Por Carlos Vogt
Há algum tempo, mais precisamente em 2005, escrevi para a ComCiência um texto – “O alarde dos transgênicos” -, no qual, entre outras coisas, falava do surgimento da biotecnologia e das profundas mudanças no comportamento ético da sociedade civil diante das novas questões que a manipulação genética de seres vivos trazia para o homem, ator e autor inconteste do drama redivivo do eterno Prometeu, como escrevi então.
A sociedade da época estava tão aturdida diante do que se descortinava como possibilidade de manipulação da vida que a própria comunidade dos pesquisadores participantes dos experimentos fundadores decidiu declarar uma moratória científico-tecnológica, promovendo ainda uma campanha de adesão da comunidade internacional, enquanto nos fossem estabelecidas diretrizes e normas seguras para as pesquisas na área.
Como escrevi, a famosa Conferência do Monte Asilomar, nos EUA, em 1975, formalizou essa decisão e promulgou a necessidade de se manterem sob rigorosas condições de proteção e de isolamento todos os experimentos de recombinação genética e os organismos deles resultantes pelo tempo necessário à produção de certezas de que não seriam nocivos à humanidade e ao meio ambiente.
Parece que hoje estamos vivendo uma situação semelhante, agora diante do desenvolvimento acelerado da Inteligência Artificial (IA) e dos riscos e consequências que dela podem advir para a sociedade e a cultura, considerando que o cerne da questão, nesse processo, é o domínio da linguagem pela máquina e a sua imitação criativa pelos robôs dos algoritmos.
A imaginação corre solta e a fantasia se prende às novidades, cada vez mais constantes, velozes e instantâneas: das quimeras, ou plasmídeos quiméricos, novos seres, assim chamados, produzidos pela engenharia genética nos anos 1970, passa-se, agora, para a ameaça das máquinas superinteligentes, independentes e fatais em propósitos difusos de dominação.
Yuval Noah Harari escreveu, recentemente, dois artigos sobre o assunto: um no The New York Times, republicado no Estadão, no dia 28 de março, com o título sugestivo “O domínio da inteligência artificial sobre a linguagem é uma ameaça à civilização; o outro, publicado no The Economist, em 28 de abril, reforça a mesma preocupação com a apropriação da linguagem humana pelas máquinas.
Entre um e outro artigo lançou, através de um abaixo assinado, liderado por ele, o pedido de uma moratória de seis meses nas pesquisas sobre IA.
Faz sentido.
Ao contrário do que escreve Eugenio Bucci no belo e elegíaco texto – “ O Inexorável” – em que repercute o filosofo e historiador israelense (Estadão de 18 de maio), creio que a moratória, como no caso dos transgênicos, cujas pesquisas colaboraram para os fundamentos da Genômica, pode permitir um ajuste de rumos, de preceitos de normas tecno-cientificas e de princípios éticos que ajudem a levar a Inteligência Artificial não para o enfrentamento da substituição da inteligência natural do ser humano, mas para a sua maior compreensão e para a afirmação de sua singularidade na linguagem de comunicação.
Moratória deveria ser decretada também, se possível fosse, na produção de Fake News, produto espúrio do grande desenvolvimento da internet e potencializado pela IA, para dar tempo e reflexão capazes de levar, efetivamente, o congresso a aprovar e o presidente a promulgar a Lei 2630/2020, alinhando o país com os países que já o fizeram e estabelecendo, de modo transparente, os princípios e normas das relações de todos com todos na forma dos direitos e responsabilidades de cada um.