10/07/2011
O
filósofo e matemático Paul Strathern, utilizando uma linguagem simples, nos conduz,
em O sonho de Mendeleiev, por uma fantástica viagem pelo mundo das
ideias, observações e experimentos. Ele começa pelos filósofos gregos, passa
por alquimistas da Antiguidade, por teorias surgidas no Renascimento, até chegar
à visão mecanicista de grandes cientistas que conseguem formular os princípios
da ciência, chegando até a química moderna.
Dos
antigos gregos surgiu a noção do átomo, da matéria ser constituída por pequenos
elementos que, combinados, formavam as diferentes substâncias. O filósofo
Aristóteles formula a teoria da matéria ser constituída por quatro elementos: o
ar, a água, a terra e o fogo. Esses elementos teriam uma ordem: a terra no
centro, acima a água, depois o ar, e mais acima o fogo. Como o Sol e as
estrelas não se encaixavam nessa teoria, ele supôs a existência de um quinto
elemento o “éter”, como algo etéreo ou celestial. Devido à autoridade e ao brilhantismo
do pensamento de Aristóteles, a teoria dos átomos foi abandonada e a Terra foi
considerada o centro do universo. Foram necessários vários séculos para a
humanidade abandonar essas ideias.
Em
Alexandria, cidade construída às margens do Nilo por volta de 300 a.C., o pensamento grego sobre
os cinco elementos encontrou a antiga khemeia – origem da palavra
química –, atividade ligada à arte da preparação dos mortos para o
sepultamento. Os praticantes da khemeia eram vistos como “magos” e, de
certa forma, seus conhecimentos foram usados na produção de vidros e na arte
metalúrgica. Na ocasião, já conheciam sete metais, entre eles o ouro e a prata.
Associaram os sete metais aos sete planetas, criando um código místico. Os
alquimistas tentavam produzir um “exilir” para prolongar a vida, e
principalmente, a transformação de “metais inferiores” em ouro.
Com
a queda do Império Romano e o avanço intelectual e territorial dos árabes e da
tradição de se produzir “exilires”, inicia-se a abordagem química da medicina.
O melhor exemplo desse período é Avicena, médico, filósofo e alquimista que por
volta do ano 1000 d.C. publicou uma ampla lista de substâncias químicas que
poderiam ser usadas para tratar doenças. Passados cerca de 500 anos, surge na
Europa um outro “médico” que se notabiliza pelo uso de produtos químicos para
tratamentos: Paracelso. Ele considerava que a química seria o cerne da prática
médica. Produziu vários novos compostos, como sais de zinco e cobre, e iniciou
a prática de tratar sífilis com mercúrio.
Apesar
dos avanços, a humanidade continuava fiel ao pensamento de Aristóteles. Porém,
na época do Renascimento, ocorre a publicação dos estudos de Nicolau Copérnico
a respeito das órbitas dos astros. Nicolau de Gusa também mostrou que uma
árvore crescia alimentada pelo ar, e este tinha um peso, contrariando a teoria
de Aristóteles. Entretanto, o grande avanço na forma de fazer ciência foram as
experiências e estudos de Galileu, que combinou a matemática à física,
historicamente separadas. Somente a partir daí os eventos passaram a ser avaliados
por medições. Foi uma revolução no pensamento. Copérnico, por exemplo, usou
apenas a matemática nos seus estudos. Galileu aperfeiçoou o telescópio e o
utilizou para observar sombras da Lua e de Marte, comprovando a teoria de
Copérnico.
A
ciência evoluíra como um todo, mas na química ainda prevalecia o raciocínio dos
alquimistas. Uma questão interessante foram as pesquisas sobre os “ares e
vapores”. Foram chamados de “caos” – estado caótico –, origem do nome “gás”.
Desses estudos, surge a lei de Boyle, pela qual “o volume do gás seria
inversamente proporcional à pressão”. Boyle publicou em 1661 a obra O químico
cético, a qual, rejeitando a teoria de Aristóteles, marca o início da
química como ciência.
Um
pouco depois disso, Newton publicou sua obra revolucionária sobre a gravidade,
os Principia, que, pelo rigor físico e
matemático, estabeleceu um novo padrão para as ciências. Apesar de todos esses
avanços, o fogo ainda não estava devidamente explicado, surgindo teorias como a
do “flogístico”, segundo a qual toda substância inflamável continha um
inexplicável composto chamado de “flogístico”. Nesse aspecto, a ciência de
então era similar às teorias não científicas da alquimia antiga.
