A
abertura da internet para os provedores de acesso comercial, no início da
década de 1990, gerou novos meios de difusão da informação que revolucionaram o
mercado de notícias. Essas transformações tiveram impacto no mercado de
trabalho do jornalista e sua consequente reformulação, motivada inicialmente
pela crise financeira das agências de notícias no período pós-internet e,
depois, pela própria mudança na linguagem jornalística e sua interface com o
público.
O
modelo de negócios do jornalismo na era pré-internet se baseava na veiculação
de informações capazes de gerar receita financeira por meio da venda de espaço
para publicidade, complementada por assinaturas e vendas avulsas, no caso de
jornais e revistas. Esse modelo se consolidou como a principal estratégia da
maioria das empresas anunciantes para alcançar o público consumidor.
A
migração para as plataformas digitais permitiu o acesso direto dos anunciantes ao
público, tornando a estratégia publicitária mais independente. Isso ocasionou a
gradativa redução na audiência e receita dos setores tradicionais do
jornalismo, impulsionando o surgimento de novas formas de captação de recursos
financeiros e novos modelos de negócios, tais como o jornalismo empreendedor,
as agências sem fins lucrativos e os websites independentes.
Posteriormente,
o desenvolvimento de novas tecnologias móveis com acesso à internet e o seu
interfaceamento com as grandes plataformas digitais (Facebook, Twitter,
Instagram e Google) facilitou o registro e compartilhamento de voz e imagens,
permitindo, assim, a divulgação da notícia em tempo real, muitas vezes com a
participação do próprio público.
O surgimento do cyberjornalismo
Da
ocupação da internet pelo jornalismo surgiu o cyberjornalismo (jornalismo online, webjornalismo ou jornalismo digital), que se estruturou inicialmente
a partir do uso das plataformas digitais como um veículo extra para os textos
originalmente disponibilizados nas edições em papel, adotando, muitas vezes, a
mesma diagramação de texto e utilização de espaço publicitário. Naquele momento,
o acesso à internet pela população ainda era pequeno e as mídias sociais ainda
não existiam; a interação com o público ainda era tímida, em geral com o e-mail
substituindo as cartas em papel e, posteriormente, pelo uso de enquetes para
estimar a opinião do público a respeito de assuntos de destaque. Ou seja, o
padrão de noticiar e a comunicação entre o jornal e o público continuavam
iguais, mudando apenas a plataforma.
Num
segundo momento, começam a surgir os conteúdos produzidos exclusivamente para
mídias digitais e, com o espaço ilimitado, surgem novas possibilidades de
diagramação, tais como a utilização de recursos gráficos interativos e o uso de
links, que facilita referenciar a notícia e disponibilizar as fontes citadas.
Inicia-se, nesse momento, o uso de sugestões de leituras e listas das últimas
notícias, tornando a apresentação do conteúdo mais dinâmica e atualizável em
tempo real.
O
terceiro momento encontra-se em curso, quando a veiculação da notícia migrou
quase totalmente para o ambiente digital. Surgem as grandes plataformas de
mídias sociais (Facebook, Twitter), que passaram a promover a circulação de
notícias das diversas agências, websites, blogs e portais, e levaram a
interação com o público a um outro patamar, por meio da possibilidade de
criação de fóruns, grupos de discussão e, até mesmo, matérias colaborativas. Nesse
contexto o público também passa a contribuir como produtor de conteúdo, surgindo
um caso particular de concorrência com o jornalista profissional. Mas a questão
de maior impacto é o fato das novas plataformas passarem a concentrar a
audiência e receita publicitária, sem necessariamente repassá-las às agências
produtoras de conteúdo, tornando o antigo modelo de negócios obsoleto e levando
o mercado a buscar outras estratégias para captação de recursos.
Surge
também, nesse momento, a necessidade técnica de permitir a disponibilização do
conteúdo nos diferentes dispositivos (computadores, tablets e smartphones),
levando à convergência de mídias, tais como vídeos, imagens e áudio.
Os números da transformação – panorama
mundial
Um
indicador das transformações sofridas pelo mercado de notícias após o
surgimento da internet é a origem das receitas dos jornais impressos. Um
levantamento realizado pela agência World Association of Newspapers and News
Publishers (WAN-IFRA), durante o ano de 2014, revelou que pela primeira vez a
receita decorrente das vendas dos jornais impressos havia superado a receita
proveniente de publicidade.
