Por Patricia Mariuzzo
Flavia Curvelo Magdaniel se especializou no desenvolvimento de campi tecnológicos nas cidades e na criação de ecossistemas de inovação a partir da premissa de que o ambiente construído é um catalisador para a inovação. Atualmente ela trabalha na prefeitura da cidade de Haia, na Holanda, onde participou do planejamento e criação do Distrito Central de Inovação (CID), um projeto de renovação de uma antiga área industrial no coração da cidade, e do Parque Tecnológico Ypenburg (TPY). Flavia é uma das palestrantes do FGKD24, o primeiro congresso internacional do Ceuci sobre distritos de conhecimento de quarta geração, que acontece nos dias 20 e 21 de maio no Centro de Convenções da Unicamp.
Em seu doutorado sobre a criação de campi tecnológicos nas cidades você enfatizou a importância do ambiente construído como catalisador da inovação. Pode falar um pouco sobre isso?
Eu sou arquiteta. Acredito que da mesma forma que moldamos os nossos edifícios, o ambiente construído também nos molda e influencia todas as nossas atividades. A inovação não é uma exceção. Os campi tornaram-se espaços interessantes para explorar o papel do ambiente construído estimulando a inovação por duas razões. Em primeiro lugar, a inovação é uma palavra da moda que promove o desenvolvimento dos campi, por meio de atividades e projetos que envolvem muitas partes interessadas, com diferentes perspectivas sobre a inovação. Em segundo lugar, os campi são os arquétipos mais populares para acomodar atividades de investigação de base tecnológica que conduzem à inovação nas cidades e regiões dos países industrializados. Então me perguntei: como esses ambientes construídos estimulam a inovação? Por que as pessoas decidem desenvolver campi para abrigar pesquisas em vez de outros ambientes construídos? Como podemos explicar a ligação entre a inovação e o ambiente construído nos campi tecnológicos? Eu sabia que essa relação não seria fácil de explicar porque é uma relação assumida.
No entanto, essa não é apenas minha suposição. As organizações gastam recursos desenvolvendo ambientes construídos com a expectativa de se beneficiarem disso e existe todo um campo de pesquisa – denominado gestão imobiliária corporativa – que investiga essa suposição.
No caso do desenvolvimento de campi para estimular a inovação, os custos são mais evidentes do que os benefícios potenciais e é por isso que o seu desenvolvimento é muitas vezes questionável. Isso me motivou ainda mais a esclarecer tal relação. A resposta é que o ambiente construído é um catalisador para a inovação em campi tecnológicos, demonstrado por decisões e intervenções de localização que facilitam cinco condições interdependentes necessárias para a inovação. Assim como numa reação química, a principal função de um catalisador é acelerar o processo.
Quais seriam essas cinco condições para a inovação?
Vamos começar com as condições. Em minhas pesquisas desenvolvi um modelo conceitual segundo o qual, para que a inovação aconteça, existem cinco condições ora orientadas pela procura, ora pela oferta. O primeiro tipo refere-se às condições que resultaram de atividades deliberadas dos intervenientes locais dentro das três esferas organizacionais envolvidas no desenvolvimento do campus (universidades, empresas de pesquisa e desenvolvimento e governos locais). As condições para a inovação impulsionadas pela procura são (1) Concentração a longo prazo de organizações inovadoras; (2) Clima para adaptação ao longo das trajetórias tecnológicas ao longo do tempo; (3) Sinergia entre esferas organizacionais. É provável que essas condições locais sejam semelhantes nas regiões industrializadas, independentemente dos diferentes contextos em que as organizações inovadoras se situam. O segundo tipo refere-se às condições que são moldadas pelas características físicas e funcionais da região em que as organizações acima se localizam e realizam as suas atividades. Essas condições são moldadas pelas configurações geográficas da cidade/região anfitriã e, em última análise, pelas características de localização das organizações de investigação de base tecnológica dentro dessa cidade/região. As condições para a inovação baseadas na oferta são: (4) Identidade da área de inovação; (5) Diversidade de pessoas e densidade de interação social. Estas condições locais são provavelmente únicas em cada contexto.
E que intervenções você destacaria que geram essas cinco condições para a inovação?
