Por Mariana Hafiz
Neutrinos são partículas bastante instáveis encontradas nos núcleos atômicos e que ultimamente tem sido grande foco dos pesquisadores da física. Bilhões deles atravessam nossos corpos a cada segundo, mas, apesar de toda essa abundância, sabe-se muito pouco sobre eles. Até o momento, cientistas conseguem ter certeza apenas que neutrinos são extremamente pequenos, que existem pelo menos três tipos (neutrinos elétrons, múons e taus), que têm baixa interação com matéria, possuem uma pequena massa (mas não se sabe o valor) e constantemente contestam o modelo padrão.
Especula-se que esses neutrinos possam ser a chave para explicar diversas das perguntas ainda não respondidas pela física, como a assimetria entre matéria e antimatéria (por que existe mais matéria do que antimatéria no universo, já que a teoria prevê que ambas deveriam ter sido produzidas em quantidades idênticas), e também a questão da matéria escura, e até mesmo a origem do universo, mas ainda nada foi comprovado. Devido à sua baixa interação com a matéria e alta instabilidade (neutrinos constantemente se transformam em uma de suas três versões conforme se movimentam), dificultam experimentos e são difíceis de serem detectados.
O físico italiano Francesco Vissani é professor do Gran Sasso Science Institute (GSSI) e diretor de pesquisa nos Laboratórios Nacionais do Gran Sasso no Instituto Nacional de Física Nuclear (INFN), local onde experimentos foram capazes de detectar neutrinos solares. Ele falou com a ComCiência sobre as peculiaridades dessas partículas e seus experimentos na área. Vissani se dedica a estudar especificamente o caso dos neutrinos serem partículas Majorana.
Então, neutrinos estão em todo lugar?
Sim, neutrinos estão em todo lugar.
Se estão, por que é tão difícil observá-los?
Isso, na verdade, é algo que percebemos com certo esforço. Não sabíamos disso até que fizemos as primeiras investigações, quase um século atrás, em 1930. Percebemos que em alguns fenômenos radioativos chamados de “decaimento beta” era preciso imaginar que, de alguma forma, uma nova partícula quase invisível era emitida. A partir disso, surgiram os estudos que nos fizeram entender que nas reações nucleares dentro do Sol, onde hidrogênio vira hélio, energia é liberada de tal maneira que a matéria se transforma e neutrinos são liberados.
Para se ter uma ideia, 65 bilhões de neutrinos atravessam uma área de 1cm² por segundo, é bastante coisa e é algo que não percebemos porque eles são praticamente invisíveis. Além disso, eles são muito pequenos: se fizermos uma comparação com o tamanho de um átomo (neutrinos estão dentro do núcleo atômico) e o átomo tiver o tamanho da Terra, o núcleo seria do tamanho de um campo de futebol e os neutrinos teriam o tamanho de um vírus. Eles são bastante pequenos e atravessam a matéria sem nenhum problema. Inclusive podem atravessar o Sol sem serem absorvidos, então é realmente muito difícil detectá-los, mas nós conseguimos.
É por isso que eles são chamados de partículas fantasmas?
Com certeza, sim. Digo, os fantasmas têm a propriedade de atravessar as paredes, se eles existissem, é claro. Neutrinos são, de alguma forma, “super fantasmas” porque eles não passam só pelas paredes e pelos nossos corpos, mas até pelo Sol.
Se eles são como fantasmas, quais condições são necessárias para criar experimentos em que possam ser detectados?
A condição é simplesmente tentar quantas vezes forem necessárias. Neutrinos são pequenos, mas não são como pontos na geometria, que não tem dimensão nenhuma, eles têm alguma dimensão.
O que tivemos que fazer foi tentar várias vezes até conseguirmos detectar um deles, e depois devíamos ter a certeza de que o sinal obtido não poderia ter sido originado por nenhuma outra razão a não ser neutrinos. É por isso, por exemplo, que trabalhamos com nossos detectores embaixo de montanhas, para garantir que estamos protegidos dos raios cósmicos; nós usamos as montanhas como um guarda-chuva para que tenhamos um material limpo sem nenhuma radioatividade, ultrapuro, e depois apenas esperamos. Ocasionalmente, nós vemos um flash de luz e ali está um neutrino e, especificamente, se conseguirmos atribuir a sua direção para o Sol, então talvez podemos afirmar “gente, acho que pegamos um” (risos).
Em sua palestra, você mencionou que neutrinos talvez não tenham nenhuma utilidade prática. O que motiva, então, toda a pesquisa e os experimentos na busca por essas partículas?
