Por Andre Gobi
A aplicação dos conceitos da indústria 4.0 tentam aumentar a produtividade e diminuir o impacto ambiental
O uso contínuo de fontes energéticas naturais (muitas delas, não-renováveis), aliado ao desconhecimento e negligência em relação aos seus impactos, resultaram em uma situação preocupante. Segundo alerta emitido em dezembro na Assembleia Ambiental das Nações Unidas (UNEA), a degradação ambiental está relacionada a 12,6 milhões de mortes por ano no mundo, sendo a poluição nas águas, no solo e no ar responsável por 9 milhões delas. Dessas, 6,5 milhões são resultados da poluição do ar. E a indústria, claro, tem um papel central nesse cenário.
No entanto, uma das promessas da indústria 4.0 é uma abordagem com linhas de produção inteligentes, reduzindo o uso de energia e minimizando os impactos no ambiente.
A indústria metalúrgica é um grande símbolo da industrialização e também uma voraz poluidora, uma vez que utiliza diversos componentes químicos, com grande quantidade de água e alto consumo de energia. Segundo o diretor do Departamento de Metalurgia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), João Batista Ferreira Neto, a implantação do conceito 4.0 contribuirá para melhorar esses aspectos. “Processos siderúrgicos e metalúrgicos certamente serão impactados em termos de economia de energia, com otimização do emprego de combustíveis e redução de perdas térmicas. Modelos preditivos podem melhorar processos de transferência de calor, combustão e gerenciamento de fontes de combustíveis, incluindo fontes alternativas”, defende Ferreira Neto.
A mesma linha é seguida por Marco Colosio, diretor da regional São Paulo da SAE Brasil (Society of Automotive Engineers), entidade cuja busca por sistemas mais sustentáveis passa por toda a cadeia produtiva de automóveis. “A própria interatividade das etapas fabris vai reduzir desperdícios, de materiais e processo, com significante economia de energia, espaço e recursos naturais. Hoje, o sistema tem um delay entre necessidade, pedido, produção e entrega. Com o sistema 4.0, falando de forma macro, a quantidade de minério colocada em um forno, por exemplo, já estará associada à quantidade de carros sendo produzidos”, explica.
No entanto, se por um lado a informatização de produção trará a economia de determinadas fontes de energia, para a plena aplicação do conceito 4.0 também será necessário um maior consumo de outras, uma vez que robôs e máquinas precisam ser “alimentados. “É um paradoxo, de certa forma, mas contornável pelo aumento contínuo de energia sustentável (eólica, solar, por exemplo). Acredito que a demanda de energia para as conexões será maior, mas o desperdício será menor”, defende Colosio.
Panorama brasileiro e aspecto social
Um dos pilares do conceito de sustentabilidade é a questão social. A Philips, na Holanda, opera com 128 robôs e apenas nove trabalhadores para gerenciar a produção na fábrica de barbeadores elétricos. Essa substituição de mão de obra é tema de muitos debates sobre a indústria 4.0.
Defensores argumentam que postos de trabalho serão perdidos por trabalhadores, mas que, em contrapartida, novos serão abertos. Eles, porém, exigirão profissionais com maior e específica qualificação.
No entanto, em um país como o Brasil, onde o acesso ao ensino superior ainda está longe de contemplar sequer metade da população (segundo dados do IBGE, 7,9% dos brasileiros têm diploma universitário, sendo que 71,4% dos estudantes são brancos), é preciso ponderar sobre como isso será implementado. Operadores de linha de produção, por exemplo, não são necessariamente engenheiros especializados, e sim trabalhadores que, em sua maioria, não frequentaram o ensino superior.
“Em um país onde a educação sempre foi sabotada, com altos índices de evasão escolar de jovens de 16 a 29 anos, o subemprego e, como consequência, a miséria, será um precedente que, no momento, não há como ser medido”, diz Cícero Mangabeira, consultor de recursos humanos com especialização em gestão da qualidade de vida pela Unicamp.
Mangabeira chama a atenção também para o fato de que os empregos estarão mais à disposição de determinados grupos profissionais. “Ficarão mais restritos, esses novos empregos, aos profissionais da tecnologia da informação. E um preocupante número de trabalhadores será jogado à marginalidade. Marginalidade essa que já é evidente e crescente, tornando o colapso ainda maior em um país com número tão alto de analfabetos”, conclui.
“A quarta revolução industrial não é opcional, é uma realidade, já está acontecendo. Costumo comparar com a Lei da Gravidade. Por mais que não gostemos, tudo cai”, reflete Claudio Goldbach, diretor da ABII – Associação Brasileira de Internet Industrial. “Dentro da ABII, temos o grupo de trabalho Pessoas e Educação, e este tema é amplamente discutido. Isso mostra que algumas empresas e instituições de ensino estão atentas”. Infelizmente, ainda são poucas. Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), atualmente apenas 1,6% de 759 empresas consultadas – de grande e médio porte – atuam com tecnologia que se enquadra na indústria 4.0. Além disso, no 1º Congresso Brasileiro da Indústria 4.0, realizado em dezembro de 2017, José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente da Fiesp e diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da instituição, assumiu que o Brasil enfrenta um forte processo de desindustrialização, como é definida a redução da capacidade industrial de um país.
Diante deste cenário, as empresas e instituições que já buscam respostas e caminhos tendem a se sair melhor. “Elas estarão muito à frente daquelas que ficarem esperando a resposta”, alerta o diretor da ABII.
André Gobi é formado em história (Unesp) e aluno da especialização em jornalismo científico Labjor/Unicamp.