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Entrevistas
Frans de Waal
Estudar macacos para entender a natureza humana? Sim, porque somos todos primatas e, por isso, muito mais semelhantes do que diferentes. Essa é a polêmica tese de Frans de Waal, primatólogo da Universidade Emory, Atlanta, Estados Unidos.
Carolina Cantarino
10/09/2006

Os humanos compartilham aproximadamente 98% de seu DNA com os chimpanzés. Por conta dessa identificação genética, aquilo que costumamos descrever como características humanas – cooperação, altruísmo, agressividade, amor, medo, reconciliação, competição – existiria também entre os macacos. Buscar essas aproximações e semelhanças – mais do que as diferenças – tem sido o trabalho de Frans de Waal, primatólogo e autor de uma série de livros – muitos dos quais voltados para o público não-especializado – sobre os “nossos primos mais próximos”: Chimpanzee politics (1982), Peacemaking among primates (1989), Bonobo: the forgotten ape (1997), The ape and the sushi master (2001). Em sua publicação mais recente, Our inner ape (2005), duas espécies de macacos africanos – os violentos e agressivos chimpanzés, que vivem em grupos dominados pelos machos, e os pacíficos e altruístas bonobos, entre os quais as fêmeas detêm o poder, e a resolução de conflitos se faz através do sexo – são os contrapontos utilizados pelo autor para caracterizar a natureza humana.

Baseada na teoria darwiniana da evolução, a abordagem de Waal gera controvérsias, sobretudo entre cientistas preocupados com as conseqüências sociais e políticas que podem advir dessa aproximação entre o comportamento de humanos e macacos. O risco de se atribuir à biologia que compartilhamos com os primatas não só certas emoções e qualidades humanas mas também hierarquias e desigualdades – como as desigualdades entre homens e mulheres – é criar justificativas, ancoradas na ciência, para perpetuá-las, já que seriam vistas como inevitáveis por serem “naturais”. Estaríamos, assim, diante de uma nova versão do determinismo biológico? Frans de Waal foi questionado sobre esse e outros temas, em entrevista concedida à ComCiência.

ComCiência – Em Our inner ape (2005), o senhor propõe uma comparação entre o comportamento dos chimpanzés, dos macacos bonobos e dos seres humanos, para descrever a natureza humana. Além das similaridades, como o senhor pensa a questão das diferenças entre essas espécies? O que seria específico de nós, seres humanos? Qual seria a especificidade da condição humana em relação às outras espécies animais?

Frans de Waal - Entre eles, primatas, e nós, humanos, existem similaridades imensas e poucas diferenças consideráveis. Destas últimas, as principais são a linguagem e a família nuclear. Habilidades lingüísticas estão basicamente ausentes nos macacos. Eles podem aprender alguns princípios da linguagem, como o uso de símbolos, mas nunca conseguem muito mais do que uma criança bem pequena pode fazer. A outra diferença – a família nuclear – está ligada ao fato de que, na nossa espécie, os machos estão envolvidos no cuidado com a família, o que não é o caso entre os macacos. As fêmeas dos primatas costumam cuidar de tudo sozinhas, o que explica, aliás, o por quê delas terem tão poucos filhotes. O intervalo entre o nascimento de um filhote e outro gira em torno de cinco ou seis anos enquanto que os humanos, por causa da assistência masculina, podem ter filhos com mais freqüência.

ComCiência - Como primatólogo, o senhor propõe estudar outras espécies para compreender a nossa. Mas a comparação entre o comportamento humano e o comportamento animal – para falar sobre o que seria a natureza humana – não resultaria numa naturalização ou mesmo “animalização” do ser humano? Por outro lado, não existe o risco de se projetar qualidades humanas sobre os animais, através de uma “culturalização” dos primatas, por exemplo?

Frans de Waal - Essas duas formas de abordagem apresentam riscos, mas é preciso lembrar que a maioria dos estudos sobre o comportamento humano nunca sequer consideraram o nosso background primata. Isso tem levado a uma grosseira superestimação da singularidade humana, como é possível notar em alguns textos de sociólogos ou psicólogos. Sendo assim, o meu esforço tem sido no sentido de oferecer um contraponto. E o meu objetivo não é fazer com que o comportamento humano pareça puramente biológico, porque eu acredito que todos os primatas – e não apenas os humanos – são bastante influenciados pelo aprendizado e pelo ambiente. Nós estudamos, inclusive, a cultura dos primatas, em busca daqueles comportamentos que foram aprendidos. Descobrimos que os macacos são seres muito culturais. Sendo assim, as semelhanças entre humanos e primatas estão postas não apenas na biologia mas também no modo como o aprendizado afeta o comportamento.

