10/06/2011
Se o Sistema Nacional de
Ciência, Tecnologia e Inovação fosse uma grande família composta por
ministérios, agências e universidades, as fundações estaduais de amparo à pesquisa
(FAPs) seriam as filhas caçulas. Isso porque a maior parte das 25 FAPs hoje
existentes foram criadas nos últimos 10 anos com a missão de fomentar a
CT&I nos estados. Apesar da história recente, sua importância é grande: as
FAPs contribuem para a descentralização de recursos e atendimento a demandas
regionais, além de atrair investimentos para os estados. Essas fundações se
reúnem no Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa
(Confap), atualmente presidido pelo engenheiro Mario Neto Borges, também
presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(Fapemig). Entre as bandeiras defendidas pelo Confap estão um sistema nacional
de CT&I integrado e articulado, a adequação do arcabouço legal, a
popularização da ciência e a busca de mais recursos para a área. Nesta
entrevista, Borges indica como isso pode ser feito.
ComCiência - Em
abril deste ano, foi anunciada a criação de mais uma fundação estadual de amparo
à pesquisa (FAP): a FAPT, no Tocantins. Com ela, já são 25 FAPs destinadas ao
fomento à ciência, tecnologia e inovação. Qual a importância dessas fundações e
como elas se encaixam no sistema brasileiro de CT&I?
Mario Neto Borges - As
FAPs realizam, dentro dos estados, um papel complementar ao das agências
nacionais da área de CT&I. Elas complementam recursos, reforçam programas e
definem prioridades, de acordo com as características e as demandas regionais.
De forma sintética, podemos dizer que as FAPs desempenham dentro de cada estado
o papel da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Ou seja, atuam no fomento a todas
as atividades relacionadas à ciência, tecnologia e inovação.
Ao realizar tais
investimentos, as FAPs contribuem para a diminuição da dependência tecnológica,
para o fortalecimento da economia e para a melhoria da qualidade de vida da
população.
ComCiência -
Historicamente, essas fundações ainda são recentes. O que elas já conseguiram e
o que ainda podem fazer pela ciência no Brasil?
Borges - As primeiras FAPs que surgiram foram a Fapesp,
de São Paulo (1962), a Fapergs, do Rio Grande do Sul (1964), a Faperj, do Rio
de Janeiro (1980), e a Fapemig, de Minas Gerais (1986). Por algum tempo, só
tínhamos essas fundações. Nos últimos 15 anos isso começou a mudar e novas FAPs
foram surgindo. O conjunto que temos hoje é importante não só para os estados,
mas para o Brasil como um todo. Em 2009, quando fizemos a última apuração,
registramos R$1,6 bilhão de recursos executados pelas FAPs e dez mil bolsas
concedidas somente para a pós-graduação – nesse número não entram bolsas de
iniciação científica ou de outras modalidades. São números muito expressivos. O
que as FAPs ainda podem fazer? Eu diria que até milagres. Se todos os estados
tiverem sua FAP e todos cumprirem o repasse do 1% do seu orçamento para
investimentos em CT&I, nós teremos uma revolução neste país. Acredito que
estamos marchando para isso. Os governos devem usar as FAPs como instrumentos
para atrair mais recursos para o estado. O Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT), por exemplo, já falou reiteradas vezes que apoia prioritariamente os
estados que possuem lei de inovação e que colocam recursos como contrapartida.
Por isso essas fundações devem ser fortalecidas.
ComCiência - As
FAPs complementam o trabalho, mas também atuam como parceiras das agências
federais de fomento. Quais os principais frutos desse trabalho conjunto?
Borges - As parcerias têm resultado em benefício mútuo
para as agências federais e estaduais. Um exemplo marcante são os institutos nacionais
de ciência e tecnologia (INCTs). Esse é o maior programa nacional de
investimento em ciência e abrange um leque muito amplo, que compreende desde a
pesquisa básica até a chegada do produto à prateleira, passando pela divulgação
dos resultados e por parcerias internacionais. O programa só foi possível – e o
próprio CNPq, coordenador do trabalho, tem dito isso à exaustão – com o apoio
das FAPs. Dos R$ 600 milhões investidos, R$ 254 milhões são das fundações
estaduais. Nessa associação, não é só o recurso que importa, mas também
observar as demandas e as discussões específicas de cada região. No Amazonas,
por exemplo, a malária é um problema grave, então a Fapeam vai incentivar
pesquisas nesse campo. A ciência precisa ter esse olhar diferenciado e as FAPs
ajudam muito nisso.
ComCiência - Ao
longo dos anos, algumas dessas fundações enfrentaram problemas relacionados,
por exemplo, à falta de recursos ou descontinuidade no repasse. No geral, esse
ainda é o principal desafio enfrentado?
Borges - Esse é um dos grandes desafios, mas acho que, hoje, o maior problema das
FAPs é a questão legal. No caso dos recursos, poucos estados cumprem o repasse
do orçamento. As honrosas exceções estão no Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e
Rio de Janeiro. E isso é muito ruim porque limita a capacidade dessas agências.
Além de não conseguir manter ou ampliar seus programas, elas não conseguem
inserção nos projetos nacionais. É uma batalha que ainda precisa ser vencida.
