05/05/2011
Quando o jovem produtor
independente de cinema Chad Troutwine
leu o best-seller Freakonomics,
lançado em 2005 pelo economista Steven Levitt, da Universidade de
Chicago, e pelo jornalista Stephen Dubner, da The New York Times Magazine, pensou: “Isso daria um filme!”. Assim
como já havia feito na produção de Paris,
je t’aime, premiado no festival de Cannes de 2006, quando contou com vários
diretores, como os irmãos Joel e Ethan Coel, o francês Gérard Depardieu e o
brasileiro Walter Salles, decidiu reunir um time de documentaristas para as
filmagens de Freakonomics, the movie.
Convidou, entre outros, Morgan Spurlock, indicado para o Oscar de melhor
documentário de longa-metragem por Super size me (2004), e Alex
Gibney, premiado com a estatueta nessa categoria, em 2007, por Taxi to the dark side. O resultado,
lançado em 2010, é um filme dinâmico, dividido em episódios curtos e longos,
que flerta com as linguagens da publicidade, do jornalismo e da ficção e que
busca manter o estilo atrativo que o jornalista Dubner deu às inusitadas ideias
do economista Levitt.
O filme começa com o próprio
Levitt falando sobre um tema que se tornou central na crise econômica de 2008,
e que se alastrou dos Estados Unidos para todo o mundo: o mercado imobiliário.
Mas sua abordagem não é sobre o estouro da bolha de créditos ou a falta de controle
na cadeia de financiamentos dos grandes bancos. Ele trata dos interesses
envolvidos na relação entre o vendedor de um imóvel e um corretor. Essa
introdução do filme já dá uma ideia da dinâmica da narrativa, ao intercalar,
com muita rapidez, a fala de Levitt – atropelada por irônicas intervenções de
Dubner – animações sobre o que eles estão falando, com o recorte de suas
cabeças e a colagem em um corpo em miniatura e o uso de balões com suas falas
ou pensamentos, recurso muito usado em propagandas de bancos e automóveis,
entre outras peças da publicidade. A introdução também sugere que o economista
por trás dos episódios que virão a seguir não é daqueles que se debruça sobre
temas como juros, câmbio, impostos ou inflação. Qual é a proposta de Levitt, então?
Suas pesquisas na Universidade de
Chicago, sobre temas de interesse nacional – e não exclusivamente do campo
econômico –, têm como eixo norteador a tentativa de desconstruir a “sabedoria
convencional”, termo cunhado pelo economista John Kenneth Galbraith, para se
referir às explicações convenientes e cômodas para o complexo comportamento
econômico e social. Isso significa que Levitt coloca em xeque respostas
relativamente bem aceitas para determinadas questões e constrói uma boa base de
argumentação para justificar as respostas pouco convencionais que encontra em
seus estudos. E faz isso com considerável sucesso e reconhecimento. Ele foi
agraciado, no início da década passada, com o prêmio John Bates Clark,
concedido a economistas norte-americanos de menos de quarenta anos que tenham
dado contribuições notáveis ao seu campo de conhecimento. Levitt também recebeu
(e recusou) a oferta de um cargo na equipe econômica do ex-presidente Bill
Clinton e foi convidado, em 2000,
a prestar consultoria ao então candidato à presidência
George W. Bush na área criminal. Por que um economista seria consultado sobre
questões criminais?
Levitt tem diversos estudos sobre
o tema da criminalidade, pautados em questões que boa parte de seus pares não
considerariam ser pertinentes à economia e poderiam até taxar de excêntricas. E
ele próprio, ao escolher o título de seu livro em parceria com Dubner reconhece
que são: Freakonomics é uma fusão de
palavras que, em livre tradução, significa “economia excêntrica”. O livro
também é dividido em tópicos, dos quais nem todos aparecem no filme, como, por
exemplo, a busca de Levitt por respostas para a seguinte pergunta: “Por que os
traficantes, mesmo ganhando tanto dinheiro, ainda moram com as mães?”. Mas o
tema sobre o qual ele mais se debruçou e o que mais despertou polêmica não
poderia ficar de fora do documentário: Levitt se propõe a investigar por que
após a criminalidade crescer nos Estados Unidos até o início da década de 1990,
ela caiu vertiginosamente. As respostas tradicionalmente aceitas, para ele,
explicam apenas parcialmente essa queda.
