Por Carlos Vogt
O “annus mirabilis“, o miraculoso ano de 1905 da vida científica de Albert Einstein é assim chamado por ter dado a conhecer os cinco artigos que revolucionaram a física e estabeleceram os seus fundamentos modernos: “Sobre um ponto de vista heurístico relativo à geração e à transformação da luz”; “Sobre uma nova determinação das dimensões moleculares”; “Sobre o movimento de partículas suspensas em fluídos em repouso”, como postulado pela teoria molecular do calor: “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento”; “A inércia de um corpo depende da sua energia?”, no qual propõe sua famosa equação E=Mc².
Nos anos seguintes, de técnico do Departamento de Patentes de Berna, passando a cientista renomado e reconhecido mundialmente, Einstein publica intensamente, só diminuindo esse ritmo de produção depois de 1921, ano em que conquista o Prêmio Nobel.
Em 1911, com a teoria da relatividade restrita já consagrada, o físico que vinha trabalhando na sua teoria da relatividade geral, na verdade, uma nova “teoria da gravitação”, enuncia, no artigo “Sobre o efeito da gravidade na propagação da luz” que o campo gravitacional deveria provocar a curvatura da luz.
É nesse momento que, nas urdiduras do acaso, o Brasil, mais especificamente Sobral, no Ceará, começa a entrar em cena.
A previsão de Einstein de que a luz sofreria desvios ao passar por um campo gravitacional, dada a pouca intensidade do efeito, só poderia ser verificada, experimentalmente, observando-se a passagem da luz por um corpo de grande massa.
Isso se deu em 1919, durante o eclipse solar, cujas observações registradas em Sobral, no Ceará, foram definitivas para a comprovação da sua teoria.
O próprio Einstein tivera a ideia de fotografar estrelas próximas às bordas do sol – possível apenas numa situação de eclipse total -, fotografar as mesmas estrelas à noite e comparar as fotos para verificar se houve ou não mudanças em sua posição relativa.
Várias foram as tentativas de realização dos experimentos fotográficos, em diferentes partes da geografia terrestre e muitos foram os astrônomos, de origens diversas, que se associaram ao esforço dessa comprovação.
Em 1914, estava previsto para o dia 21 de agosto um eclipse solar, organizando-se, com apoio financeiro da família Krupp, obtido pelo próprio Einstein graças ao seu prestígio como cientista, uma expedição alemã que da Criméia, na Rússia, deveria tentar obter as tão desejadas fotos estelares.
Um fator não climático, mas histórico e político impediu de vez a observação do eclipse: a deflagração da Primeira Guerra Mundial, com a invasão da Sérvia pelo Império Austro-húngaro, em 28 de julho de 1914.
Os integrantes alemães da equipe foram aprisionados, os americanos tiveram de sair do país, deixando para trás os seus instrumentos de observação e de fotografia.
Em 1918, no dia 8 de junho, novo eclipse do sol, dessa vez observado dos EUA, no estado de Washington, sem poder contar com os instrumentos que haviam permanecido retidos na Rússia.
A guerra interferiu novamente no processo de verificação da teoria retardando a observação do efeito de curvatura da luz para a dupla expedição inglesa de 1919, na ilha de Príncipe, possessão portuguesa na costa ocidental da África, e em Sobral, no nordeste brasileiro. Ambas as expedições foram preparadas pelo astrofísico inglês sir Arthur Eddington, que comandou as de Príncipe, que já estivera no Brasil, em Minas Gerais, em 1912, e que adotara, com devota convicção, a teoria da gravitação de Einstein, empenhando-se a fundo na sua demonstração.
As fotos tiradas pelo grupo, do qual também, em Sobral, faziam parte brasileiros, entre eles, Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, foram definidoras e definitivas, já que o tempo na ilha de Príncipe no dia 19 de maio de 1919, não ajudou muito no esforço da equipe que lá se encontrava para a mesma finalidade de observação e fotografias do eclipse solar.
No dia 6 de novembro do mesmo ano, o Joint Eclipse Meeting, ocorrido em Londres, coroava a teoria de Einstein em substituição à teoria da gravitação universal de Isaac Newton, que reinara soberana no mundo da ciência da natureza e de suas leis por mais de dois séculos.
* Este texto é parte do artigo publicado, originalmente, na ComCiência, nº 32, de 10/06/2002, com o título “Ciência e Contingência” e, posteriormente, integrado ao ensaio “O Salto Cântico da Física” in Vogt, Carlos: A Utilidade do Conhecimento. São Paulo, Editora Perspectiva, 2015, p.81 – 106.