1. Impacto metabólico da cirurgia bariátrica no
diabetes melitus tipo 2
Estudos realizados nos últimos anos têm
demonstrado que as diferentes modalidades de cirurgias bariátricas
são responsáveis por melhorar a prevenção e mesmo a reversão do
DM 2 (1).
Uma das primeiras grandes séries de cirurgias
bariátricas em pacientes diabéticos foi o estudo de Greenville
(EUA), no qual 165 indivíduos diabéticos foram operados pelo bypass
gástrico
e 83% permaneceram em remissão do diabetes melitus (DM) em 14 anos
de seguimento (2). Outro importante estudo é o Swedish
Obesity Study (SOS), que compara um grupo de pacientes operados com
outro de não-operados(3). Os dados do SOS indicam prevalência de
DM, após dois anos de seguimento, de 8% no grupo controle e 1% no
grupo operado, e, após dez anos, 24% no grupo controle e apenas 7%
no operado.
Vários outros estudos demonstram remissão entre
70% e 90% dos casos, sendo evidentes as taxas menores nos pacientes
usuários de insulina, nos quais a capacidade funcional da célula
beta pode estar muito comprometida. Por outro lado, a totalidade dos
pacientes que utilizam hipoglicemiantes orais reverte o DM com a
cirurgia. O problema desses estudos observacionais é que nenhum
deles foi planejado para verificar especificamente o efeito em
indivíduos diabéticos(4).
Numa revisão de
literatura sistemática, Buchwald et al(1) mostraram uma gradação
dos efeitos da cirurgia bariátrica na resolução do DM2 de 98,9%
para as derivações bílio-pancreáticas e duodenal switch,
de 83,7% para o bypass gastrojejunal, de 71,6% para a
gastroplastia e de 47,9% para a banda gástrica.
Não existem dados sobre o impacto da cirurgia nas
complicações crônicas micro e macrovasculares do DM. Da mesma
forma, é ainda incerto se haverá aumento da longevidade nos
pacientes operados. Novamente, o estudo SOS deverá fornecer as
respostas definitivas para essas questões.
A cirurgia bariátrica apresenta também resultados
favoráveis nos fatores de risco cardiovasculares(5). Há nítida
melhora do perfil lipídico, da hipertensão arterial, da apneia de
sono, além de redução da hipertrofia ventricular esquerda e
espessamento da camada íntima média das carótidas após a cirurgia
(6).
2. Mecanismos de ação das técnicas cirúrgicas
sobre a fisiopatologia do diabetes
2.1. Cirurgias restritivas
As cirurgias puramente restritivas são
representadas pela antiga gastroplastia vertical de Mason, uma
técnica praticamente abandonada no Brasil devido ao reganho de peso
e por sua inferioridade de resultados ponderais e metabólicos quando
comparadas ao bypass gástrico. A versão atual da técnica
puramente restritiva é a banda gástrica. O mecanismo de ação
dessa técnica sobre o diabetes resume-se à redução da resistência
à insulina decorrente da perda de peso em si. Embora existam
trabalhos publicados mostrando resultados positivos sobre a remissão
do diabetes, isso não corresponde à prática encontrada no Brasil.
Além disso, existe uma tendência natural à
não-divulgação/publicação dos resultados insatisfatórios sobre
a perda de peso e inferiores na melhora das comorbidades. O estudo
SOS demonstra perdas ponderais de 25% do peso corporal após dez anos
do bypass gástrico contra 13% na banda gástrica. A redução
da insulinemia é de 54% e 25%, respectivamente, mais uma vez
indicando a inferioridade das técnicas puramente restritivas.
