Por Sophia La Banca de Oliveira
A prática cotidiana de atividades físicas reduz mudanças hormonais, metabólicas e musculares decorrentes de noites mal dormidas
Um estudo realizado em todo o Brasil estima que 76% das pessoas têm, no mínimo, uma queixa relacionada à qualidade de seu sono, e 23% reclamam por não dormir o suficiente. Um dos problemas causados pela falta de sono é a resistência à insulina, uma condição que pode ser considerada um estágio inicial do diabetes. Apesar de o mecanismo desse fenômeno ainda não ser bem compreendido pelos cientistas, já são estudadas estratégias para amenizar os danos.
Na pesquisa desenvolvida durante o mestrado no Departamento de Psicobiologia da Unifesp, o educador físico Jorge de Souza instruiu 11 voluntários a praticarem sessões de exercício físico intenso durante duas semanas. Em seguida, eles ficaram por 24 horas sem dormir e fizeram testes de resistência à insulina. Souza observou que a noite insone não teve o mesmo efeito negativo do que quando os mesmos voluntários haviam ficado sem dormir e também sem um programa de atividades físicas. A professora Hanna Karen Antunes – que orientou o projeto – interpretou esses resultados como sendo por um efeito protetor do exercício: “Quando o exercício físico vem depois da privação do sono, ele pode mascarar os efeitos da noite mal dormida. Mas quando existe uma rotina de exercício, há um efeito protetor”.
Souza alerta que isso não significa que as pessoas ativas possam ignorar a qualidade do sono: “O exercício é bom para quem dorme pouco, mas é melhor que você faça exercícios e durma bem” Mas, uma vez que boa parte da população já apresenta dificuldades para dormir, toda ajuda para reduzir as consequências nocivas são bem-vindas: “Incorporar um programa de exercícios é uma intervenção não-farmacológica que cabe na rotina”.
A insônia também pode causar prejuízo muscular. O fisioterapeuta Marcos Mônico-Neto, que realizou o doutorado no Departamento de Psicobiologia da Unifesp, mostrou que ratos privados de sono apresentavam atrofia dos músculos glicolíticos – aqueles envolvidos em movimentos rápidos. “Esse tipo de músculo é mais susceptível à atrofia porque ele consegue degradar proteínas para a produção de energia, e tem um mecanismo de degradação mais sofisticado”. Ele explica que a privação de sono modifica o balanço energético das células, acionando a degradação das proteínas.
Os músculos oxidativos, que estão envolvidos em esforços contínuos como manter a postura, também são afetados, mas de maneira diferente. “No caso desses, não há só a atrofia muscular, mas a degeneração tecidual”, completa Mônico-Neto.
A boa notícia é que as pesquisas mostraram que os ratos que passavam por treinamento físico nos dois meses anteriores à privação de sono não apenas perdiam menos músculos como também apresentavam mudanças hormonais menores dos que os ratos sedentários. Os níveis de testosterona, de fator de crescimento IGF-1 e de um hormônio relacionado ao estresse (a corticosterona), variaram muito menos nos animais ativos do que nos sedentários durante o período de falta de sono.
Mônico-Neto mostrou também que a privação do sono prejudicou a regeneração em músculos cirurgicamente lesionados nos ratos, algo com implicações mais danosas. “Num hospital onde há muito barulho, a luz acessa, o padrão de sono do paciente internado é afetado, principalmente nas UTIs. Isso pode também atrapalhar a recuperação”.
Porém, é preciso ter cautela, já que nem todos os resultados obtidos nos modelos animais são válidos para as pessoas. Um exemplo é o fato de os ratos privados de sono emagrecerem, enquanto os seres humanos tendem a ganhar peso nessa condição. Apesar dessa diferença, as mudanças no metabolismo são semelhantes, e Hanna Antunes destaca que são suficientes para justificar os experimentos realizados. “Nem tudo que fazemos nos animais se traduz perfeitamente para os humanos, mas esses trabalhos ainda são essenciais para entendermos o que está acontecendo”, conclui.
Sophia La Banca de Oliveira é formada em ciências farmacêuticas (UFPR), mestre em bioquímica (USP) e doutora em psicobiologia (Unifesp). É aluna do curso de especialização em jornalismo científico Labjor/Unicamp e bolsista Mídia Ciência (Fapesp).