Sim, a utilidade à qual me referi foi em termos de tecnologia. No século XIX, por exemplo, James Clerk Maxwell tinha uma teoria de que a luz era um tipo de vibração, um tipo de onda, o que hoje nós chamamos de onda eletromagnética, e cerca de 50 anos depois Heinrich Hertz e Guglielmo Marconi perceberam que eles podiam usar esses tipos de vibrações eletromagnéticas para transmitir informação – como o que é feito hoje com os nossos celulares e as ondas de rádio. Isso é útil no sentido de que alguma construção mental tem uma contrapartida na realidade.
Não conseguimos fazer algo assim com os neutrinos porque os transmissores de neutrinos precisam ser muito grandes, por exemplo do tamanho do Sol, e precisamos também de uma antena receptora, que são nossos telescópios, mas eles só conseguem pegar alguns poucos deles.
Ainda estamos aprendendo sobre essas partículas, aprendendo como usar para entender a astronomia. Neutrinos são relevantes para a física de partículas porque eles têm propriedades bastante inesperadas, então algumas pessoas especulam, por exemplo, que eles são o ponto inicial para explicar por que o universo é feito mais de matéria e não de antimatéria.
Por um lado, eles podem ser úteis para Deus (risos), porque de alguma forma são as partículas-chave na criação do lugar onde vivemos, mas em termos de usos práticos para a humanidade, ainda é bastante difícil.
Existem muitas especulações de que neutrinos podem explicar uma variedade grande de teorias, como a assimetria de matéria e antimatéria, origem do universo, buracos negros, matéria negra e a expansão do universo. Quanto disso é verdade? Quais respostas o estudo de neutrinos pode realmente oferecer?
Eu também não sei. Eu sou uma das pessoas investigando essas questões há 20 anos, mas o ponto principal é que realmente existe muita especulação. Algumas acontecem porque são tópicos que as pessoas gostam de discutir por serem bastante intrigantes, mas eu diria que são muito vagos.
Uma questão é que toda partícula comum tem sua antipartícula igual, mas oposta em carga – é o caso dos elétrons que flutuam ao redor do núcleo atômico, por exemplo. Sabemos que as partículas de matéria e antimatéria existem ao mesmo tempo, mas os neutrinos podem ser uma exceção a isso no sentido de que, apesar de terem propriedades parecidas com as dos elétrons, eles podem ser ao mesmo tempo matéria e antimatéria. Isso é uma propriedade muito específica e é o que está sendo investigado agora, o que nós chamamos de massa Majorana de neutrinos, é bem interessante.
Continuando essa discussão, você pode até construir modelos mais especulativos, mas possíveis, pelo menos no papel, de que somos todos filhos de neutrinos ou que as primeiras versões de neutrinos, ao decaírem, produziram mais matéria do que antimatéria e isso explicaria por que o universo é feito em sua maior parte por matéria e não antimatéria. Mas tudo isso é muito distante e são coisas bastante difíceis de comprovar com segurança. Até agora, estão apenas no papel.
Os neutrinos que foram detectados até agora, inclusive no experimento em Gran Sasso, são os que vieram do Sol. Eles podem vir de outros lugares?
Sim, absolutamente. Outras estrelas emitem neutrinos através da sua luz, mas não somos capazes de detectá-los; existem algumas situações especiais que já conseguimos checar em que, quando estrelas muito grandes morrem, os fenômenos chamados de “supernova”, uma quantidade enorme de neutrinos é emitida.
Há neutrinos mais energéticos que esses vindo de lugares diferentes do cosmos, como vimos no experimento do polo Sul chamado “Ice Cube” e é bastante interessante porque não se sabe exatamente de onde eles vieram, algo completamente novo foi visto. Existe um outro caso interessante de que a própria Terra está emitindo neutrinos, nesse caso chamados de “geoneutrinos”. Estes também já foram vistos e pudemos entender que foi a partir da presença de urânio e outros elementos radioativos no nosso planeta.
Nós pensamos, então, que o universo está cheio de neutrinos e, inclusive, depois do Big Bang muitos deles foram produzidos, mas esses são quase impossíveis de serem vistos. Inclusive, se algum dos meus alunos quiser estudar esses neutrinos do Big Bang, seria digno de um Prêmio Nobel (risos).
Mariana Hafiz é jornalista formada pela Unesp Bauru e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp. Trabalhou com divulgação científica de astronomia em espaços não formais.
Foto: Alex Matos / Ascom