Por Maghan McDowell, publicado originalmente no site The Business of Fashion em 14 de maio de 2018, tradução de Amin Simaika
A criatividade humana não é algorítmica, é ilógica e abstrata. Mas é possível usar inteligência artificial para superar as limitações da mente.
Os robôs estão chegando — mas em vez de dispensar a necessidade de seres humanos, a inteligência artificial ajuda a realçar o processo criativo — dizem os especialistas. As implicações da inteligência artificial sobre o design de moda foi tema de destaque no Festival SXSW [South by Southwest, SXSW, é um conjunto de festivais de cinema, música e tecnologia que acontece todo ano em Austin, Texas, EUA, no mês de maio], onde especialistas de vários campos se reuniram para discutir tópicos “quentes’ sobre música, mídia, arte e outras questões.
A empreendedora Camilla Olson estava na cidade para promover o Savitude, sua solução de software em tecnologia de moda que usa inteligência artificial para recomendar roupas baseadas na silhueta e proporções físicas das compradoras. Antes do Savitude, Camilla Olson fundou empresas de “modelagem preditiva”, soluções sobre quais tipos de roupa caem bem em pessoas diferentes.
O software Savitude foi selecionado para fazer parte do acelerador de varejo da cadeia de lojas Target, chamado Techstars. Parte do apelo do Savitude para a Target era que a abordagem não era nem muito quantitativa (significando muito dependente da ciência e dos números) nem muito simplista. “Alguém que tenha apreciação matemática — engenharia — vai procurar a perfeição e vai exagerar “na resolução do problema de caimento”, diz Camilla Olson. “Se você tem experiência [em moda], você sabe onde definir as linhas divisórias no design do produto. Você tem uma intuição profunda do que o mercado está precisando”.
A perspectiva de Camilla reflete a tensão crescente entre humanos e máquinas. À medida que a ciência fica mais inteligente e consegue fazer recomendações sobre o que tem mais probabilidade de vender, as abordagens tradicionais estão enfrentando a irrelevância.
A designer de moda Gretchen Jones, antiga diretora de roupas femininas das lojas Pendelton Woolen Mills, descobriu que sua função como designer havia se tornado mais “defensiva” que proativa. “Eu estava batalhando contra o big data que, com frequência, contrariava as orientações do design criativo”, diz Jones. “Eu estava falando com o coração e eles tinham papelada que podia provar que outra gola rolê preta era o que vendia. Mas raramente uma cliente pode lhe dizer o que ela quer e que ainda não foi criado, e isso estava sufocando meu processo criativo, minha concepção”.
A solução de Gretchen Jones foi procurar um mestrado em moda na Universidade de Artes de Londres, onde ela pesquisou o papel dos dados no negócio da moda. O que ela encontrou foi surpreendente: descobriu que as análises de dados podem ser valiosas na potencialização do processo criativo — desde que o lado dos negócios convide o lado criativo para participar. “Precisamos desconstruir os dados; eles são só uma ferramenta, mas não são a única coisa”. Os designers, diz Gretchen, são inteligentes em reconhecer que os clientes percebem que suas escolhas estéticas são uma extensão de suas identidades e que um designer está desenhando para eles em vez de criar uma visão que é entregue ao cliente. Dessa forma, Gretchen Jones descobriu que os dados poderiam ajudar os designers a entender as conexões emocionais que os clientes têm com uma determinada marca.
Jones acrescentou que apoiar-se demais no lado criativo ou no lado empresarial não vai salvar a moda — seja que isso signifique esperar um milagre indicando Raf Simons como diretor chefe de criação na Calvin Klein ou o antigo executivo da Starbucks Adam Brotman como presidente e diretor chefe de experiência na J. Crew. “A criatividade ditatorial é um fracasso,” diz ela.
Brooklyn Decker, atriz e empresária, cofundadora do aplicativo de guarda-roupa digital Finery, em conjunto com Whitney Casey, acha que essa inteligência artificial vai assumir o papel de influenciador de moda, usando o “influenciador” gerado por computador @lilmiquela (que tem 740 mil seguidores no Instagram) como um exemplo.
Alguns especialistas sugerem que, em certos casos, até é possível que um algoritmo imite a intuição humana. Jenna Niven, que é a diretora de criação na agência de propaganda R/GA, explica que a “intuição” é o algoritmo orgânico do cérebro e, como a base de conhecimento de uma pessoa fica limitada a uma única visão de mundo, os humanos podem confiar na inteligência artificial para realçar suas capacidades criativas criando associações entre grandes quantidades de dados.
“Ao longo do tempo, ficou estabelecido que a criatividade é um processo de pensamento fugidio que ocorre nas profundidades do subconsciente”, diz Niven. “Não acho que a criatividade humana seja algorítmica. O resto é ilógico e abstrato, mas podemos usar inteligência artificial para superar as limitações de nossa mente.”
A um nível conceitual, os designers de moda poderiam recorrer à inteligência artificial para gerar designs e produzir estímulos, de modo semelhante ao que o Google fez com DeepDream, utilizando visão computacional para alterar imagens. “Você olha aquilo e pensa: Eu nunca teria conseguido imaginar isso antes de ter sido produzido por inteligência artificial, que torna todas essas combinações possíveis e as produz muito depressa de forma que você possa absorver e usar isso como inspiração. Curiosamente, a moda é uma das poucas indústrias que, antes de outras áreas, está tirando vantagem da inteligência artificial”, afirma Niven.
Embora os algoritmos em geral não estejam criando novas roupas, estão sendo usados para indicar aos designers o que é preciso no mercado em empresas como True & Co., RocksBox, Rent the Runway e Amazon. A Stitch Fix usa dados para informar designs para suas etiquetas próprias e para potencializar a capacidade de seus 3.400 estilistas, que confiam na inteligência artificial para organizar uma variedade de recomendações para produtos.
Eric Colson, diretor chefe de algoritmos na Stitch Fix, acredita firmemente que os designers humanos ainda são os curadores da moda, mas que as máquinas podem expandir o número de possibilidades que um designer humano pode considerar. “O aumento no número de designs possíveis leva a mais criatividade, já que os designers veem mais possibilidades e inspiração,” diz Colson. “Como as roupas são tanto pessoais como emocionais, um desenho tem que tocar o coração de um designer de moda antes de entrar em produção”.
Ele também acha que as máquinas podem calcular a probabilidade de sucesso de um desenho, embora ainda seja difícil prever quais conceitos totalmente novos irão fazer sucesso. Em outras palavras, estabelecer a popularidade de roupas com recortes deixando os ombros à mostra é “revolucionário”, mas apurar esse conceito com elementos tais como recortes nas costas e lados é “evolucionário”.
“As máquinas podem capturar elementos de estilo e nos permitir manipulá-los ainda mais. Imagine dizer: “Pegue essa saia da Theory, mas acrescente um toque de Kate Spade”. Em teoria, os algoritmos de aprendizagem profunda podem fazer tais coisas”, diz Colson. “Eles são capazes de aprender o que torna a marca Kate Spade realmente Kate Spade. Uma vez que aprendem, podem aplicar isso a qualquer coisa.”
Finalmente, Niven, da R/GA, tem algumas notícias encorajadoras para os designers (humanos) que estão preocupados em provar seu valor: “Se você olha alguma coisa que é produzida em massa, ela acaba perdendo seu valor,” diz ela. “Então, se estamos constantemente produzindo peças de roupa a partir de uma máquina de inteligência artificial, as roupas produzidas por inteligência artificial ficarão desvalorizadas, e assim o valor de uma roupa produzida por humanos, na realidade, vai aumentar.”