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Reportagem
Indústria química promete investir em inovação e aderir à onda verde
Por Carolina Ramos
10/07/2011

A indústria química quer se reinventar e reverter uma imagem mais associada aos riscos de seus produtos do que aos benefícios que eles representam para a sociedade. No imaginário social, poucos se lembram que as tintas que colorem as casas, os tubos de PVC usado nas construções ou as inúmeras aplicações do plástico em brinquedos, automóveis e eletroeletrônicos são resultantes de um processo que começa na indústria química de base. Suspeitas – e até mesmo comprovações – dos perigos da indústria química à saúde humana e ao meio ambiente já não são mais novidade há muito tempo. Pelo menos desde a década de 1960, com o início da preocupação relacionada à poluição industrial e aos acidentes nas fábricas, o sinal vermelho é aceso frequentemente para esse setor industrial. Um dos avisos mais recentes parte do relatório divulgado em junho deste ano pelo Departamento de Saúde dos Estados Unidos, listando a substância formaldeído, entre pelo menos outras oito, como causadora de câncer. O formaldeído, base do formol, é usado em produtos para alisamento de cabelos, esmaltes para unhas e perfumes, entre outros.

No Brasil, os cosméticos, assim como outros produtos – a exemplo dos defensivos agrícolas, químicos de uso industrial, petroquímicos e farmacêuticos –, formam o corpo dessa indústria gigante que, apesar de atualmente deficitária, é a quarta em importância na formação do PIB industrial brasileiro, segundo dados de 2008 da Pesquisa Anual Industrial do IBGE. Estima-se que, em 2010, esse setor industrial brasileiro tenha faturado US$ 130,2 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), o que lhe garante a oitava posição no ranking das dez maiores do mundo, em termos de faturamento.

Um estudo encomendado pela Abiquim, o Pacto Nacional da Indústria Química, quer elevar ainda mais a posição do setor industrial brasileiro nesse ranking, colocando-o entre os cindo maiores do mundo. Esse objetivo seria alcançado como resultado do intento estratégico de tornar o Brasil superavitário em produtos químicos e líder em química verde. Para tanto, esse estudo prevê um conjunto de compromissos da indústria química com inovação, desenvolvimento econômico e social do país e com o estabelecimento de condições favoráveis para o potencial investimento de US$ 167 bilhões até 2020. “Para se ter uma ideia da magnitude desse desafio, números da Abiquim e do BNDES indicam investimentos confirmados em valor médio anual de US$ 4,1 bilhão no período 2010-2013, soma que dobra a média histórica da indústria”, diz o estudo “Desempenho recente da balança comercial e os limites ao crescimento da indústria química”, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), disponível no site da organização.

São somas altas, justificadas pelo alto desempenho dessa indústria, responsável por prover vários dos produtos utilizados não apenas em setores produtivos, mas também na vida cotidiana. É impossível desassociar o uso de seus produtos à funcionalidade do dia a dia, principalmente em centros urbanos, onde, aliás, está concentrada a maior parte da população brasileira. Desde a sala ao banheiro de uma casa, passando pela área de serviço, em cima de móveis ou dentro de armários, estão os produtos químicos ou aqueles que derivam dessa indústria e que facilitam o modo de vida da sociedade contemporânea. Embalagens alimentícias, produtos de limpeza e shampoos são alguns dos que fazem parte de uma lista quase infindável.

“A química está presente no nosso dia a dia em praticamente tudo o que fazemos e participa dos avanços realizados nos mais diferentes campos científicos, tecnológicos e industriais. Ela contribui para a busca de novas soluções para o cotidiano e para inovações sustentáveis”, opina Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretora de economia e estatística da Abiquim.

Embora a indústria química tenha trazido avanços inegáveis, sem os quais a sociedade atual não seria a mesma, esse mesmo progresso implica em riscos à saúde e ao meio ambiente. “Infelizmente, ainda grande parte das pessoas associa a indústria química aos riscos, já que muitos processos envolvem produtos inflamáveis e/ou explosivos”, diz Wagner Aparecido Contrera Lopes, gerente de fiscalização do Conselho Regional de Química – 4ª Região, cuja jurisdição abrange o estado de São Paulo, onde está a maior parte das empresas e dos profissionais da indústria química brasileira.