2.2. Cirurgias disabsortivas
Os procedimentos disabsortivos são eficazes na
redução do peso e na melhora da sensibilidade à insulina. O
primeiro procedimento bariátrico utilizado foi a derivação
jejunoileal, iniciada em 1954 e caracterizada por perdas maciças de
peso, mas associada a altas taxas de complicações como desnutrição,
litíase renal e insuficiência hepática. Essa técnica foi
abandonada. A versão atual e eficaz do método disabsortivo é
representada pela cirurgia de derivação biliodigestiva, conhecida
no Brasil como cirurgia de Scopinaro, cuja perda de peso média é de
80% sobre o peso excessivo inicial, com reversão do diabetes em pelo
menos 85% dos casos. O sucesso dessa cirurgia em pacientes diabéticos
é reflexo da disabsorção de lípides (provável redução da
lipotoxicidade) e da intensa melhora da sensibilidade à insulina. A
comparação entre o bypass gástrico (cirurgia de Capella) e
a cirurgia de Scopinaro sobre a resistência à insulina foi feita em
conjunto pelo grupo de cirurgia bariátrica da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) e por um grupo italiano. Nesse trabalho foi
demonstrado que a cirurgia de Scopinaro leva à melhora da
sensibilidade à insulina de forma mais intensa que a cirurgia de
Capella. Isso, no entanto, não confere superioridade à cirurgia
disabsortiva, pois as complicações crônicas, em especial a
desnutrição, são mais intensas nessa cirurgia. Além disso, as
taxas de remissão do diabetes parecem ser maiores na cirurgia de
Capella.
2.3. Cirurgias hormonoincretínicas
A cirurgia de
gastroplastia vertical com derivação jejunoileal - que
promove o encurtamento do intestino delgado - é vista
como uma evolução da gastroplastia vertical de Mason. Os resultados
superiores foram inicialmente atribuídos à característica
restritiva da cirurgia associada a uma disabsorção imposta pela
derivação jejunoileal. Além disso, vários trabalhos de observação
mostraram melhora do controle glicêmico poucos dias após a
cirurgia, não podendo ser atribuído ao emagrecimento tampouco à
melhora da resistência à insulina. Na verdade, a intensa redução
da ingestão alimentar, acompanhada da paradoxal redução do
apetite, é atribuída à diminuição da produção do hormônio
grelina (um orexígeno endógeno) pela exclusão do fundo gástrico
do trânsito alimentar(7,8). A redução da grelina no seguimento de
pacientes diabéticos foi demonstrada pela primeira vez no Brasil
pelo nosso grupo. Essa redução deve ser importante na prevenção
do reganho de peso no longo prazo. A reversão do diabetes deve-se a
um aumento da sensibilidade à insulina associado à melhora da
função da célula beta, incluindo a recuperação da primeira fase
de secreção de insulina(9). Essa recuperação deve-se ao aumento
do hormônio gastrointestinal com ação incretínica, o glucagon
like peptide 1 (GLP-1), secundário a derivação jejunoileal.
Assim, a cirurgia de Capella pode ser considerada um procedimento com
resultados positivos decorrentes da modulação de hormônios e
incretinas, e é a cirurgia padrão ouro para o paciente obeso
mórbido diabético.
Ao contrário do GLP-1,
foi demonstrada queda do nível do GIP (polipeptídeo insulinotrópico
dependente de glicose) após cirurgia bariátrica em três estudos e
aumento do mesmo em um estudo, logo ainda é incerta a participação
desse hormônio na melhora da resistência insulínica após cirurgia
bariátrica (10).
Tentando esclarecer os
mecanismos pelos quais ocorre a reversão do DM2 após a cirurgia,
foi realizado estudo no qual foram avaliados: peptídeo C,
sensibilidade insulínica através do clamp euglicêmico
hiperinsulinêmico e teste de tolerância oral à glicose (OGTT) com
dosagem de incretinas e adipocitocinas em obesos mórbidos
diabéticos, na primeira e quarta semanas após a derivação
bílio-pancreática tipo Scopinaro. O DM2 teve resolução após 1
semana da cirurgia com normalização da sensibilidade insulínica.
Houve diminuição da secreção total e em jejum de insulina, com
grande aumento da sensibilidade da célula beta, redução do GIP,
aumento do GLP-1, redução dos níveis de leptina em jejum e após
OGTT. As alterações observadas ocorreram entre 1 e 4 semanas, antes
da perda de peso significativa(11).
Estudo realizado com
ratos diabéticos Goto-Kakizaki submetidos à exclusão duodenal,
cirurgia que preserva o estômago e exclui o intestino proximal,
mostrou uma melhora do controle glicêmico nesses animais, sugerindo
que o bypass do intestino proximal pode ser uma opção de
tratamento do DM2. Nesses animais a resolução do DM2 foi independe
dos mecanismos relacionados à obesidade já que os ratos não eram
obesos e inclusive ganharam peso após a cirurgia(12).