Recentemente, por exemplo, nós ensinamos a uma fêmea de um grupo de chimpanzés, um jeito de abrir uma caixa. A mesma caixa poderia ser aberta de outro modo. Ensinamos, então, a uma outra fêmea, de um grupo diferente, esse segundo jeito de abrir. Depois disso, introduzimos as fêmeas e as caixas nos seus respectivos grupos e vimos que todos os chimpanzés do primeiro grupo adotaram o primeiro método, e todos os macacos do segundo grupo adotaram o outro método. Tínhamos criado, assim, duas diferentes “culturas” sobre como abrir uma determinada caixa. Isso demonstra como os primatas são afetados pelo ambiente. Nós fizemos o mesmo com crianças e obtivemos os mesmos resultados.

ComCiência - A relação entre natureza e cultura (nature and nurture), historicamente tem gerado controvérsias entre biólogos e cientistas sociais. As tentativas de se integrar as diferentes abordagens dessas duas áreas do
conhecimento – como a sociobiologia de Edward O . Wilson – muitas vezes são acusadas de resultarem num determinismo biológico. Na sua opinião, seria possível ir além da dicotomia natureza/cultura e pensar, de fato, numa perspectiva integrada?

Frans de Waal - Tudo o que a natureza faz é oferecer sugestões e direções sobre como se comportar. As sociedades humanas caracterizam-se por uma incrível diversidade, o que significa que, sim, a biologia deve ser levada a sério, mas a imagem de nós, seres humanos, como escravos de nossos genes, é errada.

Sem a biologia não existiriam seres humanos. Nossos cérebros, corações, pulmões, hormônios, enfim, tudo isso provêm da biologia, e, sendo assim, não se pode escapar do fato de que nossa biologia é, em parte, biologicamente determinada. Nas ciências sociais, essa percepção está se tornando mais comum, e existe um interesse crescente pela teoria da evolução. Mas eu acredito que a integração entre uma perspectiva baseada na cultura e no aprendizado e uma perspectiva oriunda da biologia ainda é uma necessidade.

ComCiência - Recentemente, declarações do reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, sobre as diferenças biológicas entre os sexos (que, segundo ele, seria um dos fatores que explicaria a reduzida presença feminina em algumas áreas da ciência) despertou uma série de polêmicas na academia e na imprensa, inclusive sobre o uso da biologia para justificar a existência de desigualdades sociais. O debate sobre as conseqüências políticas da idéia da influência da biologia sobre o comportamento humano, mais uma vez, foi retomado. Qual a sua opinião sobre as possíveis implicações políticas da ciência do comportamento (behavioral science)?

Frans de Waal - É claro que existem grandes diferenças de gênero ancoradas na biologia, química cerebral, hormônios e etc. Mas nós não sabemos se essas diferenças afetam a capacidade intelectual e nem como elas afetam. Não está claro se os homens são inerentemente melhores do que as mulheres para certas profissões e, se esse for o caso, ainda assim existirão excelentes mulheres que poderão desempenhar essas profissões.

Entre outros primatas, também, machos e fêmeas são bastante diferentes. Muitas das diferenças entre os gêneros que nós observamos entre os humanos são também reconhecíveis entre os primatas. Por exemplo, eu tenho afirmado que as fêmeas dos chimpanzés são melhores do que os machos para evitar conflitos e manter a paz no grupo. Mas, por outro lado, elas não são tão boas quanto os machos em retomar e reparar relações depois da ocorrência de uma grande briga. Ou seja, a resolução de conflitos, o “fazer as pazes” com o inimigo não é o forte das fêmeas e estudos com crianças têm indicado o mesmo para meninos e meninas: elas tendem a guardar ressentimentos por mais tempo do que eles. Essas são diferenças interessantes que, provavelmente, fazem parte de nossa biologia.