Por Adilson Roberto Gonçalves, Graciele Almeida de Oliveira e Virginia Vilhena
Com essa nova onda de inovações que promete uma integração maior entre os ambientes físico e virtual, indústria, sociedade, negócios e economia, tanto local quanto global, terão que passar por grandes alterações de maneira a fomentar a inovação para a integração de sistemas e inteligência nos processos, produtos e serviços. De startups a grandes multinacionais, todas as empresas correm o risco de serem tragadas e eliminadas do mercado caso não invistam nessa nova proposta de produção, emergente e irreversível.
A indústria 4.0 vem sendo reconhecida como a quarta revolução industrial, com a promessa de transformar completamente o trabalho e o estilo de vida das pessoas nas próximas décadas. Forjada na inovação, ela utiliza recursos da alta tecnologia em robótica e processamento de dados para reduzir custos e tornar todo o processo produtivo mais competitivo.
A expressão “indústria 4.0” surgiu em 2011, na Feira de Hannover, Alemanha, a partir de uma parceria entre as indústrias e o governo alemão, como forma de designar um novo projeto de automatização e informatização da manufatura para criar fábricas inteligentes e conectadas.
Ainda que alguns economistas, como Delfim Netto em artigo recente publicado na Folha de S. Paulo, vejam a indústria 4.0 como fruto fantástico da tecnologia, a revolução industrial em curso se baseia em sólido conhecimento científico e interdisciplinaridade.
Nos últimos cinco anos, programas paralelos ao do governo alemão vêm sendo implantados em outros países, num esforço para desenvolver uma manufatura avançada. O economista e diretor executivo de relações internacionais da Unicamp, Mariano Francisco Laplane explica que o desenvolvimento dessa manufatura é pautado nos “avanços na internet das coisas (IoT); na conectividade entre bens, máquinas, eletrodomésticos; na inteligência artificial e na evolução da implementação de redes de comunicação com foco em aplicação na transformação da produção de bens e prestação de serviços”.
José Rizzo, engenheiro mecânico que atua na área de automação industrial há 25 anos, fundador e CEO da Pollux, empresa catarinense referência em tecnologias de informação/operação e presidente da Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII), complementa dizendo que “a indústria 4.0 é caracterizada, principalmente, pela conectividade direta entre equipamentos e sistemas, ou IIoT (do inglês industrial internet of things) e a aplicação intensiva de um conjunto de novas tecnologias, tais como a robótica avançada, manufatura aditiva, realidade aumentada e inteligência artificial. Também é parte da indústria 4.0 a virtualização da manufatura (gêmeo digital) como instrumento para a otimização de processos por meio de simulações computacionais. O propósito da quarta revolução é tornar os processos produtivos cada vez mais eficientes e flexíveis”.
A mudança no processo industrial
Um dos efeitos mais imediatos e evidentes da indústria 4.0 é observado nos meios de produção dos bens de consumo, que aos poucos vêm mudando diante dessa nova forma de produção. A atividade de produção na indústria tradicionalmente pode ser classificada em duas categorias: processos discretos e processos contínuos.
De acordo com Laplane, nos discretos a produção se desenrola em etapas relativamente autônomas. Por exemplo, a produção de um automóvel: em um momento se produz as peças do motor, da carroceria, do acabamento, para que, depois, seja feita a montagem dos componentes. Já os processos contínuos são aqueles nos quais a matéria-prima é transformada num único processo ininterrupto, até chegar ao produto final.
Laplane explica que “a manufatura inteligente e conectada pretende utilizar esse desenvolvimento da internet das coisas, das redes de comunicação e a inteligência artificial para que, mesmo os processos discretos, se transformem em contínuos. Integrando as etapas, conectando os equipamentos de cada etapa, tornando-os mais autônomos; menos sujeitos à operação direta do operário, automatizando-os e conectando-os”. A novidade na automação, segundo Laplane, é que os computadores que controlam os robôs, as máquinas, as linhas de montagem e a esteira passam a estar conectados e a trabalhar como um sistema integrado.
