Por Lívia Mendes Pereira
Dulce Márcia Cruz é professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e líder do Grupo de Pesquisa Edumídia: Educação, Comunicação e Mídias do CNPq. Trabalhou com educação à distância no mestrado e no doutorado e desenvolve pesquisas na interface entre comunicação, educação e mídias, com foco na criação de jogos. Além disso, atua na formação de docentes para as mídias digitais.
A pesquisadora conversou com a ComCiência e falou sobre a relação entre educação digital, privacidade de dados e seus desdobramentos sociais.
O que é a educação digital? Ela abrange desde a implementação da tecnologia em sala de aula até o aprendizado digital do uso da internet e seus dispositivos no dia a dia?
As redes sociais foram sendo estruturadas e condensadas no poder das big techs. Com o algoritmo e a monetização, todas as nossas informações foram entregues de graça, porque no início eram cadastros mínimos, sem muita coisa. Posteriormente houve a transformação dos dados em mercadoria (datificação). E junto com isso o desenvolvimento de uma tecnologia digital rápida, principalmente na questão do celular, que foi se transformando na mídia de convergência, onde tudo está e tudo acontece. Assim, a digitalização das nossas práticas sociais foi acompanhada por um barateamento dos equipamentos e todas as pessoas começaram a usar, sem muita crítica, e por muito tempo houve uma visão otimista de que a internet resolveria nossa vida.
A verdadeira educação digital abarca a prática pedagógica de olhar com crítica para as mídias digitais e a forma de adotá-las na educação. Esse seria o verdadeiro letramento digital, que não depende de você ser alfabetizado, pois você pode ser analfabeto e estar letrado nas mídias. Educação midiática é entender que as mídias não são apenas ferramentas ou instrumentos, mas também são linguagens.
Qual o papel do jogo eletrônico na mediação pedagógica e o da gameficação como metodologia ativa?
Os jogos têm potencial muito grande de motivação e engajamento, de trazer as crianças, os jovens e até mesmo os adultos para dentro da educação. Então, por que deixá-los de fora? Ao levar o jogo para a escola você valoriza o estudante, é como se dissesse: “ó, essa tua cultura gamer vale, ela é legal na escola também!”. Isso quebra um monte de barreiras e coloca os estudantes como ativos. Como eles conhecem e entendem de jogos, eles podem ajudar o professor, assim muda a postura de quem ensina e de quem aprende. Essa é a ideia da metodologia ativa, transformar os estudantes em atores, e não simplesmente expectadores. Os jogos têm esse poder, esse potencial em engajar, úteis para ensinar uma série de coisas, não apenas conteúdos, mas procedimentos.
Agrega também os conteúdos atitudinais desenvolvidos, ou seja, competição, colaboração, e entendimento das emoções. Por exemplo, o que acontece quando você perde, como reage? Então há desde as questões éticas que você pode discutir com jogos, além dos conteúdos e, também, uma série de procedimentos.
Qual a influência do mundo virtual para crianças e adolescentes? Como os educadores podem garantir a segurança e a privacidade dos alunos em ambientes digitais?
O grande problema ainda hoje é a formação dos professores, porque eles não conhecem as tecnologias, seja por falta de tempo ou, simplesmente, porque acabam deixando a educação midiática de lado. Existe um grupo forte na pedagogia que é contrário a qualquer tipo de tecnologia e, por conta dessa visão de educação, as mídias não estão tendo lugar nas escolas. Mas neste caso os estudantes não têm onde discutir o assunto, porque não vai ser com a família nem entre eles, já que ainda não têm condições de elaborações profundas sobre o tema. Eles usam as mídias, mas não entendem o que estão fazendo.
Eu defendo que é papel da escola a educação midiática, de trazer a realidade digital para a sala de aula. Um exemplo seria questionar os alunos: “quando você se cadastra em um site ou um jogo, que tipo de informação você está dando? Você presta atenção nessas informações?”. É preciso incentivar questionamentos.
Os professores deveriam trazer essas informações todos os dias para a sala de aula. As leis, sozinhas, não dão conta, a população precisa também saber se defender. Por exemplo, o que é um cookie? É um instrumento que os sites possuem para facilitar o acesso às informações dos usuários sem ter que perguntar a ele todas as vezes. Ou seja, uma memória da sua experiência. Então, ao usar o cookie, você está facilitando a sua vida – mas também facilitando a vida da empresa. Porém, você não sabe exatamente o que a empresa vai atualizar sem te avisar. Que tipo de informação ela está usando, o que você está permitindo? A garantia de privacidade e a segurança digital passa por tudo isso e deve ser incluída na sala de aula, com formação de professores.
E sobre a diferença de acesso às mídias digitais em distintas classes sociais? Como ultrapassar essa barreira?
Falar de uma maneira geral é complicado, mas as escolas privadas têm mais recursos financeiros para ter acesso a laboratórios e equipamentos. As realidades são muito diferentes, mas a questão mais complicada é que ter acesso ao que é pago não necessariamente é ter acesso ao que é bom. Por exemplo, nós usamos o moodle na universidade, que é uma ferramenta gratuita e de código aberto.
Se a gente quiser pensar em uma revolução da internet, o caminho é utilizar esses acessos abertos e ensinar as pessoas a utilizarem essas ferramentas. O professor da Universidade Federal da Bahia Nelson Pretto tem um projeto que chama “escola hacker”. Ele defende que educadores e cientistas devam agir como hackers, ou seja, nós somos piratas, contrários ao poder econômico, e vamos usar a nossa própria rede social. A virtualização do cotidiano hoje é uma realidade, e por isso a educação midiática é tão importante.