Tem fundamento a preocupação sobre os danos causados pelos produtos químicos por parte de diferentes representantes da sociedade, desde consumidores a ativistas ambientais e, inclusive, representantes de governos e de alguns empresários do setor industrial químico. Um exemplo é o desconhecimento sobre as substâncias químicas. De acordo com informações disponíveis no site da Organização Pan-Americana de Saúde, que atua como escritório regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas e integra os sistemas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU), existem atualmente cerca de dez milhões de substâncias químicas, das quais cerca de 100 mil são de uso difundido. Dessas últimas, apenas algumas centenas foram avaliadas plenamente quanto aos seus riscos para a saúde e ao meio ambiente.

Nesse cenário, a busca por uma atuação mais responsável por parte da indústria química, em termos de saúde, segurança, meio ambiente, qualidade e responsabilidade social, é objeto de um programa da Abiquim, como explica Fátima Ferreira, diretora da entidade. Adotado pela Abiquim em 1992, o programa Atuação Responsável foi inspirado no programa internacional Responsible Care, criado no Canadá pela Canadian Chemical Producers Association. De acordo com informações disponíveis no site da Abiquim, o Responsible Care fornece mecanismos que permitem o desenvolvimento de sistemas e metodologias para cada etapa da gestão da saúde, da segurança e do meio ambiente das empresas químicas e das cadeias produtivas ligadas a ela.

Até 1998, as empresas associadas à Abiquim participavam voluntariamente do programa Atuação Responsável. A partir daquele ano, a adesão passou a ser condição de filiação à entidade, que atualmente tem 133 indústrias associadas. Entre os 12 princípios diretivos mencionados pela diretora da Abiquim e que estabelecem a base ética do programa está o gerenciamento dos riscos inerentes às atividades e produtos da empresa, a partir da adoção das melhores práticas disponíveis a fim de eliminar acidentes e controlar os aspectos que possam impactar negativamente a sociedade e o meio ambiente. As empresas filiadas à Abiquim devem enviar anualmente os resultados dos seus indicadores de desempenho, medidos por uma avaliação realizada pela própria organização. Para auxiliar as empresas químicas associadas na auditoria de seus sistemas de gestão, a Abiquim faz uma verificação que é aplicada por 15 organismos de avaliação de conformidade – ou certificadores –, através de profissionais de empresas associadas e representantes de comunidades vizinhas às empresas químicas verificadas, todos treinados nos procedimentos do sistema. Em 2010, foram feitas 25 verificações em 18 empresas.

Pesquisa e inovação

Entre os compromissos estabelecidos pelo Pacto Nacional das Indústrias Químicas está o desenvolvimento de tecnologias, inovação de produtos e soluções avançadas. Como diz o estudo, a recuperação do déficit comercial do setor – de US$ 9,3 bilhões entre janeiro e maio deste ano, valor 28,4% superior ao do mesmo período de 2010 – requer uma estratégia agressiva de solução de debilidades aliada ao desenvolvimento de mercados hoje pouco familiares à indústria brasileira. “Não é por acaso que, em muitos países, as políticas de desenvolvimento e de apoio à exportação se tornem redutos para a promoção da inovação”, aponta o estudo.

Um dos benefícios do alcance desse objetivo seria, ainda de acordo com o estudo, a criação e desenvolvimento de tecnologia, com cultura de inovação e pesquisa. Para concretizá-lo, está previsto o investimento de US$ 32 bilhões em pesquisa, desenvolvimento e inovação, o equivalente a cerca de 1,5% do faturamento líquido previsto para 2020. Parte desse investimento será executado em cooperação com instituições educacionais e de ciência e tecnologia.

Para Fátima Ferreira, diretora da Abiquim, a indústria química está colocada hoje frente aos grandes desafios da sustentabilidade, das matérias-primas renováveis e dos produtos e processos inovadores. “As empresas químicas são fortemente baseadas em conhecimento e tecnologia, mas as oportunidades e desafios são muitos mais amplos do que qualquer empresa pode enfrentar de modo isolado”, comenta. É por essa razão, de acordo com ela, que as empresas estão buscando cada vez mais colaborações, seja com outras empresas ou com instituições de ensino e pesquisa. “Os investimentos dependem de cada empresa, das suas áreas de negócios e das suas trajetórias, mas é possível dizer que todas estão cada vez mais conscientes do tema inovação e possuem algumas preocupações comuns, a exemplo da busca por sustentabilidade e fontes renováveis”.

