A Caatinga ocupa uma área em torno de 900.000 km 2 e é o único bioma exclusivamente brasileiro. Isto significa que grande parte do patrimônio biológico dessa região não é encontrada em outro lugar do mundo além do Brasil. Estende-se pelos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia e norte de Minas Gerais.
Esse bioma tem como traço principal as secas, que podem ser caracterizadas tanto pela ausência, escassez, pouca frequência e limitada quantidade de chuva durante o período do inverno quanto por sua má distribuição. Não é rara a sucessão de anos de seca. A precipitação média anual varia de 500 a 1.000 mm, com grandes extensões abaixo de 700 mm. As características do meio ambiente condicionam fortemente a população regional a sobreviver principalmente de atividades econômicas ligadas à agricultura e à pecuária, as quais se baseiam na busca do melhor aproveitamento das condições naturais desfavoráveis, apoiadas em base técnica frágil, utilizando na maior parte dos casos tecnologias tradicionais.
Com o acúmulo de conhecimento ao longo dos anos, a vegetação nativa passou a ser modificada, com o estímulo às plantas consideradas úteis e a retirada das nocivas, até chegar ao cultivo de plantas selecionadas. Este processo foi responsável pelo enorme crescimento da produção de alimentos que tem sustentado a crescente massa populacional do globo. Entretanto, no caso específico da Caatinga, essa atitude induziu processos que degradaram este ecossistema com perdas de solo (pela erosão) e da biodiversidade da fauna e da flora (pelo extrativismo predatório), o que tem reduzido a produção agrícola e pastoril a níveis incompatíveis com a geração sustentável de renda.
Em alguns sítios ecológicos em que predominam as forrageiras anuais do estrato herbáceo, por apresentarem um crescimento rápido, é comum, durante o período chuvoso, observar excesso de forragem. Entretanto, na maior parte do sertão, a vegetação da Caatinga caracteriza-se pela predominância de um estrato arbustivo-arbóreo composto por plantas de baixo potencial forrageiro, com baixa capacidade de suporte, resultando em um baixo rendimento animal. Apesar disto, constitui-se no suporte forrageiro básico da maioria das propriedades que se dedicam à pecuária nessa região.
Considerando-se apenas a época chuvosa do ano, a capacidade de suporte da Caatinga fica em torno de 4 - 5 ha/UA/ano. Com uma capacidade de suporte desta magnitude e uma estrutura fundiária na qual mais de 90% dos estabelecimentos têm área inferior a 100 ha, a alternativa para os sistemas pecuários do semiárido seria a busca de ganhos de produtividade no fator terra. Isto só seria possível com um manejo racional da Caatinga, utilizando-a apenas em período de 2 a 4 meses. Para o restante do ano, o sistema de produção poderia ser complementado com pastos cultivados, gramíneas e leguminosas, usadas em pastejo e na forma de forragem conservada e com uso de concentrados.
Nas áreas onde é possível fazer a agricultura, os restos de cultura poderiam dar um complemento importante ao sistema, assim como o cultivo de espécies adaptadas à região. Nesse sentido, a palma forrageira apresenta-se como recurso alimentar alternativo de grande importância.
A palma forrageira é uma planta de metabolismo de ácido das crassuláceas (CAM), caracterizado pelo mecanismo invertido de abertura e fechamento de estômatos (abrem durante a noite, para captar dióxido de carbono). Assim, este vegetal evita maiores perdas por evapotranspiração durante o dia. Além disso, apresenta extraordinária capacidade de recuperação ao estresse hídrico, decorrente de um sistema radicular superficial e ramificado que lhe possibilita eficiente aproveitamento das chuvas de menor intensidade, caracterizando-se como uma planta de eficiente utilização de água.
Deve-se ressaltar que a palma forrageira apresenta, se bem manejada, altas produções por unidade de área e baixo teor de matéria seca, o que pode ser favorável para a região, uma vez que dependendo da quantidade de palma forrageira na dieta, a necessidade de ingestão de água pode ser suprida. Além disso, em termos de valores energéticos, é um alimento superior à maioria das forrageiras tradicionalmente utilizadas.
Nos últimos meses, o semiárido brasileiro vem passando por uma grande seca com consequências econômicas e sociais mais graves e imprevisíveis que as anteriores. Em função de um longo período sem seca e de outras oportunidades de mercado que surgiram, como por exemplo a instalação de indústrias de laticínios (Dairy Partners Americas Manufacturing Brasil Ltda – DPA; Leite Brasil – LBR; Brasil Foods – BRF), houve um aumento do efetivo de bovinos, caprinos e ovinos e do número de fazendas que se dedicam à atividade pecuária, a maioria de agricultura familiar.
É justamente da conjugação do meio ambiente adverso com a atividade econômica, basicamente dependente da natureza, que emerge a extrema vulnerabilidade desse sistema produtivo, sujeito a virtuais colapsos nas ocasiões climáticas desfavoráveis à produção. Daí, em parte, deriva a fragilidade da economia regional.
Mesmo antes deste episódio já existiam incertezas a respeito da continuidade do crescimento da atividade na região, notadamente devido a fatores socioeconômicos, tecnológicos e restrições ambientais. Acrescenta-se que o baixo nível de escolaridade dos produtores, a sucessão familiar comprometida, a baixa produtividade dos fatores de produção (terra, trabalho e capital), o baixo acesso à crédito e pouco conhecimento sobre tecnologias de produção e gestão, representam importantes restrições socioeconômicas que contribuem para o agravamento das consequências da seca atual. Nessas condições, o custo unitário de produção é elevado e pouco competitivo.
Para os sistemas de produção que se encontram nessas condições há forte necessidade de adoção de tecnologia, pois o cenário é de falta de gestão apropriada, manejo do rebanho de modo inadequado e baixa qualidade e quantidade do alimento disponível. De um modo geral a assistência técnica de qualidade inexiste.
Marcelo de Andrade Ferreira
é engenheiro agrônomo, doutor em zootecnia e professor do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
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