Você
possivelmente já deve ter ouvido falar de plantas como taioba, serralha, onze
horas e, um dos símbolos da Amazônia, a vitória-régia, certo? Elas podem ser
consideradas o que pesquisadores chamam de plantas alimentícias
não-convencionais, ou melhor, as pancs.
Dentre
os pesquisadores das pancs está o biólogo do Instituto Federal do Amazonas (Ifam),
Valdely Kinnup, que desde a infância as consome e que tem na família uma
tradição na agricultura. Kinnup conta que o pai sempre teve grande conhecimento
da flora local (na região Sudeste) e que, sempre que possível, trazia algum
tipo diferente de planta para comer ou tratar enfermidades.
“Um exemplo
de uma planta que consumo desde criança, é a serralha, bastante comum em
Campinas. Em um evento de agricultura orgânica que participei, preparei uma
salada de serralha e as pessoas adoraram, simplesmente pelo fato de eu picar e
esfregá-la com a mão para tirar o gosto amargo. É bastante comum no Sudeste,
mas quase não é consumida”, explica Kinnup.
Sobre a descoberta de novas espécies de pancs,
o engenheiro agrônomo Harri
Lorenzi afirma que a lista aumenta, pois todos os dias se está fazendo
análises bromatológicas, químicas, nutricionais. "Hoje, essa lista já pode
chegar acima de 900 espécies, que podem ser consideradas comestíveis e aproveitáveis
para consumo humano”, explica.
Livro
de receita não convencional
Do
interesse dos dois pesquisadores surgiu o livro Plantas alimentícias não convencionais no Brasil. O livro traz 1.053
receitas ilustradas e foi escrito em parceria de Kinnup com Harri Lorenzi, que
é diretor do Instituto Plantarum. O instituto Plantarum é um centro de
referência em pesquisa e conservação da flora brasileira, localizado em Nova
Odessa, interior de São Paulo.
“As receitas do livro são criações
nossas. É fruto de um trabalho de etnobotânica econômica de 50, 100 e, até
mesmo, de duzentos anos atrás. As informações nós trouxemos a partir de
literatura, de trabalhos clássicos muito antigos, baseados em registros de
naturalistas que passaram por aqui nos séculos XVII e XVIII”, explica Kinnup.
Como
exemplo de pancs, Kinnup surpreende com os mais variados usos que deu para um
dos símbolos do Brasil, a vitória-régia (ou victoria amazônica). “Usam-se
as flores para fazer geleia, salada e enfeitar pratos. Outro uso dela é o milho
– as sementes que estão dentro de um fruto grande que ela possui, similar ao
milho – porque ele estoura e vira uma pipoca. E, claro, se pode se fazer
pipoca, é possível fazer farinha, mingau e outros produtos a partir dessas
sementes", explica Kinnup.
Tesouro nacional
A biodiversidade brasileira é tema de muitos
estudos e admirada pelo mundo, entretanto, pouco é feito para dar o real valor
ao que oferece. Em seu artigo "Plantas alimentícias não-convencionais
(pancs): uma riqueza negligenciada", Kinnup aborda o potencial alimentício
do país. "Quais são as espécies de frutas e hortaliças nativas produzidas
em larga escala? Quais passaram por pesquisas? Existem programas governamentais
efetivos que incentivem ou, ao menos, não criem empecilhos para o cultivo e
manejo de espécies alimentares nativas? Essas são apenas algumas questões
inquietantes referentes à forma mais básica de uso, a alimentação",
questiona o pesquisador.
A ideia das pancs é trazer a diversificação no
consumo de verduras e legumes, ou seja, deixar de importar produtos caros como
o aspargo, do Chile e da França, ou mesmo legumes não comuns na Amazônia, como
brócolis e couve-flor, que chegam com preços altos ao mercado.
Para o coautor do livro, Harri Lorenzi, nos
últimos 40 anos, o cardápio das pessoas vem se restringindo a um pequeno número
de plantas. "A cada dia, menos plantas são ofertadas no mercado, isso é
péssimo, pois estamos limitando a quantidade de nutrientes que o nosso
organismo pode aproveitar. Uma das razões para escrever o livro foi mostrar que
muitas outras plantas podem ser consumidas sem risco".
Lorenzi ainda complementa dizendo que nem
todas as pancs precisam ser cultivadas. Na verdade, o grande interesse é que
são plantas espontâneas, urbanas. "As pancs não são um novo grupo que se
pensa em cultivar – lógico que algumas podem ser cultivadas – mas o grande
lance de serem úteis, é que já estão disponíveis. O mais importante não é
colhê-las, e sim conhecê-las, para não cometer erros e consumir coisas inadequadas”,
explica Lorenzi.
Resgate do conhecimento tradicional
Desde
de 2011, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), implementa trabalhos de difusão do conhecimento das pancs.
Esse trabalho é realizado na região do Vale do Paraíba, abrangendo 39
municípios paulistas, onde predominam pequenas e médias propriedades agrícolas,
com características de agricultura familiar. Nesses locais são realizadas visitas
técnicas, que possuem como foco o sistema de produção agroecológico. Práticas
ecológicas de manejo do solo como cultivo mínimo, consórcios, adubação verde,
compostagem e plantas companheiras
são repassadas aos participantes.
Parcerias
com universidades, escolas municipais e colégios técnicos são realizadas,
estudantes fazem estágios e vivências na unidade, sendo abordados desde
aspectos botânicos e técnicos de cultivo das hortaliças, produção de substratos
orgânicos e mudas, identificação de pragas e doenças, a preparo de caldas
alternativas e biofertilizantes.
Os
projetos têm o objetivo de promover políticas públicas focadas na pesquisa
participativa agrícola e desenvolver novos modelos de sistemas de produção de
base agroecológica, considerando as especificidades regionais. A intenção é
estimular as famílias rurais a permanecerem no campo, com qualidade e respeito
ao seu conhecimento, com geração de renda e produção diferenciada.
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