Em 2001, o economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O’Neil, cunhou o termo BRIC, representando as iniciais dos quatro países considerados como economias emergentes, e enfatizou que essas nações deveriam ser levadas em consideração pelas nações desenvolvidas. Na época, Brasil, Rússia, Índia e China representavam apenas 8% do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Em 2006, o número saltaria para 12% e, neste ano, dados do governo brasileiro estimam que os BRICs representarão 56% do crescimento do PIB mundial. Do grupo, a China se tornou uma espécie de carro-chefe das novas economias, além de um lastro que promete abalar o centro de gravidade do poder mundial.
Mesmo com o crescimento chinês galopante, alguns pesquisadores são céticos em relação à China atingir o status de império. É o caso do professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, Hung Ho-Fung. Autor do artigo “O braço direito dos Estados Unidos? O dilema da República Popular da China na crise global”, publicado na revista New LeftReview, em 2009, Ho-Fung sustenta que a nação está mais para parceiro dos Estados Unidos do que para concorrente. Para ele, qualquer especulação em relação à China é precipitada. “Um indicador do não deslocamento do centro de gravidade da economia global é que a China, apesar de seu crescente PIB, ainda está confiando em títulos do Tesouro norte-americano como reserva de valor de sua riqueza e nos dólares como a moeda de liquidação. É um apoio crucial para o status hegemônico do dólar dos EUA, apesar de todo o problema da economia deles”, enfatiza. A exportação chinesa, explica, ainda constitui grande parte de sua economia e os EUA e Europa são os dois maiores mercados para seus produtos, o que indica, claramente, sua dependência do Ocidente tanto quanto (se não mais) o Ocidente é dependente da China.
Ho-Fung explica que a voracidade chinesa por matérias-primas faz com haja um crescimento dos parceiros do que ele chama de “sul global”. Porém, este é prejudicial uma vez que o crescimento impulsionado pela exportação de recursos naturais não é sustentável e gera desequilíbrio entre os países. Segundo o sociólogo, somente uma reorientação da economia chinesa para o consumo doméstico poderia realmente alterar o cenário mundial. “Dados recentes mostram que a economia chinesa está esfriando consideravelmente. Agora o debate é se ela terá um pouso difícil ou suave, mas, nos dois casos, não estará mais voando. Assim, o chamado ‘modelo chinês’, se é que existe tal coisa, vai ser algo do passado”, disse.
Plano de modernização: inovação nos negócios
O modelo chinês, citado por Ho-Fung, se baseia na política das “Quatro modernizações”, reforma adotada pelo país em 1978 e que buscava a base para um salto de crescimento. Seguindo os planos de Pequim, a China iniciou a abertura da economia, buscou mão de obra para as cidades na população rural, criou áreas de captação de capital e tecnologia estrangeiras e facilitou a instalação de empresas transnacionais em seu território. E não se pode dizer que o plano tenha falhado: para se ter uma ideia, a Foxconn, fabricante de componentes eletrônicos e de computador de alcance global (fundada em Taiwan), instalou sua maior planta na China, em 1988. Atualmente, a Foxconn mantém contratos de produção com nove grandes empresas norte-americanas, dentre elas gigantes como Apple, Dell, Intel e Microsoft.
Além disso, some-se a isso um ambicioso plano de enviar estudantes para diversos centros de pesquisa mundiais a fim de obter know-how. Segundo dados do Ministério da Educação da China, entre 1973 e 2003, mais de 700 mil chineses estudaram em 108 países diferentes. No período, cerca de 172 mil retornaram ao país e 527.400 ainda não haviam retornado, sendo que mais de 355 mil ainda estão estudando e pesquisando em instituições de ensino superior estrangeiras. O próprio ministério classificou o número como “sem precedentes” na história chinesa. Para fins comparativos, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão brasileiro que mantém atualmente 4.951 brasileiros estudando fora do país (em todos os níveis educacionais) e o Programa Ciências sem Fronteiras, principal plataforma brasileira de estudos no exterior, pretende enviar 75 mil estudantes de graduação para fora do país até 2014 (leia matéria sobre a produção de C&T na China).
A novíssima China no mundo
Mas qual o real resultado das “Quatro modernizações” iniciadas na década de 1970? Para Paulo Fagundes Visentini, professor de relações internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), elas são responsáveis por dar base a modelos de negócios inovadores. “Tem que ver que são três modelos que existem lá: um é a pirataria, uma versão genérica voltada para um mercado – uma vez que 2 a 3 bilhões de pessoas no mundo não tem renda para comprar produtos originais. Tem as transnacionais, que estão na China e que querem produtos mais baratos e, por isso, são corresponsáveis. Por fim, há uma inovação que eles estão começando a fazer e um exemplo aconteceu na área da internet: houve protestos nos EUA dizendo que eles não aceitariam a censura da internet. O que a China fez? Disse: nós temos um contrato. Se você não quiser, outro irá pegar este contrato. E, se não quiser, nós já temos dinheiro e pessoal para fazer por nossa própria conta”, destaca Visentini.
Para o docente, a capacidade de fazer parcerias é a grande inovação chinesa. “Eu diria que há uma capacidade grande da parte deles de inovação, mas eles fazem parcerias. Se querem um chinelo por um dólar eles fazem. Se o mercado quer um sapato italiano bom que tem um custo de 400 dólares eles vão atrás, contratam gente para fazer toda a cadeia. Tanto que milhares brasileiros, por exemplo, trabalham lá”, afirma.
Paulo Visentini classificou o atual estágio chinês como sendo uma “novíssima China”. Com isso, ele atualiza o termo “nova China”, criado com a ascensão ao poder do estadista Mao Zedong (também conhecido como Mao Tse-tung),em 1949. Para o professor, o país conseguiu atingir um novo estágio ao executar um plano que comunga economia com política. “A China fez o trabalho de casa e garantiu o mínimo de unidade interna. Claro que existe uma oposição interna dentro do partido, há alguns protestos e o ritmo do crescimento cria algumas tensões sociais, só que eles organizaram um projeto e conseguem ter uma aliança interna em torno deste. Mesmo pessoas que não gostam do Partido Comunista aceitam que, sem esse governo, a China não teria esse grau de economia e grau de eficiência”, declara.
Já Luís Antonio Paulino, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Marília, e diretor do Instituto Confúcio (órgão ligado ao governo chinês de divulgação cultural e linguística), defende que a balança econômica está mudando de eixo. Para ele, isso acontece principalmente por causa das relações econômicas que os BRICs estabeleceram entre si e as crises no mundo desenvolvido. “Hoje os BRICS deixaram de ser apenas uma sigla e representam, no mínimo, um grupo de interesse que reúne as principais economias em desenvolvimento no mundo que buscam um papel na governança global condizente com sua importância política e econômica”, pontua.
Para a balança do poder mundial realmente pender para o lado dos BRICs para que se tornem players mundiais, Paulino acredita será preciso desenvolver a questão de defesa militar. “Todo país, na medida em que se desenvolve, procura reforçar sua capacidade de defesa, mesmo porque como o progresso e o desenvolvimento podem provocar deslocamentos de interesses que podem levar a conflitos. Já na Roma antiga se dizia: si vis pacem, para bellum (se deseja a paz, prepara-te para a guerra)”, resumiu.
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