Por Karina Juliana Francisco e Rafael Revadam
Inspirado em campanhas bem-sucedidas nos Estados Unidos, Bolsonaro desliga a televisão e investe sua comunicação nas redes sociais, dividindo a opinião pública e a imprensa sobre a oficialidade desses pronunciamentos.
O cenário é o Palácio da Alvorada. Uma câmera central focaliza uma mesa com três lugares. Do lado direito, um intérprete de libras. Do esquerdo, um parlamentar do atual Governo Federal – geralmente um ministro. E ao centro, o presidente. O que pode parecer uma estrutura burocrática de um evento é, na verdade, a descrição de uma das centenas de lives que Jair Bolsonaro vem realizando em sua gestão. Inspirado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Bolsonaro trocou o rádio e a televisão pela internet. E qual o impacto na comunicação pública com a saída dos canais oficiais e a entrada das redes sociais?
“Houve uma mudança. Nunca tinha acontecido de ter uma comunicação oficial que não é bem oficial. Porque Bolsonaro não segue os canais oficiais de comunicação que os presidentes em geral seguem. Mesmo no auge da pandemia, ele fez, se não me engano, três pronunciamentos oficiais em televisão e rádio. O resto são sempre entrevistas que ele concede ou publicações em redes sociais, em uma comunicação direta com seus seguidores”, explica a jornalista Mariana Varella.
Varella é pós-graduanda da Faculdade de Saúde Pública da USP e está estudando as lives que Bolsonaro realizou durante a pandemia da covid-19. Para a especialista, a principal questão é que se trata de uma comunicação extremamente limitada:
“Primeiramente porque você reduz a comunicação a quem te segue. Então ele não está se comunicando com a nação, apenas com os seguidores. Ele deixa bem claro isso pelo tipo de discurso que faz, pela linguagem que adota, pelas referências que usa. Cita muitos memes, muitas coisas que circulam nas redes sociais entre os seguidores, então é uma comunicação direcionada para quem está com ele. No entanto, os canais mais oficiais, seja ao dar entrevistas para jornalistas ou participar de programas, ele evita. Faz algumas exceções para aqueles meios de comunicação que são mais a favor do governo”.
Ao mesmo tempo em que quer passar uma imagem de pessoa acessível e próxima da população, ao evitar dar entrevistas ou participar de programas, o presidente deixa claro que quer direcionar a forma de contato com o público.
“Quando não tem o controle, ele joga pro ataque. E coloca em xeque a credibilidade do veículo, do jornalista. Nas lives não corre esse risco. Ele liga a câmera e fala diretamente com o público. Há, inclusive, elementos de imagem que ele controla também, coloca sempre elementos com um ar despretensioso, como se estivesse falando de uma forma que não é exatamente coloquial, porque ele está numa mesa sentado, mas tem uma linguagem muito fora dos protocolos. E ninguém o interrompe, questiona ou coloca um dado que possa desmenti-lo. Ele fala o que ele quer ali, tem total controle dessa estratégia de comunicação”, ressalta a jornalista.
No começo, tudo era post
Para entender um pouco mais da estratégia adotada por Bolsonaro é preciso colocar um contexto internacional de campanhas políticas vitoriosas, como a de Barack Obama – primeiro candidato à presidência a usar redes sociais nas eleições e o primeiro a conceder uma entrevista para a internet antes da televisão – seguido de Donald Trump, o primeiro a alinhar o uso de bots, robôs e algoritmos das redes sociais para alavancar sua candidatura.
No Brasil, as redes sociais ganharam força na conjuntura política a partir de 2013, quando começaram as manifestações contra a então presidente Dilma Rousseff, um panorama intensificado no ano seguinte, quando ela foi eleita. Em 2018 Jair Bolsonaro venceu usando as mesmas estratégias digitais da campanha de Trump.