A partir do estudo de dois campi, nos EUA e na Holanda, reuni cinco decisões e intervenções importantes que facilitam cada uma destas cinco condições. Primeiro a escolha da localização e o desenvolvimento da área facilitam a concentração a longo prazo de organizações inovadoras em cidades e regiões. As intervenções que permitem a transformação do ambiente construído ao nível da área e do edifício (por exemplo, construção, adaptação e reutilização de espaços flexíveis) criam o ambiente propício para a adaptação ao longo das trajetórias tecnológicas ao longo do tempo. As intervenções imobiliárias em grande escala (por exemplo, a transformação e a renovação) facilitam a sinergia entre universidades, indústria e governos. As decisões de localização e as intervenções que apoiam a imagem e a acessibilidade (por exemplo, o desenvolvimento de instalações representativas e conceitos de área) definem a área de inovação, enfatizando as suas características distintas de identidade, escala e conectividade. As intervenções imobiliárias que permitem o acesso a comodidades (por exemplo, instalações partilhadas) aumentam a diversidade de pessoas e as oportunidades de interação social, independentemente dos ambientes geográficos distintos em que ocorre a concentração de atividades inovadoras
Muitas cidades na Europa estão envolvidas em projetos que buscam repensar a forma como construímos e vivemos nas cidades. Essas discussões procuram responder a duas importantes questões ligadas ao futuro de nossas cidades – a urbanização e a sustentabilidade. O que os ambientes de inovação têm a ver com isso e como sua criação em uma cidade pode ajudá-la a responder a esses desafios?
Esta não é apenas uma tendência europeia. A cidade de Haia e o seu Distrito Central de Inovação fazem parte da Rede Global de Distritos de Inovação. Os membros desta rede estão na Europa, Austrália, EUA e América Latina. A sustentabilidade está no topo da agenda de muitos desses distritos. A inovação tem um papel a desempenhar no avanço da sustentabilidade e os líderes dos distritos de inovação estão conscientes do seu papel na linha da frente da mudança. Isto acontece através do teste de novas ideias, tecnologias e práticas para liderar as suas próprias cidades e regiões no processo. A gama de estratégias e atividades em curso é variada; desde a eficiência energética, a gestão de resíduos até mobilidade limpa e intervenções comportamentais. Estas áreas distritais assumem o seu papel de liderança e ajudam a aprofundar e expandir o papel do ambiente construído no futuro das nossas cidades.
No Brasil há várias iniciativas de criação de distritos do conhecimento e parques tecnológicos, mas há um grande desafio de garantir o engajamento do poder público em longo prazo. Que estratégias podem ser adotadas para gerar esse comprometimento?
É importante que as autoridades reconheçam o papel da inovação na economia e na geração de prosperidade. A elaboração e implementação de uma política de inovação desempenha um papel importante nestes contextos. Os primeiros exemplos deste tipo de políticas na Europa remontam a meados dos anos 1990, onde o conhecimento e a inovação são reconhecidos como motores da produtividade e do crescimento económico, dando um novo enfoque ao papel da informação, da tecnologia e da aprendizagem no desempenho econômico. Quando analisei os indicadores para o desenvolvimento baseado no conhecimento nas cidades e regiões, entendi que as políticas regionais são essenciais para apoiar o desenvolvimento de uma vasta gama de ações que podem acelerar a inovação, tais como grandes investimentos em clusters especializados em áreas específicas, regras de incentivo a centros de incubação que promovam o empreendedorismo, apoio a startups e spin-offs de universidades, institutos e empresas de pesquisa e desenvolvimento e grandes investimentos no desenvolvimento de infraestruturas físicas onde as atividades baseadas no conhecimento ocorram, como campi universitários e distritos de conhecimento.
No Brasil, a maioria dos parques tecnológicos estão localizados em regiões de franjas urbanas, com pouca conexão com a cidade como um todo. Que estratégias podem ser adotadas para promover esta conexão, gerando benefícios para os parques e para a cidade?
Com base nas descobertas do meu doutorado, desenvolvi um kit de ferramentas para aconselhar profissionais no desenvolvimento de campi tecnológicos que inclui “modelos para a criação da visão do campus” durante o início do projeto, a partir das características da localização. Aqueles campi localizados fora ou nos limites da cidade são chamados de “Parque Tecnológico: campus como modelo de cidade”. Ao atrair, reter e inspirar trabalhadores do conhecimento, as escolhas estratégicas para este modelo são proporcionar comodidades suficientes no campus e conexões eficazes às funções disponíveis noutros locais. Na prática, os parques tecnológicos são chamados de silos de pesquisa. Na verdade, a oferta de comodidades no campus pode fortalecer esta percepção. No entanto, pode acontecer que as atividades realizadas nestes ambientes construídos exijam isolamento e/ou a necessidade de fornecer as comodidades necessárias no campus. No entanto, isso não significa que sejam ambientes estéreis para a inovação. Na verdade, a concentração de atividades inovadoras em zonas periféricas pode moldar o crescimento das cidades e o desenvolvimento urbano em direção às suas localizações, se o impacto de tais atividades for relevante para as economias da cidade/região anfitriã.
Patrícia Mariuzzo é especialista em divulgação de ciência, gestora de comunicação do Hids Unicamp e pesquisadora associada do Ceuci.