Para testar esta
hipótese, foi realizado estudo no Limed/Unicamp no qual foram
submetidos à exclusão duodenal 12 indivíduos não-obesos com DM2
há menos de 15 anos, sem evidência de autoimunidade (anti-GAD
negativo), com significante produção endógena de insulina
(peptídeo C acima de 1 ng/mL), e em uso de insulina. Baixa morbidade
perioperatória foi observada como vômitos, constipação e náuseas.
A reavaliação após 24 semanas da cirurgia demonstrou
significativas quedas da glicemia de jejum (14% vs 7% no grupo
controle), da hemoglobina glicada (de 8.78 para 7.84 no grupo de
pacientes operados, p < 0.01 e de 8.93 para 8.71 no grupo
controle; p < 0.05 entre os grupos) e necessidade diária de
insulina. Dez pacientes deixaram de usar insulina, porém mantiveram
uso de hipoglicemiantes orais. Nenhuma diferença em termos de IMC,
percentual e distribuição de gordura, pressão arterial e perfil
lipídico foi observada entre os grupos. Estes achados sugerem um
potencial papel do intestino proximal na patogênese do DM2 e
apresentam uma possibilidade de uma nova alternativa terapêutica no
seu manejo (13).
3. Conclusões e recomendações
A obesidade deve ser considerada uma doença
neuroquímica, crônica e recidivante.
Assim, o seu tratamento deve incluir abordagens de
longo prazo. A aceitação do tratamento cirúrgico do paciente
diabético depende da percepção de médicos e pacientes, da
influência da obesidade na fisiopatologia da doença e da
possibilidade de intervenção duradoura sobre a obesidade. A
cirurgia bariátrica, que promove prevenção e reversão de longo
prazo da doença, pode alterar essa percepção.
A redução de 5% a 10% do peso corporal tem sido
apontada como eficaz em melhorar o controle do diabetes ou promover
uma reversão da doença nas suas fases iniciais. No entanto esses
dados referem-se aos pacientes com sobrepeso ou obesidade grau I. Nos
casos de obesidade grau III e na superobesidade (IMC > 50kg/m2)
essa redução, embora útil, é muito modesta para atingir os
objetivos de tratamento do diabetes. Além disso, se considerarmos o
diabetes doença relacionada a uma disfunção do eixo enteroinsular,
a redução de peso deixa de ser o foco único, sendo acrescida da
modulação da produção prandial de insulina. Essa modulação pode
ser alcançada ao menos pela técnica de Capella. Da parte dos
pacientes existem o medo e a ansiedade gerados pela ideia de
cirurgias chamadas de radicais.
Da parte dos diabetologistas, não há dúvidas de
que o diabetes é uma doença crônica que deve ser radicalmente
tratada a fim de evitar suas complicações crônicas. Vários
estudos indicam melhora geral da qualidade de vida mesmo diante de
restrições dietéticas impostas pela cirurgia. A reversão ou
melhora do diabetes e as alterações metabólicas associadas são
acrescidas da melhora da aparência física e das oportunidades
sociais e econômicas.
Em resumo, a potencial reversão do diabetes nesses
pacientes faz com a que a cirurgia bariátrica deva ser considerada
uma opção terapêutica em todos os pacientes obesos mórbidos
diabéticos.
Bruno Geloneze é médico endocrinologista, pesquisador e
coordenador do Limed (Laboratório de Investigação em Diabetes e
Metabolismo) da Universidade Estadual de Campinas.
Bypass gástrico é a cirurgia de redução de estômago
mais frequentemente realizada no mundo. Consiste em reduzir o
estômago a um tamanho aproximado de 30-40 ml, utilizando
instrumentos chamados grampeadores cirúrgicos. Além disso, a
comida faz um atalho chegando ao intestino sem passar pelo duodeno
implicando em mudanças hormonais importantes para a perda de peso e
melhora do diabetes.
Referências bibliográficas
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Avidor Y.; Braunwad E.; Jensen M.D.; Pories W.; Fahrbach K. et al.
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