A
questão do fogo só foi resolvida por Lavoisier, considerado o grande cientista
de sua época. Lavoisier adotou uma abordagem moderna, sintetizada pela sua “fé
na balança”, na época o melhor instrumento de medição. Ele fez, então, o
seguinte experimento: colocou uma vela queimando em um cilindro emborcado em
água. Percebeu que enquanto a vela queimava, o nível da água subia no cilindro,
até a vela se apagar. Isso foi suficiente para entender e dar nome ao oxigênio
(gerador de ácido), e explicar o aparecimento do “ar fixo” (que depois
receberia o nome de dióxido de carbono). Lavoisier publicou então o Tratado
elementar da química e, posteriormente, a lei da conservação da massa.
É
interessante o enfoque dado por Paul Strathern quanto a Boyle e Lavoisier. Ele
apresenta o comentário, aceito por muitos estudiosos, da química ter se
separado da alquimia a partir do livro O químico
cético de Boyle. Entretanto, a obra e a metodologia de Lavoisier, recebem
dele um maior destaque. Isso é algo coerente com a importância para a química e
física do princípio da conservação da massa e do entendimento do processo de
combustão. Para alguns autores, a química surge como ciência apenas a partir de
Lavoisier.
O
grande passo seguinte, em direção à química moderna, seria dado por John Dalton
que, trabalhando com uma mistura de gases, observou que a pressão total seria a
soma da pressão que cada gás exerceria no mesmo recipiente. Uma década antes,
Proust observara que todas as substâncias resultavam da combinação de elementos
em proporções definidas e simples. Dalton, em 1803, considerou que a explicação
da sua teoria dos gases e a de Proust seria a existência dos átomos. Essa ideia
logo foi aceita pela comunidade científica. Dalton, então, comparou e tabelou a
massa dos elementos a partir do mais leve, o hidrogênio.
Um
outro grande passo foi dado por Berzelius, com seus estudos de eletroquímica,
em que determinou uma escala de eletronegatividade, sendo o oxigênio o elemento mais negativo e os metais, os
mais positivos. De certa forma, essa escala permitia prever as reações
químicas. Berzelius também propôs a atual nomenclatura para expressar as
reações. Para a química, essa mudança foi tão relevante quanto foi para a
matemática a troca dos numerais romanos pelos arábicos.
Neste
ponto da evolução da química retratado no livro de Paul Strathern, é
interessante observar que apesar de Berzelius ter contribuído
significativamente para o desenvolvimento da química, também foi ele o
responsável por propor a teoria da “força vital”, pela qual os compostos
orgânicos só seriam produzidos por seres vivos. De certa forma, essa teoria era
um retrocesso na evolução da química, similar à ideia do ”flogístico”. Mas Strathern
faz uma defesa de Berzelius, traçando um paralelo com a teoria atômica de
Dalton que, quando proposta, explicava muitos fenômenos, porém era apenas uma
teoria, só comprovada por Einstein, 200 anos depois.
A
química já havia avançado muito, os cientistas já tinham descoberto diversos
elementos, sabia-se que grupos de elementos tinham comportamento semelhante.
Sabia-se também o peso relativo desses elementos, a tendência de reagirem.
Faltava consolidar, de maneira simples, todo esse conhecimento. Isso ocorreu
com a proposta da tabela periódica por Mendeleiev em 1890. A teoria desenvolvida
para a tabela permitiu a Mendeleiev prever que seriam descobertos novos
elementos químicos e a propriedade desses elementos. A química tinha, enfim, se
consolidado como ciência.
No
desenvolvimento da química, houve muitos outros fatos importantes que não
aparecem em O sonho de Mendeleiev, como
o surgimento da química orgânica, quando Friedrich Wohler conseguiu produzir pela
primeira vez em laboratório um composto orgânico, pondo fim à teoria da “força
vital”, iniciando a pesquisa e a produção de uma quantidade incalculável de substâncias.
Entretanto, ressalta-se que Strathern, sem a pretensão de esgotar o assunto, nos
possibilita um contato agradável com as principais ideias da química.
O
sonho de Mendeleiev – a verdadeira história da química Autor:
Paul Strathern Editora:
Jorge Zahar Ano:
2002 Nº
de páginas: 268
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