Nesse sentido, temos trabalhado na tentativa de sensibilizar os governadores e
mostrar que se o recurso integral é alocado, fica mais fácil atrair verbas
federais, internacionais e de empresas.
ComCiência -
Por que a questão legal é tão grave?
Borges - Hoje, a questão legal é o maior problema no
nível federal e também dos estados. Ele tem que ser visto sob alguns ângulos.
Primeiro, temos a questão da própria legislação vigente. É uma parafernália de
leis, normas, decretos e instruções normativas que dificultam, inclusive, saber
o que deve ser aplicado. Sem falar que muitas vezes elas são conflitantes. Por
exemplo, a Lei de Inovação, mais recente, tem conflitos com a Lei 8.666,
conhecida como a Lei de Licitações. A segunda questão é o foco. A legislação
atual não olha a ciência como sendo uma atividade diferenciada do poder público
e a trata como se fosse obra pública. Não pode ser assim. Outro problema é que
cada estado tem sua própria regulamentação. Temos a legislação no âmbito
federal e, quando chegamos aos estados, ainda precisamos lidar com mais normas
e decretos. Você fica amarrado. Finalmente, é muito importante discutir a
questão dos órgãos de controle. Eles têm um papel importante a cumprir e, como
cidadãos, queremos que eles façam esse acompanhamento e fiscalização. Mas que
façam isso com a legislação certa e da forma certa. Os funcionários dos órgãos
de controle não conhecem o funcionamento da ciência e recebem um treinamento
baseado na legislação da qual falamos, que tem foco errado e é ultrapassada.
Essa legislação é de meados do século XX, mas estamos no século XXI e olhando
para o século XXII.
ComCiência -
Qual é a proposta do Confap?
Borges - Nossa proposta é muito objetiva: criar uma
legislação específica para a CT&I. Defendemos a criação de uma lei, um
estatuto ou um conjunto de normas em nível de legislação federal que seja
específico para a área. Isso deve orientar quem trabalha com ciência,
tecnologia e inovação e também aqueles que irão fiscalizar as atividades. Para
isso, montamos um grupo de trabalho com procuradores e assessores jurídicos das
FAPs para estudar o tema e fazer uma proposta a ser encaminhada ao Congresso
Nacional.
ComCiência -
Além do arcabouço legal, o Confap também busca incentivar a divulgação
científica no país. Por que isso é importante?
Borges - Porque você só existe se você
aparece. O fortalecimento da CT&I passa pelo entendimento da sociedade
sobre a importância da área e pelo reconhecimento da ciência no seu dia-a-dia.
Ciência, tecnologia e inovação devem ser temas tão importantes quanto cultura,
educação, economia ou política. O desafio é fazer com que a sociedade valorize
a ciência da mesma forma que os membros da comunidade científica o fazem. Isso
não é tarefa fácil, mas estamos aprendendo. Hoje, todas as FAPs possuem algum
tipo de produto de comunicação destinado justamente a despertar o interesse das
chamadas pessoas leigas para a CT&I. Também existem editais específicos
para a popularização da ciência nos estados e, mais recentemente, firmamos uma
parceria com o MCT para financiar atividades em museus de ciência. É preciso
que toda sociedade tenha acesso ao patrimônio científico e tecnológico, de
forma que as pessoas possam compreender esses valores, deles usufruir e, dessa
forma, ajudar a preservá-los.
ComCiência - O
Brasil destina, hoje, cerca de 1,2% do PIB ao financiamento à ciência,
tecnologia e inovação. Para a ciência brasileira se destacar é preciso investir
mais?
Borges - O montante de 1,2% do
PIB já pode ser considerado um avanço significativo. Especialmente a partir dos
últimos dez anos, com a criação dos Fundos Setoriais, esse investimento foi
crescendo até chegar ao 1,2%. Para nossa realidade, é um volume de recursos que
não causa constrangimento. Mas é muito pequeno se comparado aos países que se
destacam na área de CT&I como Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. Estes
investem algo em torno de 3% do PIB na área, mais que o dobro do que nós
alocamos. Mas 1,2% é suficiente porque somente agora começamos a fazer a
subvenção econômica, que é o uso do recurso público no setor empresarial ou o
compartilhamento de riscos. Foi isso que esses países fizeram e ainda hoje
fazem. Temos que chegar a pelo menos 2% do PIB até o final desta década ou não
conseguiremos fazer essa subvenção de forma adequada. O que aplicamos hoje é
suficiente apenas para a academia. Se o investimento não crescer, surgirá o
conflito sobre onde investir: na academia ou na indústria? Isso não pode
acontecer, temos que investir nos dois. Existe um tripé formado por ciência,
tecnologia e inovação. Historicamente, investimos mais em ciência, o que gerava
uma distorção. Agora, estamos tentando equilibrar com apoio maior à tecnologia
e à inovação. Mas se investirmos apenas nesse último teremos uma distorção
invertida. O equilíbrio tem que ser atingido e mantido. Para isso, precisamos
chegar aos 2% até 2020. E, depois, crescer mais ainda.
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