Brasil discute segurança química

Nosso país ainda não possui uma política nacional com metas destinadas ao aperfeiçoamento da gestão de substâncias químicas. Mas aspectos da formulação dessa política já são discutidos no âmbito da Comissão Nacional de Segurança Química (Conasq), coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e integrada por instituições públicas, privadas, representantes da sociedade civil – entre elas, a própria Abiquim – e de universidades.

Uma das finalidades dessa comissão é discutir e debater temas relacionados à segurança química com vistas à formulação de programa nacional para essa área. Nesse campo, as pesquisas realizadas pelo setor acadêmico têm papel crucial nessa discussão. A Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Brasília (UnB) participam da Conasq levando informações sobre as pesquisas relacionadas ao assunto, contribuição que é qualificada por Sérgia Oliveira, diretora do Departamento de Qualidade Ambiental na Indústria do MMA, como fundamental para alimentar políticas futuras e envolver a área acadêmica na sua articulação.

O Programa Nacional de Segurança Química tem dez linhas prioritárias de ação, entre as quais estão mecanismos de controle e fiscalização na gestão de substâncias químicas e a implementação de pelo menos duas convenções internacionais: a de Roterdã, que regula o comércio internacional de produtos químicos perigosos; e a de Estocolmo, sobre poluentes orgânicos persistentes. Esta última tem o objetivo de eliminar globalmente a produção e o uso de algumas substâncias tóxicas produzidas pelo homem.

Ainda na busca pela minimização dos riscos das substâncias químicas, o Brasil aderiu à política internacional para a promoção da boa gestão dos produtos químicos. É o Strategic Approach to International Chemicals Management (em português, Abordagem Estratégia para a Gestão Internacional de Produtos Químicos), cuja meta é, até 2020, assegurar que os produtos químicos sejam produzidos e utilizados de forma que diminuam significativamente impactos adversos sobre o meio ambiente e a saúde humana.

Política internacional

Se o Brasil ainda busca traçar sua política relacionada às substâncias químicas, iniciativas de outros países nesse campo já existem há algum tempo, como é o caso do Reach, a legislação sobre substâncias químicas da União Europeia aprovada em 2006. A sigla significa Register (registro), Evaluation (avaliação), Authorization (autorização) e Chemicals (substâncias químicas). Trata-se de um regulamento aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da Comunidade Europeia para o controle de produtos químicos. Essa política foi elaborada a partir de princípios que consideram, por exemplo, a responsabilidade da indústria na geração e na disseminação da informação. Ela deve demonstrar que seus produtos e sua utilização são seguros antes de colocá-los no mercado e também assegurar que o consumidor tem o direito de conhecer as características e os efeitos dos produtos que adquire.

O Reach entrou em vigor em junho de 2007 e as substâncias químicas exportadas para a União Europeia ficaram, desde então, sujeitas a essa legislação. Em princípio, todas as substâncias químicas fabricadas nos países europeus ou importadas por eles em quantidades acima de uma tonelada estão sujeitas ao registro, devendo a indústria responsável pela fabricação ou importação fornecer dados sobre seus produtos aos clientes. Assim, substâncias consideradas de grande preocupação em relação aos seus efeitos para a saúde humana e o meio ambiente deverão ter seus usos autorizados para continuarem a serem comercializadas. Entre elas, estão as substâncias carcinogênicas (que provocam câncer), mutagênicas (que podem causar mutação nas células do organismo) ou que causem danos ao aparelho reprodutor.

Esse tema dos impactos à saúde humana e ao meio ambiente é tratado no capítulo 19 da Agenda 21, um programa de ações para o desenvolvimento sustentável neste século, adotado durante a Conferência Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992, a Eco-92. O texto incorpora propostas de ações que promovam a segurança química, conceituada no site da Organização Pan-Americana de Saúde como “a prevenção dos efeitos adversos, para o ser humano e o meio ambiente, decorrentes da produção, armazenagem, transporte, manuseio, uso e descarte de produtos químicos”. Quase duas décadas depois, o Brasil, que postula a liderança mundial no uso de energia renovável, não pode perder a oportunidade de regulamentar a segurança química no país, e a indústria brasileira do setor tem a chance de conferir se a prometida adesão à química verde não é mesmo o negócio do futuro.