Origem
da receita
|
Jornais
impressos
|
Jornais
digitais
|
Circulação
|
↑ 0,4%
(U$ 89,9 bilhões)
|
↑45,3%
|
Publicidade
|
↓5,2% (U$ 77,0 bilhões)
|
↑8,3%
|
Fonte:
WAN-IFRA (dados de 2014)
Essas
plataformas, entretanto, ainda constituem uma parcela pequena da arrecadação,
embora em constante crescimento, como mostra a arrecadação total dos últimos
anos.
|
2010
|
2012
|
2014
|
Jornais
digitais
|
US$
165 milhões
|
US$
1 bilhão
|
US$
2,5 bilhão
|
Arrecadação
total gerada pela circulação digital de jornais. Fonte: WAN-IFRA
Audiência e receita nos setores tradicionais
nos Estados Unidos
O
instituto de pesquisas Pew Research Center realiza anualmente um levantamento
sobre a indústria de notícias nos Estados Unidos, com o intuito de mapear a
dinâmica e a diversificação do setor ao longo do tempo. O resultado do
relatório publicado em 2015 revelou que os dispositivos móveis são o meio mais
utilizado para acesso aos sites de notícias, com maior número de acesso do que
os desktops. No entanto, as pessoas tendem a passar mais tempo neste último.
Foi identificada também a ascensão das redes sociais, em especial do Facebook,
como meio de acesso às notícias sobre política e governo, ficando atrás somente
dos noticiários das TVs locais. A pesquisa revelou ainda que apesar da
transformação nos hábitos de acesso às notícias, os veículos tradicionais não
foram totalmente abandonados. De forma geral, a circulação e receita dos
jornais tiveram ambas reduções de 3%, enquanto as TVs locais tiveram um ligeiro
aumento de 3% e 7%, respectivamente, nesses indicadores. Com poucas exceções,
as TVs abertas tiveram bons números tanto para audiência (aumento de 5%) quanto
para receita (% não informado), e as TVs a cabo sofreram queda de 8% na
audiência, mas apresentaram aumento na receita (% não informado). O estudo
mostra ainda um crescimento de 18% na arrecadação de anúncios digitais, considerando
todos os tipos de mídia.
Audiência e receita nos setores tradicionais
no Brasil
Até
o momento, ainda não existem levantamentos sistematizados mais detalhados do
panorama nacional mas, no final de 2015, a Associação Nacional de Jornalismo
(ANJ) concebeu, em parceria com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC) e as empresas ComScore e Ipsos, o projeto da Métrica Única, que
pretende mapear os números da audiência no país.
O
IVC, principal referência no país em auditoria multiplataforma de mídia, disponibiliza
em seu site dados sobre audiência dos veículos nacionais, sendo que o mais
recente foi feito para o ano de 2014. Após auditoria em mais de 70 websites no
ano de 2014, o IVC identificou o crescimento da audiência nesse setor, cujo
acesso via dispositivos móveis representou um terço do total, tendo dobrado no
período no caso dos smartphones. O desempenho no setor de jornais impressos se
manteve estável no período, com crescimento nas assinaturas e edições digitais
e queda nas vendas avulsas. O setor de revistas apresentou recuperação a partir
do segundo semestre, com aumento da circulação impulsionada pelo crescimento
das edições digitais, tendo reflexo nas vendas avulsas e assinaturas. O acesso
predominante se dá via dispositivos móveis, confirmando a tendência geral
observada para outros segmentos.
Novos modelos de negócios: mídias exclusivamente
digitais e modelos de financiamento
A
reformulação trazida pelo crescimento do setor digital impactou os dois lados
da relação trabalhista entre veículos de notícias e jornalistas. Enquanto os
primeiros tiveram que se readaptar e procurar novas formas de captação de
recursos financeiros, os jornalistas sofreram diretamente com a precarização das
condições de trabalho. Desta reformulação surgiram novas formas de atuação e
modelos de negócios inovadores, baseados em sistemas alternativos de obtenção
de financiamento para atender às demandas particulares de cada caso, sendo as
principais descritas a seguir:
Crowdfunding: é um sistema de financiamento
coletivo baseado em doações e recompensas. Alguns exemplos de destaque de
veículos estruturados dentro desse modelo são a Voz
das Comunidades, que
iniciou suas atividades como utilidade pública e posteriormente passou a
receber apoio de empresas famosas e de fundações; e o portal Cientista
que Virou Mãe, a
primeira plataforma brasileira de informação produzida exclusivamente por
mulheres e mães, cujo modelo de negócios se baseia no financiamento coletivo dos
textos.
