Por Carlos Vogt
A mente não é o cérebro e o cérebro não é a mente, embora se confundam e sejam tratados por muitos como uma coisa só. Mas não são.
O cérebro é um órgão da anatomia do corpo e constitui-se de uma rede material de neurônios, sinapses e substâncias químicas, enquanto a mente, como escreve Yuval Noah Harari, “é um fluxo de experiências subjetivas, como a dor, o prazer, a raiva e o amor”(1).
Sendo diferentes, são, contudo, iguais no sentido de que um não sobrevive ao outro nas funções efetivas que desempenham na articulação do pensamento, do sentimento e da vontade e da sua formulação lógica e poética, sob a forma da linguagem e dos sistemas semióticos de sua significação na sociedade.
E, assim, sendo iguais, são novamente diversos, porque, se as funções da mente supõem o funcionamento do cérebro, a mente o excede e permanece na construção do simbólico, do social, do político e do cultural.
É desse modo que se pode falar da imanência da mente, entendendo aqui essa expressão como se referindo a “tudo que fazendo parte da substância de uma coisa, não subsiste fora dessa coisa”, conforme se pode ler no Dicionário de filosofia, de Nicola Abbagnano. (2)
A mente tem, pois, uma materialidade tangível, embora ainda pouco conhecida, representada pelo cérebro; tem também uma materialidade, de certa forma intangível, representada pela própria mente, ainda que menos conhecida, do ponto de vista científico e que, pelo mistério que encena, chama-se também de espírito, mas que é feito da mesma imanência que nos permite, pela intuição, no sentido que dá Spinoza a este termo, “captar a relação entre uma coisa finita e uma coisa infinita, entre a existência modal de nosso espírito e a existência eterna dos atributos divinos”. (3)
Somos livres e determinados e a verdadeira liberdade é a compreensão da necessidade do que é determinante na natureza.
Desse modo, a mente e o espírito se limitam pela materialidade finita do cérebro e são livres pelo conhecimento dinâmico e profundo dessa limitação.
- Harari, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. Companhia das Letras, São Paulo, 2018, p. 383.
- Abbagnano, Nicola. Dicionário de filosofia. Martins Fontes, São Paulo, 1998, p. 540.
- Cf Lenoir, Frédéric. Le miracle Spinoza, Fayard, Paris, 2017, p. 191.