Fundado em 1891, o Jornal do Brasil foi o primeiro jornal 100% digital em todo o país, ao criar em 28 de maio de 1995, o JB Online. Cinco anos mais tarde, em 31 de agosto de 2010, esse jornal do Rio de Janeiro encerra sua edição impressa, depois de 104 anos de circulação. Desde então, mantém apenas a sua versão digital, antecipando-se à tendência mundial dos jornais. Em seu portal digital, jb.com.br, o veículo orgulha-se de ter sido o “primeiro jornal brasileiro a ter uma edição on line na internet com cobertura completa do Brasil e do mundo”.
Do jornal de classificados, na capa, em sua edição inaugural de 9 de abril de 1891, à reforma gráfica de 1959, com a retirada das linhas verticais que separavam as colunas de texto, à inserção de fotos, à criação do Caderno B, ao Caderno de Ideias, muita coisa mudou no jornal carioca. O Jornal do Brasil fez escola. Foi, sem dúvida alguma, um ícone do jornalismo brasileiro, por sua qualidade e credibilidade editorial, além de inspirador de mudanças gráficas e editoriais em outros veículos nacionais.
No âmbito mundial, o New York Times foi um dos principais jornais internacionais a migrar para o digital, sem porém abrir mão de sua tradicional versão impressa. Apesar do temor do mundo inteiro e depois de perder assinantes do veículo impresso, o jornal americano adota uma nova estratégia de negócios. Inicia, assim, a era do paywall, em 2011 (cobrança pelo acesso aos conteúdos digitais), atingindo mais de 500 mil assinantes pagos em suas plataformas digitais.
Mas, afinal, quais são as diferenças da produção jornalística do impresso ao digital? Como as tecnologias modificaram o modelo de produção e consumo da informação? Existe uma nova forma de apuração e construção da narrativa jornalística? Quais eram os riscos e desafios do jornalismo analógico e quais são, hoje, do jornalismo digital? Quais são as perspectivas nesse novo processo de reconfiguração do jornalismo?
Riscos e desafios: do mundo analógico ao digital
Ser repórter nos anos 1970 e 1980, no JB, era uma credencial importante, pelo prestígio que o jornal tinha, à época, nos estudantes, na intelectualidade, no governo, no mundo político, no de negócios e na sociedade em geral. Na convivência com jornalistas de várias gerações e experiências diversas, havia a certeza na qualidade da informação final que ia às bancas de jornais ou na casa dos assinantes.
Já a apuração bem feita para uma narrativa bem sucedida dependia, basicamente, da cultura geral do repórter e de sua criatividade para driblar as dificuldades técnicas, uma vez que não havia acervo digital para a busca e checagem de informações. Era com o acervo pessoal, em papel, ou na experiência de alguns colegas, que se contava para reduzir os erros no exercício cotidiano de cobertura de temas que variavam entre as áreas de política, economia, educação, informática, cultura e até mesmo esporte.
Trabalhar como correspondente do Jornal do Brasil em Campinas e região era um aprendizado diário para quem participou de grandes redações no Rio de Janeiro, onde as dúvidas podiam ser tiradas, a qualquer momento, com outros redatores. Vencer os desafios e colocar notícias de interesse nacional e reportagens assinadas no JB, inclusive no Caderno B, era uma conquista, uma alegria que só era superada após ver o texto impresso, no jornal.
Em tempos de máquina de escrever manual e depois elétrica, com e sem esfera, o texto ia ganhando corpo, não sem antes rasgar e amassar algumas folhas (hoje basta deletar alguns trechos, num simples toque). Só então as matérias eram ditadas ao telefone para colegas da sucursal de São Paulo ou passadas por fax, quando havia tempo. Em outras ocasiões, para reportagens mais longas, de final de semana, era preciso “picotar” a fita do telex das cabines dos Correios para enviá-las ao jornal. Um aprendizado que se renovava a cada dia.
A emoção e o desafio de apurar perto do deadline (os acontecimentos não têm hora), ao telefone, no calor dos fatos, as greves ou a chegada de presos políticos a Campinas, foi uma experiência inesquecível, que a tecnologia, com suas múltiplas facilidades, não substitui, mas renova.
Sem dúvida alguma, o computador e a internet são hoje aliados importantes no trabalho do jornalista. As facilidades que a internet oferece não substituem, porém, uma pauta bem elaborada, uma apuração rigorosa e uma narrativa envolvente, que depende, quase única e exclusivamente, da formação individual e coletiva dos jornalistas.
Cultura em rede: novos hábitos, novas práticas
Os hábitos culturais e profissionais se modificaram nessas últimas décadas. Esperar os jornais do dia chegarem às bancas para entender melhor os fatos narrados nas emissoras de rádio ou de televisão, construir pautas e preparar-se para a cobertura diária dos acontecimentos era uma luta e superação diárias.
No Brasil, hoje, com mais de 50% das residências brasileiras conectadas à internet, de acordo com dados da pesquisa da TIC Domicílios 2014, a informação continuamente atualizada chega aos consumidores de notícias, que não mais dependem dos velhos jornalões impressos para saberem das explicações e análises dos fatos. Isso porque o uso das redes sociais modificou as formas de apuração e o modo de fazer notícias, ao multiplicar as fontes e oportunidades, trazendo, ao mesmo tempo, os riscos inerentes à produção multiplataformas e de múltiplas autorias.
