07/05/2015
De um lado, a mãe visivelmente exaurida da sua atribuição reduzida às tarefas domésticas de cuidar do filho, da casa e do marido. De outro, o pai extasiado com sua ascensão profissional rápida – tão extasiado que sequer tem tempo de perceber as crises existenciais da parceira, afinal, mulheres querem é “chamar a atenção” enquanto homens estão na rua “ganhando a vida”.
Foi a essa conclusão que chegou o pai, Ted Kramer, interpretado por Dustin Hoffman, depois de encontrar a esposa, Joanna Kramer (representada por Meryl Streep), com as malas prontas para deixá-lo. “Já podemos parar com isso?”, e tenta resolver a briga com afagos. Inútil. Joanna está tão decidida a pôr fim ao casamento de oito anos que não leva com ela nem filho, nem mala – sai de casa apenas com sua alma, ou à procura dela.
E é aí que Ted Kramer se depara com uma realidade de paternidade ainda não vivenciada – nem por ele, nem pela sociedade norte-americana do início da década de 1970: a necessidade de o homem, divorciado, lidar não apenas com as tarefas do lar, mas também com os caprichos do filho de seis anos de idade, sem perder o carinho e a paciência. Logo no primeiro dia da saga, ele se dá conta de que a multiplicidade de tarefas talvez o faça perder o fôlego no trabalho: “Não quero pensar que você está preocupado com um garoto”, critica um dos diretores de arte da agência na qual Kramer havia acabado de ficar responsável pela conta publicitária mais disputada.
As mulheres, desde os anos de 1970, vêm tentando se acostumar às pressões e às antipatias da chefia (com cada vez mais cadeiras femininas) de ter suas funcionárias divididas entre as tarefas profissionais e domésticas, mas Kramer se considera forte, “sobrevivente”. E é esse mesmo adjetivo que é atribuído a outro personagem – interpretado no cinema 31 anos mais tarde – do filme Freshman father (2010), ou Amor de um pai, produzido para uma TV americana a partir de uma história real.
No dramalhão – como classificou a crítica de TV Linda Stasi na coluna que assinava no New York Post –, John Patton (Drew Seeley) e a namorada, Kathy (Brittney Irvin), rei e rainha do baile de formatura do ensino médio –, descobrem que terão um filho momentos antes da ida do garoto para Harvard, onde ele havia conseguido uma bolsa integral para estudar administração. Kathy, com 17 anos de idade, iria para o Estado de Lowa estudar música, mas abandona os estudos e se aloja com o namorado na moradia estudantil da universidade. Patton, como previa a diretora de Harvard, teve dificuldades em se dedicar ao curso – além da carga horária escolar, trabalhava no caixa de uma livraria –, e obtém nota D em Cálculo, o que ameaça a manutenção de sua bolsa. A situação piora quando o bebê nasce: a namorada, muito jovem, não se sente preparada para a maternidade e volta para a sua cidade, deixando o bebê aos cuidados dele.
Diferentemente de Kramer vs. Kramer, o drama pessoal da namorada torna-se irrelevante perante o heroísmo do pai em cuidar do bebezinho – mas não sem a ajuda de uma cartomante, Dorothy Downs (Annie Potts), que aluga a ele um quarto mais barato e cuida do filho em dias de prova –, ao mesmo tempo em que segura as pressões da universidade. Depois de quatro anos, John Patton se gradua com honra ao mérito – algo similar à realidade de milhares de jovens mães que enfrentam a mesma situação em universidades do mundo todo, não?
Em Kramer vs. Kramer, que é uma adaptação feita pelo diretor Robert Benton do romance homônimo de Avery Corman, escrito em 1977, a abordagem do drama do pai divorciado às voltas com seu filho não se encerra no seu heroísmo em dar conta de um papel que, historicamente, não pertence a homens. E o questionamento gira em torno, justamente, da definição de papéis exclusivos e absolutos dados a ambos.
Quando, no drama, Joanna volta para rever o filho, depois de fazer terapia na Califórnia e conseguir um emprego bem-sucedido como profissional de artes – a mesma do ex-marido, diga-se de passagem, só que com remuneração maior –, o casal vai à justiça disputar a guarda de Billy (Justin Henry), que já se acostumara aos cuidados do pai em 18 meses sem a presença da mãe.
Qual o papel da mãe? Pode trabalhar? Pode ir em busca de seu papel profissional? E o papel do pai? É possível cuidar dos filhos, com atenção e paciência, ao mesmo tempo em que se dedica ao trabalho? Quem é mais importante no cuidado da criança? Essas e outras questões permeiam a trama de maneira tão ou mais atual hoje do que há 35 anos.
Para não cair em mais spoilers, vale apenas a dica: o final surpreende e dá pistas da complexidade do tema. Não é à toa que o filme, indicado a nove Oscar, inclusive para ator coadjuvante do mirim Justin Henry, levou cinco: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor ator e melhor atriz coadjuvante, além de outras premiações importantes no cinema.
Um divisor de águas, como classifica a pesquisadora Ana Maria Orlandina Tancredi Carvalho, no artigo “Pais na creche: a arte do diálogo entre educadores e família”: “Por que considera-se este filme como um divisor de águas? Porque, pela primeira vez, o cinema propõe um novo modelo paterno, aquele que cria e educa o filho. Um modelo, decididamente, fora dos cânones tradicionais”, escreve.
Kramer vs. Kramer Direção: Robert Benton
Ano: 1979
Trailer oficial
Freshman father (O amor de um pai)
Direção: Michael Scott
Ano: 2010
Trailer oficial
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