A revolução dos sistemas elétricos é caracterizada pela adoção de diversas tecnologias disruptivas abarcadas no conceito dos 3Ds: descentralização, digitalização e descarbonização. Exemplos dessas inovações, denominadas grid edge technologies, envolvendo soluções de hardware e/ou software são: geração solar fotovoltaica, mobilidade elétrica, sistemas de armazenamento de energia, sistemas de medição digitais com comunicação, eletrodomésticos de altíssimo rendimento e sistemas de desagregação de carga.
Marcos Julio Rider Flores, Walmir de Freitas Filho, Madson Cortes de Almeida, Fernanda Caseño Trindade Arioli, Daniel Dotta, Ieda Geriberto Hidalgo, Benedito Donizeti Bonatto
É consenso entre os especialistas que a modernização dos sistemas de energia elétrica é o caminho mais viável, em curto prazo, para promover a descarbonização e a descentralização da economia, trazendo qualidade de vida para a sociedade, preservando o meio ambiente e gerando distribuição de renda. Neste contexto, o termo “sistemas de energia elétrica” é empregado no seu sentido mais amplo, envolvendo não somente as redes de distribuição, mas também as instalações dos consumidores, sejam eles residenciais, comerciais, rurais ou poder público. É importante destacar que as tecnologias que promovem a descarbonização da economia pela utilização de energia renovável (como os geradores fotovoltaicos), e dos grandes centros urbanos com energias alternativas (como a mobilidade elétrica), são as mesmas que podem criar oportunidades de novos negócios para os consumidores, pela proposição de serviços inovadores.
Essa revolução dos sistemas elétricos é caracterizada pela adoção de diversas tecnologias disruptivas abarcadas no conceito dos 3Ds: descentralização, digitalização e descarbonização. Exemplos dessas inovações, denominadas grid edge technologies, envolvendo soluções de hardware e/ou software são: geração solar fotovoltaica, mobilidade elétrica (veículo elétrico e estação de recarga), sistemas de armazenamento de energia, sistemas de medição digitais com comunicação (medidores inteligentes), eletrodomésticos de altíssimo rendimento (empregando conversores eletrônicos, por exemplo, aparelhos de ar-condicionado com inversores) e sistemas de desagregação de carga. Embora não haja uma definição formal e consensual, algumas definições e aspectos empregados por importantes fabricantes, fóruns de discussão e mídia especializada são usadas para caracterizar tais tecnologias:
- Greentech Media: “As grid edge compreendem tecnologias, soluções e modelos de negócio que avançam na transição rumo a uma estrutura grid descentralizada e distribuída”.
- Fórum Econômico Mundial: “Três tendências da transformação grid edge: eletrificação, descentralização e digitalização”.
- Siemens: “Grid edge está no foco dos novos sistemas de energia — é onde o consumidor e o produtor-consumidor interagem por um grid inteligente… Essa transição é conduzida pela digitalização, descentralização e por um chamado global para a descarbonização”.
- ABB: “Um ecossistema com capacidades de energia distribuída, soluções digitais e serviços para maximizar o valor e a retenção ao consumidor”.
Essas e outras definições apresentam em comum a promoção da descentralização, digitalização e descarbonização do sistema, a participação ativa do consumidor e a adoção de soluções em hardware e software. Outro ponto relevante é o desenvolvimento de novos serviços, os quais podem ser oferecidos não somente pelas concessionárias, mas também por consumidores e terceiros. Tais soluções podem ser adotadas por consumidores (soluções pelo lado da demanda) ou pelas distribuidoras (soluções pelo lado da rede).
Exemplos de grid edge technologies:
Embora sejam inquestionáveis os potenciais benefícios que essas tecnologias podem trazer, sobretudo aos consumidores, faz-se necessário que avanços científicos e tecnológicos sejam realizados nas seguintes frentes:
- Detecção e mitigação de impactos técnicos: a adoção dessas tecnologias pode criar uma série de dificuldades e impactos técnicos, que afetam não somente as redes elétricas, mas também os consumidores. Um exemplo é a instalação de geradores fotovoltaicos, sobretudo em redes de baixa tensão, levando a uma elevação de seu nível (sobretensão).
Essa consequência tem dois impactos aos consumidores:
- Impacto direto: em razão da sobretensão em momentos de elevada radiação, os geradores podem automaticamente se desconectar, visto que os inversos eletrônicos não podem operar nesta situação, reduzindo a capacidade de o consumidor gerar energia e diminuindo o retorno do seu investimento em sua conta de energia elétrica;
- Impacto indireto: em razão do problema de qualidade de tensão, a concessionária de energia tem que realizar reforços na rede, sendo que tais custos são compartilhados por todos os consumidores, elevando a conta de energia elétrica. Raciocínio similar, por exemplo, pode ser feito no caso da mobilidade elétrica, em que a instalação dos pontos de recarga poderá causar subtensão. Portanto, é necessário que metodologias técnicas e econômicas de detecção e mitigação desses impactos técnicos sejam desenvolvidas.
2. Otimização dos benefícios e geração de novos serviços: a simples instalação dessas tecnologias não trará todo o potencial benefício aos consumidores, visto que é necessário que esses equipamentos sejam gerenciados adequadamente e que condições regulatórias e mercadológicas sejam implementadas. Um exemplo é criar uma regulação e um mercado para que os consumidores possam prestar serviços, além de desenvolver metodologias e promover avanços para que essas tecnologias sejam capazes de fornecer.