Uma mudança que não se restringe ao chão de fábrica
Não é apenas a produção que é conectada, mas também os produtos e os consumidores, pessoas jurídicas e físicas, que passam a fazer parte de um sistema. Laplane afirma que “a produção inteligente e conectada também integra a cadeia toda de valor, desde a produção dos insumos e das peças, as que são compradas de terceiros, e também acompanha o produto ao sair da fábrica”. Dessa forma, a conectividade permite a coleta e análise de dados originados durante o uso dos produtos, gerando padrões e identificando demandas que podem gerar outros serviços e produtos.
Outro exemplo são os dados gerados a partir do perfil de buscas por informação na internet associado ao fluxo de energia da região em que o usuário habita. A informação originada pode determinar quais produtos devem ser ofertados no supermercado mais próximo. Essa pode ser, em um futuro próximo, a dinâmica da produção industrial.
A IIot inclui também áreas como saúde, infraestrutura urbana e agronegócio. Além da indústria, inovações associadas à internet of things (IoT) ganham espaço crescente na vida cotidiana do cidadão comum. Em lares brasileiros os investimentos mais significativos vêm sendo destinados aos sistemas de segurança por câmeras e aparelhos eletrodomésticos conectados à internet, impulsionando o desenvolvimento de novas ferramentas e tecnologias.
“É o futuro se fazendo presente”, afirma Marcela Avelina Bataghin Costa, professora do Instituto Federal de São Paulo, mestre e doutora em engenharia, com atuação na gestão de qualidade e logística. Segundo ela, que está escrevendo um livro sobre as quatro revoluções industriais, a indústria 4.0 envolve a transformação de sistemas inteiros, de países e indústrias, e as mudanças são profundas, com impactos positivos e negativos para a sociedade.
Com essa nova onda de inovações que promete uma integração maior entre os ambientes físico e virtual, indústria, sociedade, negócios e economia, tanto local quanto global, terão que passar por grandes alterações de maneira a fomentar a inovação para a integração de sistemas e inteligência nos processos, produtos e serviços. De startups a grandes multinacionais, todas as empresas correm o risco de serem tragadas e eliminadas do mercado caso não invistam nessa nova proposta de produção, emergente e irreversível.
Para Laplane, o impacto da indústria 4.0 não é imediato, mas um processo, e ele complementa: “esse processo de transformação deve demorar pelo menos uma década e não será de disseminação instantânea no conjunto das economias do mundo, nem mesmo o das economias mais avançadas. É uma mudança de paradigma produtivo demorada”.
Indústria 4.0 da Alemanha para o Brasil – os desafios
Laplane aponta que o programa indústria 4.0 na Alemanha “propunha avançar o conhecimento, desenvolvê-lo nesse campo da produção inteligente e conectada e transformá-lo em resultados, soluções que possam ser adotadas pela indústria do país”. De acordo com ele, nos últimos cinco anos, programas paralelos vêm sendo implantados em outros países, num esforço para desenvolver uma manufatura avançada. O tema é tratado como prioridade de estado também na China, com o “2025” e nos Estados Unidos, com o “manufatura avançada”.
No caso do Brasil, Marcela Costa aponta alguns desafios. “Sem investimentos em educação e em capacitação jamais estaremos na frente. As empresas também precisam entender que criatividade e inovação e, consequentemente, produtividade, só são possíveis quando são fornecidas condições aos colaboradores. A indústria 4.0 envolve a transformação de sistemas inteiros, de países e indústrias. As mudanças são profundas. O impacto na tecnologia é imenso e positivo, porém deve-se ter muito cuidado com a exclusão de trabalhadores que ela pode gerar e aí, novamente, volto à questão da educação e capacitação”.