Fazer uma campanha para as redes e não para o palanque exige adaptações de discurso, é o que detalha Renata Carreon, pós-doutoranda em linguística pela Unicamp. Renata analisa discursos políticos há 14 anos e explica como Bolsonaro se apropriou de um conceito, a estimidade, para ganhar a corrida presidencial e estabelecer uma nova forma de gestão. “Ele aproxima suas postagens do cidadão, constrói uma intimidade por meio de posts, lives, reels. Tudo que ele divulga constrói uma intimidade que, na análise do discurso digital, chamamos de estimidade, que é a exposição da intimidade”.
E nesse meio, Bolsonaro mescla os papéis, como explica Mariana Varella. Afinal, quem está protagonizando as lives: o presidente ou um cidadão chamado Jair? “Antes, a informação oficial era dada nos pronunciamentos da presidência, nas entrevistas, agora não. Será que ele tem o ‘direito’ de se despir dessa persona de presidente e virar um cidadão qualquer que está conversando com as pessoas? Ou as suas lives podem ser consideradas pronunciamentos oficiais? Se é oficial, então ele não pode fazer tudo o que quer, porque não é a página do Bolsonaro, é a página do presidente. Por ser um fenômeno novo ainda não temos as respostas”.
Seria até possível pensar em Bolsonaro como um “influenciador político digital”. “Bolsonaro posta foto se barbeando, passando o café. E por que isso é interessante? Porque faz com que o público se sinta mais do que próximo, se sinta íntimo, e essa relação acaba sendo muito sólida”, destaca Renata.
Saem as falas, entram as fakes
A situação se agrava ao olhar o que é transmitido. No caso de Bolsonaro, a aproximação popular pelo uso massivo das redes sociais vem com conteúdos falsos.
Para Felipe Reis Campos, doutorando em saúde global e sustentabilidade na Faculdade de Saúde Pública da USP, os conteúdos difundidos por Bolsonaro podem ser classificados em 3 categorias:
- Criação de conteúdo falso com intenção de enganar, deliberadamente pensado para manipulação.
- Informação verdadeira, porém, colocada em falso contexto – como ao retomar uma notícia antiga como se fosse atual.
- Desinformação repassada sem a intenção de enganar, quando realmente se acreditou no conteúdo.
A estratégia de Bolsonaro tem sido utilizar esses espectros de desinformação para colocar ideias políticas favoráveis a ele e seu grupo, que nem sempre estão condizentes com o debate público, com pressupostos e princípios que balizam as decisões públicas.
Como observa Campos, “quando grupos querem influenciar os processos decisórios na sociedade eles conseguem operar a desinformação e influenciar a opinião pública nas diversas questões, como ficou claro na pandemia”.
Interrompemos este story para um pronunciamento
O desafio é repensar as formas de monitorar e combater a desinformação crescente nas redes sociais – até porque elas não irão desaparecer. “Eu não vejo as redes sociais só como uma coisa negativa para a comunicação. Temos que nos preocupar com o conteúdo, mas por outro lado vemos pessoas que não tinham voz ou espaço para se comunicar, temos informações circulando e grupos muito interessantes produzindo coisas legais. O outro lado da história é exatamente esse: qualquer um tem acesso a uma rede e pode fazer o que quiser lá”, pondera Mariana.
A jornalista defende uma regulação para que haja responsabilidades pelos conteúdos difundidos, e um processo de construção de lei para o ambiente digital, totalmente democrático, ouvindo a sociedade civil, quem produz, quem consome e, também, olhando para quem patrocina.
“O processo de fazer política está diferente, mais complexo, desequilibrado, porque a informação está mais difusa. Enquanto a resposta não for proporcional, enquanto o jornalismo não conseguir dar respostas tão fortes e tão impactantes como esses grupos conseguem, eu acho que não teremos melhora no debate público”, conclui Campos.
Karina Juliana Francisco é jornalista e mestranda em divulgação científica e cultural pelo Labjor/Unicamp.
Rafael Revadam é jornalista e mestrando em divulgação científica e cultural pelo Labjor/Unicamp.