Existem três riscos associados ao uso de energia nuclear: físicos, econômicos e estratégicos.
Como riscos físicos, consideram-se aqueles que resultam da produção e uso de grandes quantidades de radioatividade, o que é inerente ao uso de energia nuclear. Eles incluem a produção de combustível nuclear (urânio enriquecido), seu uso nos reatores nucleares, onde podem ocorrer acidentes que liberem radioatividade no meio ambiente (como ocorreu em Chernobyl), e na armazenagem dos resíduos altamente radioativos.
Como riscos econômicos, tem-se a questão dos custos da energia nuclear, e como riscos estratégicos, estão a questão da possibilidade de usar produtos usados no ciclo nuclear (urânio enriquecido) ou produtos formados pelo funcionamento dos reatores nucleares (plutônio), para produzir armas nucleares.
Outras formas de energia também têm riscos, mas não na escala da energia nuclear; barragens de usinas hidroelétricas já ruíram no passado, inundando vastas áreas e provocando mortes, mas esses foram acidentes localizados. Usinas termoelétricas que utilizam gás já foram paralisadas devido a problemas políticos relacionados com o fornecimentos de gás (como já ocorreu na Ucrânia, quando a Rússia cortou o fornecimento de gás), mas eram mais relacionados com o preço do gás do que com problemas estratégicos.
Com energia nuclear, todos esses problemas e os riscos associados adquiriram uma seriedade muito maior. Os Estados Unidos se envolveram numa dispendiosa guerra com o Iraque devido a suspeitas de que esse país estivesse desenvolvendo armas nucleares. A situação com o Irã e a Coréia do Norte também não é tranqüilizadora a este respeito.
Vejamos então quais são esses riscos:
Riscos físicos – a grande maioria dos reatores nucleares em operação no mundo (cerca de 400) usa “urânio enriquecido”, que é feito do urânio que se encontra na natureza e que passa por um processo especial que aumenta a fração dos átomos que são apropriados (U235) para a reação nuclear que resulta na produção de energia. Na natureza, a percentagem de U235 é de 0,3%, mas reatores nucleares usam em geral “urânio enriquecido” a 3%. Sucede que o “enriquecimento” de 80% (ou mais) torna o urânio capaz de explodir numa explosão nuclear. Nos reatores nucleares e nas explosões nucleares é produzida uma imensa quantidade de radioatividade. Os danos que explosões nucleares podem causar foram evidentes em Hiroshima e Nagasaki, e os danos que resultam de espalhar a radioatividade produzida nos reatores nucleares é evidente em Chernobyl. Essa radioatividade dura milhares de anos. O problema é, portanto, o de impedir que ela escape dos reatores nucleares em funcionamento e o de armazenar os resíduos radioativos (o “lixo nuclear”). Não se conseguiu até hoje fazer um reservatório adequado para guardar esse “lixo” que seja definitivo, apesar de já existirem 70 mil toneladas guardadas em depósitos provisórios no próprio local onde se encontram os reatores nucleares.
Riscos econômicos – as preocupações com a segurança dos reatores nucleares têm conseqüências que aumentam muito seu custo. Reatores nucleares são caros e, mesmo sem as preocupações geradas pelos riscos físicos, a eletricidade produzida por eles tem dificuldades em competir com a eletricidade gerada de outras fontes como carvão, gás e hidroeletricidade. Os riscos nucleares discutidos acima agravam esse problema, pelas seguintes razões:
1. sistemas de segurança de reatores são mais sofisticados do que os sistemas de geração não-nuclear, o que torna a eletricidade produzida mais cara;
2. interromper o funcionamento dos reatores é mais freqüente do que em usinas não-nulceares, justamente devido à preocupação com riscos nucleares;
3. atrasos na construção de reatores são freqüentes – o que aumenta muito o seu custo de capital, devido aos juros – devido à oposição de grupos antinucleares.
Riscos estratégicos – adquiriram enorme importância, devido aos esforços de vários países de produzir armas nucleares, agravando os problemas de proliferação nuclear. Como se sabe, o Tratado de Não Proliferação Nuclear adotado em 1967 tinha como objetivo “congelar” a posse de armas nucleares às 5 potências nucleares da época: Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, França e China. Na prática, o que se viu é que a Índia, o Paquistão e Israel adquiriram também armas nucleares, criando sérios problemas no cenário internacional. Além disso, o Iraque tentou produzir armas nucleares, uma das causas das guerras do Oriente Médio, bem como África do Sul, Líbia, Irã e Coréia do Norte. Até o Brasil e a Argentina desenvolveram atividades nessa direção durante o período militar, só desistindo delas através de um acordo firmado em 1992, que criou uma área desnuclearizada na América Latina e uma agência brasileira–argentina para fiscalizar sua observância (ABACC – Agência Brasil-Argentina de Contabilidade e Controle).
Nos últimos anos, o governo Bush, dos Estados Unidos decidiu reativar a construção de novos reatores nucleares no mundo através de uma “renascença nuclear”. A agressiva atuação das empresas produtoras de equipamentos nucleares – alimentada por subsídios do governo americano – levou mais de 30 países em desenvolvimento a se interessar por reatores nucleares, negligenciando, em muitos casos, opções mais atraentes do ponto de vista econômico, como a geração de energia elétrica com usinas hidroelétricas. Com isso, aumentou muito o perigo de uma nova onda de proliferação nuclear, dada a natureza dual da energia nuclear, que se presta tanto para aplicações pacíficas como militares, sem falar dos problemas físicos de segurança nuclear que podem ser sérios em alguns países do Terceiro Mundo.
José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.
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