Com o advento dos smartphones e dos tablets, a cultura em rede instantânea, propiciada pela leitura em “toques” nas plataformas digitais, ao mesmo tempo em que amplia o universo do consumidor de notícias, (re)configura o modo de produção e de recepção de informação.
Ao mesmo tempo, é cada vez mais frequente a redução de assinaturas dos jornais impressos durante a semana e a migração para as assinaturas digitais, a preços simbólicos e competitivos. O acesso à cultura, à informação já não é mais restrito a um grupo social de letrados. Está agora disponível a todos que tiverem internet fixa ou móvel.
Entretanto, o acesso livre, fácil, não significa compreensão, cognição. Para além do acesso, é necessário educação, cultura para poder decodificar, contextualizar e articular as informações que jorram, aos borbotões, nas redes sociais, desafiando educadores em um mundo cada vez mais complexo, em que se sabe de tudo um pouco e quase nada em profundidade.
O novo e revigorante mercado de notícias também assusta o mundo empresarial e publicitário, que vem se redesenhando para fazer frente aos novos desafios. Para a sobrevivência das velhas mídias, que perdem continuamente anunciantes, pulverizados em novos nichos de comunicação, o atual modelo de negócio passa, inevitavelmente, pela métrica única de audiência, que reúne todas as plataformas para aferir audiências e, assim, subsidiar o mercado publicitário e garantir a permanência dos veículos.
Novas plataformas, novos atores, mas busca pela qualidade permanece
Das transformações pelas quais o Jornal do Brasil passou, desde sua primeira edição histórica, em 1891, às plataformas digitais, em 1995, mudaram as formas de impressão industrial e o processo de produção da informação no jornalismo em geral. Já a apuração da informação, da coleta dos dados, da cobertura in loco e checagem dos dados continua a mesma, para que a notícia chegue ao leitor, internauta, de forma confiável.
Mudam as plataformas, novos atores entram em cena, com as mídias digitais competindo com os veículos tradicionais, mas o rigor da apuração e redação para um jornalismo de qualidade não desaparece. Pelo contrário, a rapidez da circulação da informação exige, mais do que nunca, cultura geral, visão crítica e analítica dos fatos e acontecimentos para possibilitar ao leitor uma melhor compreensão do mundo em que vive e poder tomar suas próprias decisões sobre temas da contemporaneidade.
As novas configurações e modelos de jornalismo multiplataformas alteram o modus operandi do fazer jornalístico, que se torna ainda mais ágil, fazendo com que o fator tempo interfira diretamente no processo de produção. Requer, portanto, um profissional que pense a notícia de forma interativa, com o uso de aplicativos e recursos do mundo digital que tornam a informação mais interessante e atraente para o leitor.
Ao mesmo tempo, o novo modo de (re)construtir a notícia, se, por um lado, traz benefícios de livre acesso, múltiplos canais e linguagens, por outro, oferece ainda mais riscos no seu processo de apuração e redação do texto, independente de sua plataforma. O jornalismo passa a ser cada vez mais autoral, com estilo próprio, o que vai determinar a diferença e escolhas no consumo de informação e da mídia.
Os furos (jargão jornalístico para as notícias em primeira mão), que durante muito tempo foram perseguidos pelos profissionais de imprensa, são cada vez mais escassos e dão lugar à busca incessante pela qualidade da informação para um público cada vez mais exigente. O jornalismo torna-se cada vez mais investigativo, mas não pode se colocar como juiz da humanidade. Representa o olhar da sociedade na construção de seu imaginário para sua inserção no mundo em constantes rupturas de valores e de comportamentos. Exatamente por isso, o jornalismo não pode ficar refém das diretrizes de grupos tradicionais, que são importantes, porém não mais únicos atores no processo de apuração e circulação da informação.
As redes sociais e a convergência digital proporcionadas pelas tecnologias, que colocam a informação literalmente na palma da mão, com os smartphones, tablets, promovem uma verdadeira revolução ao conectar tudo a todos, simultaneamente. O jornalismo on line possibilita a leitura e a inserção de novas informações por qualquer pessoa, de qualquer lugar do planeta, transformando o mundo, hoje, na aldeia global preconizada por McLuhan na década de 1960.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que possibilita o acesso quase instantâneo aos acontecimentos, o jornalismo multiplataforma precisa ser cada vez mais confiável. Exige, também, um leitor capacitado para selecionar e digerir informações que chegam de todos os cantos. Nesse sentido, a educação digital é apenas o começo de um novo mundo, em que o estímulo ao pensamento crítico é essencial em casa, na escola, no mundo do trabalho. Os desafios e as perspectivas do jornalismo passam, necessariamente, por um jornalismo de precisão, de qualidade e cada vez mais autoral e de reflexão.
Imagens das mudanças do JB
Abaixo, algumas das mudanças gráficas e editoriais que mostram as transformações visuais pelas quais o Jornal do Brasil passou, ao longo de pouco mais de um século de existência, do impresso ao digital.
Capa da edição inaugural do jornal em 9/04/1891
Capa da edição de 1959 , quando foi realizada uma importante reforma gráfica do jornal com a retirada dos fios entre as colunas e a inserção de fotos.
Capas de Caderno Especial, Caderno B e de Esportes
Capas da última edição impressa e do Portal On line de 3/04/2016
Graça Caldas é jornalista, professora e pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicação, Educação, Ciência e Sociedade e bolsista produtividade do CNPq. Foi repórter do Jornal do Brasil de 1977 a 1983.
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