Seu estudo se insere no campo da
economia justamente por desconstruir a simples associação do crescimento
econômico e da queda do desemprego à diminuição da criminalidade. Ele menciona
pesquisas segundo as quais a queda de 1% no desemprego corresponderia à queda
de 1% em crimes não-violentos, como assaltos a residências e roubos de carros,
mas contra-argumenta com dados concretos: enquanto o desemprego caiu 2% nos
anos 1990, os crimes não-violentos caíram 40%. E acrescenta: as pesquisas mais
confiáveis não fazem vínculo algum entre a economia e os crimes violentos, como
homicídio, agressão e estupro. Levitt defende a polêmica tese de que a
legalização do aborto nos Estados Unidos, na década de 1970, evitou muitos
nascimentos de crianças indesejadas, as quais, se tivessem nascido, viveriam em
estado de vulnerabilidade e estariam propensas a estar, 20 anos depois, entre
as estatísticas de criminalidade.
Mesmo alegando que essa tese não
é uma defesa do aborto, a excentricidade da explicação pode levar os mais
desavisados a taxá-lo de “picareta”. E não são os mais de quatro milhões de
exemplares vendidos de Freakonomics
que sinalizam o contrário. Tudo o que aparece no livro, com o tratamento jornalístico
dado por Dubner, para tornar a leitura mais atrativa, e no filme, com o toque
pessoal de cada um dos seis diretores, é baseado em estudos publicados em
periódicos acadêmicos especializados, como o Quarterly Journal of Economics, a American
Economic Review, o Journal of Political Economy, o Journal
of Economic Perspectives e o Journal of Public Economics, todos
com sistema de revisão por pares, que podem aceitar ou rejeitar a publicação de
artigos. Alguns desses trabalhos foram feitos em parceria com outros
pesquisadores, como o economista Roland Fryer, da Universidade de Harvard, que
estudou com Levitt diferenças culturais entre brancos e negros e suas
consequências socioeconômicas. Fryer também aparece no documentário em
depoimento bem-humorado intercalado por alternadas e rapidamente concatenadas
falas de pessoas brancas e negras nas ruas.
Outro pesquisador que aparece no
filme é Sendhil Mullainathan, do Departamento de Economia da Universidade de
Harvard. Ao estudar diferenças entre negros e brancos no mercado de trabalho,
Mullainathan concluiu que currículos idênticos com nomes associados a pessoas
brancas têm mais chance de levar o candidato à etapa de entrevista do que
aqueles com nomes associados a pessoas negras. Essa desigualdade entre brancos
e negros no mercado de trabalho também é estudada por economistas no Brasil,
como Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador
do Observatório Afrobrasileiro (leia artigo
dele na ComCiência).
Entre os temas tratados no
documentário, um dos episódios retrata uma questão relativamente universal no
jogo de poder e de acordos entre pais ou professores e crianças e adolescentes,
mas com um viés próprio da cultura norte-americana. É comum, por exemplo, pais
que condicionam prêmios ao cumprimento de obrigações – como o direito a um
chocolate de sobremesa para quem come tudo no almoço, inclusive alface – ou
escolas que concedem algum benefício aos alunos de melhor desempenho. Mas o
filme apresenta uma pesquisa sobre a evolução no desempenho escolar de alunos
para os quais é oferecida uma recompensa de US$ 50 a cada cumprimento de meta
e a chance de concorrer a US$ 500 em um sorteio. Uma ideia típica de Tio Sam.
Outro tema estudado por Levitt e
abordado no filme é o da trapaça, tanto a que fazem professores do ensino médio
para mascarar estatísticas de desempenho das escolas quanto a de lutadores de
sumô para manipular resultados. O episódio sobre sumô, um dos mais longos, parece
ser o único que não tem um ritmo tão frenético, ao estilo Corra, Lola, corra – talvez por
tratar de um tema da cultura oriental. Mas o filme, como um todo, entretém por
sua dinâmica e, independentemente da concordância ou discordância do espectador
em relação às abordagens de Levitt, vale pela singularidade desse olhar sobre a
economia.
Freakonomics – the movie Direção: Alex Gibney, Morgan Spurlock, Rachel
Grady, Heidi Ewing, Eugene Jarecki e Seth Gordon Ano: 2010
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