Colonialidade da educação escolar: aproximação teórica e análise de práticas”, elas argumentam que narrativas hegemônicas perpetuadas no sistema de ensino expressam a vinculação histórica e contemporânea da escola com o projeto colonial inaugurado nos séculos XV e XVI, e que se estende aos dias de hoje. Cenários possíveis de serem mobilizados enquanto expressões da colonialidade – que, para Ramalho e Leite, são expressões da manutenção das relações racistas, patriarcais e capitalistas inauguradas há mais cinco séculos – são as análises espaciais do racismo ambiental, observado hoje como resultado da escravização e marginalização de pessoas negras e indígenas ao longo da história.
Dados analisados por pesquisadores do Instituto Pólis (Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais) traduzem, de maneira quali-quantitativa, cartografias que evidenciam as condições de vulnerabilidade que tornam determinados grupos mais sensíveis aos riscos ambientais deflagrados por fenômenos climáticos. Essas análises expõem as desigualdades econômicas, sociais, de gênero e étnico-raciais que incidem sobre as pessoas mais afetadas em territórios urbanos – no que diz respeito aos impactos das mudanças climáticas. Nesse sentido, o atual modelo de ensino precisa provocar nos adolescentes reflexões acerca das causas essenciais da crise climática e de suas consequências – atravessadas por marcadores sociais. Essa crise, aliás, se relaciona a um determinado modo de vida, de produção e de consumo, estruturados pelo capitalismo e sua lógica de mercantilização – como discorre Sorrentino.
Em termos educacionais, e indo ao encontro da necessidade de fomento da participação popular nos processos de gestão da crise ecológica e climática, Sorrentino afirma ser preciso que não somente o poder público, via Ministério da Educação, mas toda a sociedade civil contribua para a construção de núcleos educadores de resistência à degradação social, ambiental e humana. Para tanto, é necessário criar centros de cooperação e educação para a formação de massa crítica, de modo que os adolescentes (e a sociedade como um todo) busquem uma nova cultura da terra, na relação com o planeta e com os corpos. Trata-se de um movimento cultural de mobilização para compreensão das causas mais profundas da degradação socioambiental, afirma Sorrentino.
Construção de outros futuros possíveis
Ainda que sejam apontadas soluções em termos educacionais para preparar os adolescentes de hoje para a problemática socioambiental que se apresenta – e se apresentará no futuro de maneira ainda mais contundente –, é preciso ter em mente que a educação compreende um processo longo, continuado e, na grande maioria das vezes, sem resultados imediatos. Em contrapartida, as alterações ambientais e seus efeitos avançam de maneira acelerada, como pode ser observado pelos intensos e frequentes desastres causados por eventos climáticos extremos.
Perguntado sobre as expectativas positivas em relação às perspectivas de mudança a partir da educação, Sorrentino afirma que “não há outra opção a não ser sermos esperançosos”, sendo preciso “ter ação e atuação sobre essa esperança”. Esperançar, como diz Paulo Freire. A educação é um meio para isto; mas não somente a educação escolar curricular – tomada, ainda, pelo viés de um currículo empobrecido. Para Sorrentino, o processo educacional crítico e promotor da autonomia entende o currículo escolar de uma perspectiva emancipatória, com tudo aquilo que se vivencia dentro de um processo educador. “As construções, os espaços livres, a forma de gestão da escola, a relação que a escola estabelece com a comunidade, tudo isso faz parte da educação escolar”, afirma.
Embora não estejam sendo munidos em termos de educação formal, de instrumentos e de mecanismos, jovens em todos os continentes já se mostram dispostos e capazes de influenciar não somente as agendas políticas nacionais relacionadas ao clima, como também as agendas internacionais e de organizações como a ONU. Movimentos como o Fridays for future, que reúne jovens e adolescentes do mundo inteiro, cobram ações efetivas dos governos para que as indústrias e as grandes empresas diminuam as taxas de emissão de carbono e adotem modos de vida e de produção econômica mais sustentáveis.
Contudo, para Luiz Marques, os adolescentes ainda não possuem a força necessária para influenciar de forma decisiva as tomadas de decisão para mitigar os efeitos do contexto iminente de colapso ambiental. Seria preciso juntar forças, reunir diferentes sujeitos e grupos para que a luta em defesa da natureza se efetive em ações práticas. Para isso, será necessário um engajamento amplo de toda a sociedade.
Segundo o professor Marques, hoje, o engajamento em torno das questões relacionadas ao meio ambiente encontra-se comprometido pela desinformação contida, principalmente, nas redes sociais. Nesse sentido, para ele, é importante que os jovens ocupem esses espaços e façam circular informações verdadeiras e cientificamente embasadas sobre o contexto de crise ambiental. O professor Marques ainda sugere que a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas também envolve o enfrentamento das notícias falsas, sendo necessário, portanto, uma comunicação clara e objetiva sobre o tema, especialmente, nas redes sociais.
Maria Vitoria Pereira de Jesus é cientista social e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).
Talita Gantus de Oliveira é doutora em geociências (Unicamp) e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).