Filantrópica: sistema baseado somente em doações de
fundações internacionais e usuários simpatizantes. Exemplos desse modelo são a Amazônia
Real, e A
Pública, um canal de
jornalismo investigativo, que contam com apoio financeiro da Fundação Ford.
Assinatura/paywall: esse modelo é baseado na venda de
assinaturas ou consumo, e alguns exemplos são Brio, um canal de jornalismo independente;
Jota, com conteúdo sobre informação
jurídica; e Conexão Pais e Filhos, um canal sobre criação com apego.
Branded content: trata-se da produção de conteúdo
jornalístico patrocinado. Esse é o modelo mais polêmico, pois muitas vezes o
divulgador não informa que o conteúdo é patrocinado, gerando conflitos éticos. Veículos
tradicionais como Estadão e a Folha apostaram nessa estratégia para
viabilizar a criação de cadernos com temáticas especiais, mas adotam a postura
de esclarecer que o conteúdo é patrocinado.
Editais: esse modelo se apoia na captação de
recursos junto às agências de fomento privadas ou governamentais para
realização de projetos de apoio à cultura digital, em geral idealizados por
criadores independentes, grupos ou instituições. O canal A
Pública é um exemplo
que conta com esse tipo de financiamento.
Modelos mistos: muitas agências se utilizam ainda de
sistemas mistos, como forma de diversificar as fontes de recursos financeiros.
É o caso, por exemplo, do portal Aos Fatos, que se ampara em três fontes de
receita prioritárias: crowdfunding, parcerias editorias e doações de fundações
e empresas.
Esse
novo cenário abriu espaço para um jornalismo mais independente e ativista, e
cuja conquista do leitor exige uma postura essencialmente transparente. Tai
Nalon, diretora executiva e cofundadora do portal Aos
Fatos, afirma que há
uma espécie de consenso em alguns setores da sociedade de que as linhas
editoriais dos veículos tradicionais estão contaminadas, e parte do princípio
de que é necessário preencher uma lacuna, fazendo um jornalismo mais preocupado
em como tornar públicos desde o processo de apuração até as planilhas de
orçamento. Um exemplo disso foi a primeira campanha de crowdfunding organizada
pelo portal, na qual eles tiveram o cuidado de esclarecer ao público o motivo
da necessidade dos recursos financeiros e, após a obtenção do financiamento, se
preocuparam em responder a contento, se amparando em procedimentos
jornalísticos rigorosos reafirmados publicamente, e que tiveram por objetivo
abordar criticamente todos os espectros ideológicos. A transparência, nesse
caso, foi fator chave para conquistar a credibilidade do público.
Marina
Dias, coordenadora de comunicação da Agência Pública, pioneira no Brasil em jornalismo
investigativo independente e sem fins lucrativos, também acredita que a
credibilidade é construída com base na qualidade do trabalho apresentado, e que
os repórteres da agência sempre ouvem diversas fontes, publicam documentos e,
sempre que possível, dão ao leitor acesso a todo o material consultado para
produzir a reportagem (como links de documentos públicos etc). A Pública foi
fundada em março de 2011 por três repórteres mulheres, com a missão de produzir
e promover o jornalismo investigativo pautado pelo interesse público, visando
ao fortalecimento do direito à informação, à qualificação do debate democrático
e à promoção dos direitos humanos, e até hoje é referência em jornalismo
investigativo e independente. A agência conta com financiamento de fundações
como a Ford, Open Society e Oak, e possuem um projeto, o Reportagem Pública 2015,
financiado por crowdfunding.
(Esta reportagem contou com a
colaboração de Raul Galhardi no levantamento de dados sobre novos modelos de
negócios)