Fungo da monilíase chega ao Brasil. Avanços tecnológicos podem ajudar na contenção da doença que ataca o cacau

 Monique Rached

Imagem: Claudio Bezerra Melo/Embrapa

Em julho, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) registrou o primeiro foco dentro de território brasileiro do fungo Moniliophthora roreri, causador da monilíase do cacaueiro. A doença afeta principalmente os frutos e é facilmente transmissível.

Os sintomas da doença foram identificados em Cruzeiro do Sul, Acre, e amostras do fungo foram coletadas e validadas pelo Laboratório Federal de Defesa Agropecuária de Goiânia.

O fungo, que até então só estava presente em outros países da América do Sul como Equador, Colômbia, Venezuela, Bolívia e Peru, é do mesmo gênero da Moniliophthora perniciosa, o causador da vassoura-de-bruxa, doença que assolou as plantações de cacau pelo sul da Bahia no fim do século XX.

Ainda não se sabe o potencial de disseminação da monilíase pelas florestas do Brasil, nem a intensidade do impacto que pode causar nas plantações de cacau e cupuaçu pelo Pará e Bahia. O monitoramento da região no Acre já foi intensificado pelas equipes de vigilância fitossanitária.  

Após o desastre socioeconômico ocorrido em Ilhéus pelo alastramento da vassoura-de-bruxa, vários pesquisadores se dedicaram ao tema, e as pesquisas avançaram muito, o que pode ajudar a conter a disseminação.

“As doenças que mais mataram na humanidade não foram humanas, mas sim as de planta, porque provocam a fome”, diz Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, professor da Unicamp e coordenador de um grupo de pesquisas que busca desenvolver um fungicida eficiente contra os exemplares do gênero Moniliophthora.

Pereira, que é formado em engenharia agrônoma pela UFBA, explica que a vassoura-de-bruxa já estava na floresta amazônica, em equilíbrio. Ao ser transportado para as fazendas de cacau no sul da Bahia encontrou o clima propício para se espalhar com facilidade – períodos de chuva e sol seguidamente alternados. Assim, a partir de 1989 a cacauicultura no Brasil sofreu uma enorme queda, levando a produção anual despencar de 320 mil toneladas em 1991 para 191 mil toneladas no ano 2000. A queda da produção afetou toda a cadeia produtiva do cacau, levando milhares de pessoas à miséria.

Diante disso, os cacauicultores buscaram saídas para sobreviver, e uma delas consistiu em derrubar mata para vender madeira – atividade de alto impacto ecológico. No processo, eles perceberam que os pés de cacau conviviam melhor com a vassoura-de-bruxa quando recebiam mais sol, o que intensificou ainda mais a derrubada das florestas na região.

“Esse desmatamento, além de tudo, contribui para as mudanças climáticas, o que pode causar as secas mais frequentes na região. As florestas ajudam a manter a umidade e reverter esse processo de seca, que é pior do que a vassoura-de-bruxa” adverte Pereira.

Pesquisas avançam

Há cerca de 20 anos Pereira pesquisa uma droga capaz de inibir o crescimento desses fungos e revela estar muito próximo: “Um produto que permita que o cacau volte a ser plantado na sombra da mata atlântica”. 

O desafio maior foi desarmar o mecanismo bioquímico bastante especializado dos fungos Moniliophthora. Neste gênero está presente uma enzima chamada oxidase alternativa (AOX) que tem o poder de “driblar” o sistema de defesa das plantas. Após os avanços do grupo de Pereira a pesquisa evoluiu para a identificação de um fungicida que já existia para o combate de outro tipo de doença, mas que com algumas adaptações se mostrou capaz de enfrentar a vassoura-de-bruxa. Testes práticos conduzidos em uma fazenda de cacau comprovaram o sucesso do agrodefensivo. O processo de aprovação deste agrodefensivo para o cacau está em andamento e o pesquisador se diz esperançoso quanto à eficácia contra a monilíase.

Desenvolvimento de subprodutos do cacau

Depois de os números da produção de cacau caírem no sul da Bahia, a dinâmica da cadeia produtiva se alterou na região. Muitos fazendeiros não buscam mais recuperar a primeira posição no ranking mundial, mas focam na qualidade. A mentalidade mudou, agora eles querem produzir o melhor cacau do mundo”, aponta Fábio Neves dos Santos, que realiza pós-doutorado na Unicamp.

Segundo o pesquisador, quando existe um selo de qualidade associado, vários fatores são estimulados e aumentam o valor do produto. Além disso, a diversificação de fontes econômicas garante mais segurança aos produtores.

Uma forma de assegurar e agregar valor às produções agrícolas consiste em aproveitar os subprodutos de cada cultura, já que muitas vezes o potencial de certos cultivos é subaproveitado. “O que faço em meu projeto é trabalhar a percepção de valores que os produtores têm dos “resíduos” do cacau, incorporando ciência neste processo e, assim, produzindo um adubo adequado”, diz.

Santos, que é formado em química pela UFBA, atua diretamente com produtores de cacau, e estuda as amostras de cascas com o intuito de desenvolver adubos de boa qualidade. Outro subproduto estudado é o mel de cacau, uma bebida descrita como suavemente ácida, levemente gaseificada – devido à fermentação natural – e com o aroma de cacau bem presente. O mel de cacau tem potencial para agradar muitos paladares, porém algumas etapas como armazenamento e transporte carecem de otimização, já que a bebida é muito perecível.

O desenvolvimento de subprodutos pode trazer alternativas de renda e mais segurança aos produtores da região. “Tudo que não era amêndoa era tratado como resíduo. A casca, o mel, e a polpa eram descartados, até porque a presença deles causa um efeito negativo, acelerando a fermentação da amêndoa e a contaminação microbiana. Os produtores tentavam se livrar o mais rápido possível para gerar um chocolate de alta qualidade no final”, diz.

Sobre produtos que surgem no mercado como a farinha da casca do cacau, Santos diz que vale a pena ter cautela enquanto os estudos não se aprofundam. “Como a casca é facilmente atingida por fungo, é preciso ter cuidado com contaminação microbiológica, além de avaliar sua composição nutricional para saber se agrega valor nutricional aos alimentos”, pondera.

Saiba mais:

Entrevista com Fábio Santos, formado em química pela UFBA, pós-doutorado na Unicamp.

 

Entrevista com Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, professor da Unicamp

Monique Rached é bióloga pela Universidade de São Paulo e especialista em jornalismo científico pelo Labjor-Unicamp. Trabalha como quadrinista e ilustradora de técnicas tradicionais e digitais. Atualmente é colaboradora na Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano e bolsista do programa Mídia Ciência da Fapesp.