Os objetivos do Eixo Temático VII – Transição para redes digitais e consumo inteligente do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (CPTEn) são desenvolver metodologias para análise e gerenciamento dessas tecnologias descentralizadas de forma a trazer benefícios aos consumidores, sempre visando à melhoria da eficiência energética, a redução do custo energético e detecção e mitigação de impactos adversos; e desenvolver e propor novos serviços pelos quais os consumidores sejam adequadamente remunerados, via abordagem mercadológica, regulatória, econômica e tecnológica integrada.
Exemplo desses potenciais serviços e a integração com as camadas digitais e físicas:
Para alcançar os objetivos propostos, este eixo temático é organizado em três frentes de desenvolvimento interligadas:
- Análise de dados (data analytics): desenvolvimento de técnicas de processamento de dados, tais como metodologias de big data e data analytics, para transformar dados brutos em informações úteis para gerenciamento da carga e geração dos consumidores e das tecnologias emergentes instaladas nas redes de distribuição. Esta etapa é fundamental para o sucesso do processo, visto que os demais desenvolvimentos dependem da qualidade dos dados, sejam esses obtidos via simulação intensiva ou medição em campo;
- Gerenciamento de tecnologias emergentes (grid edge technologies): neste subprojeto serão desenvolvidas metodologias para análise, monitoramento e controle de diversas tecnologias emergentes, tais como geração solar, sistemas de armazenamento de energia, veículos elétricos etc, para otimizar os potenciais benefícios, sobretudo em termos de eficiência energética e redução do custo de energia;
- Criação de novos serviços: neste subprojeto, via análise técnica, mercadológica, econômica e regulatória, são desenvolvidos e propostos novos serviços, os quais poderão ser oferecidos por consumidores, permitindo que os sistemas operem de forma mais eficiente, não somente do ponto de vista energético, mas também econômico.
Para a execução das pesquisas propostas neste eixo temático serão empregados dois ambientes de desenvolvimento. A primeira etapa é o momento em que os processos metodológicos são desenvolvidos em um laboratório virtual, em que as metodologias serão desenvolvidas, testadas e validadas empregando simulação computacional intensiva e técnicas de processamento de alto desempenho. Tais desenvolvimentos serão realizados em quatro laboratórios existentes na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC/Unicamp), que ocupam uma área de cerca de 240 metros quadrados e contam com mais de 50 computadores de última geração e servidor dedicado com mais de 100 núcleos. As metodologias serão preferencialmente desenvolvidas empregando Python e C++.
No segundo momento, pesquisadores investigarão o funcionamento desses produtos, aperfeiçoando essas tecnologias e/ou serviços, no Laboratório vivo de transição, eficiência e sustentabilidade energética Campus Sustentável, da Unicamp, em que as metodologias serão testadas e validadas. O Laboratório Vivo Barão Geraldo foi concebido e implementado com apoio do Grupo CPFL Energia e permite investigar a integração de diversas tecnologias emergentes, tais como geração solar, mobilidade elétrica, sistemas de armazenamento de energia, medidores inteligentes e microrredes aos sistemas de energia elétrica considerando aspectos técnicos, econômicos, regulatórios e sociais. Ele também produz mais de 2 bilhões de dados de medição em campo por ano, os quais são processados usando técnicas de big data e data analytics. A validação das metodologias em campo envolvendo o usuário final aumenta consideravelmente a chance dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos criarem novos produtos e serviços comercialmente viáveis.
Esta combinação permite uma visão mais ampla da viabilidade de tecnologias economicamente descentralizadoras e renováveis, como a mobilidade elétrica e a geração solar fotovoltaica, promovendo a distribuição de renda e a redução dos impactos ambientais no sistema energético do Estado de São Paulo, contribuindo para o avanço tecnológico das redes de distribuição e também para o consumo inteligente.
Marcos Julio Rider Flores é pesquisador do Eixo 7 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/5624414419867021
Walmir de Freitas Filho é pesquisador do Eixo 7 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/0356536062945134
Madson Cortes de Almeida é pesquisador do Eixo 7 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/7592852392858067
Fernanda Caseño Trindade Arioli é pesquisadora do Eixo 7 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/3223980695370124
Daniel Dotta é pesquisador do Eixo 7 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/7435776391011024
Ieda Geriberto Hidalgo é pesquisadora do Eixo 7 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/1913450752136533
Benedito Donizeti Bonatto é pesquisador do Eixo 7 do CPTEn – http://lattes.cnpq.br/8344250043719538
Referências:
C++ Programming Language, disponível em: https://isocpp.org/get-started. Acessado em 01/09/2021.
Greetech Media, What is grid edge?, disponível em: https://www.greentechmedia.com/ articles/read/what-is-the-grid-edge, Acessado em 31/08/2021.
Patwardhan, Power systems of the future: grid edge technologies, ABB, 2018.
Python programming language, disponível em: https://www.python.org/. Acessado em 01/09/2021.
Siemens, Grid edge, disponível em: https://new.siemens.com/us/en/company/topic-areas/grid-edge.html. Acessado em: 31/08/2021
World Economic Forum, The future of electricity: new technologies transforming the grid edge, in collaboration with Bain & Company, 2017.