Laplane comenta sobre os relatórios nos quais aparecem dados relacionados à economia brasileira e indústria 4.0. “O que mais tem chamado a atenção é a questão do emprego e da qualificação. A ameaça potencial do desemprego tecnológico é sobre o perfil de qualificações que se espera que as pessoas tenham para fazer parte desse paradigma novo”. Rizzo coloca que: “para o Brasil, a grande medida é dar máxima prioridade à educação e rever rapidamente a forma e o conteúdo em todos os níveis de ensino”.
Há prognósticos bastante pessimistas para os empregos e qualificação, mas, de acordo com Laplane, o desaparecimento de ocupações é um fenômeno relativamente constante, haja vista a perda de posições quando máquinas operadas manualmente passam a ser automatizadas. Por outro lado, o novo cenário gera novos negócios, serviços e produtos.
Num mundo de sistemas ciber-físicos, interação do homem com máquinas, será essencial introduzir a formação em novas habilidades, as chamadas soft skills, que, segundo Rizzo: “incluem empreendedorismo, trabalho em time, criatividade, sensibilidade artística, valores, ou seja, habilidades que as máquinas não conseguirão replicar no futuro próximo”.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) vêm realizando um estudo com o objetivo de propor um plano de ação estratégico em internet das coisas para o Brasil. Com base nesse estudo, em novembro de 2017 foi apresentado um “Relatório do plano de ação – iniciativas e projetos mobilizadores” para o desenvolvimento de IoT no país, com objetivos estratégicos e específicos, assim como as iniciativas, mapeadas nos diversos fóruns de engajamento do estudo. Num dos trechos do relatório, fica claro que: “Para que o Brasil se posicione de forma destacada nessa corrida tecnológica e aproveite suas vantagens em tais ambientes, precisa agir para destravar barreiras que limitam o potencial de desenvolvimento dessa nova tendência tecnológica global”.
Outro estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL), em parceria com os institutos de economia da UFRJ e Unicamp (Projeto Indústria 2027) pesquisou 759 grandes empresas e mostrou que apenas 1.6% delas já operam na indústria 4.0, e que 21,8% projetam ter o processo produtivo automatizado nos próximos dez anos.
Para Marcela Costa, “não só o Brasil, mas diversos países ainda estão com certo atraso quando se trata da indústria 4.0. Embora empresas como Ambev e Volkswagen tenham investido em projetos que possam ser considerados como das linhas da indústria 4.0, o Brasil precisa investir em educação, e as empresas precisam fazer uma transformação radical digital em todos os seus processos. Falta conhecimento, ousadia e estrutura”.
O empresário Rizzo tem uma visão mais otimista. Segundo ele, considerando parâmetros médios, a defasagem generalizada da indústria instalada no Brasil pode fazer sentido, mas: “quem conhece o setor de perto sabe que uma parte importante de nossas fábricas está razoavelmente atualizada e não deveria ter maiores dificuldades para iniciar a jornada na direção da indústria 4.0. Mesmo fora do Brasil a caminhada está apenas no seu início. Apesar dos obstáculos adicionais que temos, em especial as incertezas geradas pela situação política e econômica, estou confiante de que teremos condições de acompanhar de perto essa transformação, principalmente se o cenário econômico evoluir positivamente nos próximos anos”.
Se o Brasil tem ou não condições de acompanhar as mudanças no processo de produção, Laplane provoca: “É preciso se perguntar duas coisas: O Brasil tem condições de gerar conhecimento, tem competência científica e tecnológica para acompanhar e, em alguns casos, ir na frente desse processo? O sistema empresarial, as empresas e o governo conseguem implementar iniciativas parecidas com as que estão sendo implementadas em outros países do mundo?”.
Adilson Roberto Gonçalves é bacharel em química (Unicamp), doutor em ciências (Unicamp), pesquisador da Unesp e pós-graduando em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.
Graciele Almeida de Oliveira é bacharel em química (USP), doutora em ciências – bioquímica, graduanda em educomunicação (USP) e pós-graduanda em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.
Virginia Vilhena é bacharel em ciências biológicas (UFMG), mestre em parasitologia pela mesma instituição, professora de ensino superior e pós-graduanda em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.