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Artigo
Cirurgia bariátrica: de anti-obesidade à anti-diabetes
Por Bruno Geloneze
04/03/2013

1. Impacto metabólico da cirurgia bariátrica no diabetes melitus tipo 2

Estudos realizados nos últimos anos têm demonstrado que as diferentes modalidades de cirurgias bariátricas são responsáveis por melhorar a prevenção e mesmo a reversão do DM 2 (1).

Uma das primeiras grandes séries de cirurgias bariátricas em pacientes diabéticos foi o estudo de Greenville (EUA), no qual 165 indivíduos diabéticos foram operados pelo bypass gástrico1 e 83% permaneceram em remissão do diabetes melitus (DM) em 14 anos de seguimento (2). Outro importante estudo é o Swedish Obesity Study (SOS), que compara um grupo de pacientes operados com outro de não-operados(3). Os dados do SOS indicam prevalência de DM, após dois anos de seguimento, de 8% no grupo controle e 1% no grupo operado, e, após dez anos, 24% no grupo controle e apenas 7% no operado.

Vários outros estudos demonstram remissão entre 70% e 90% dos casos, sendo evidentes as taxas menores nos pacientes usuários de insulina, nos quais a capacidade funcional da célula beta pode estar muito comprometida. Por outro lado, a totalidade dos pacientes que utilizam hipoglicemiantes orais reverte o DM com a cirurgia. O problema desses estudos observacionais é que nenhum deles foi planejado para verificar especificamente o efeito em indivíduos diabéticos(4).

Numa revisão de literatura sistemática, Buchwald et al(1) mostraram uma gradação dos efeitos da cirurgia bariátrica na resolução do DM2 de 98,9% para as derivações bílio-pancreáticas e duodenal switch, de 83,7% para o bypass gastrojejunal, de 71,6% para a gastroplastia e de 47,9% para a banda gástrica.

Não existem dados sobre o impacto da cirurgia nas complicações crônicas micro e macrovasculares do DM. Da mesma forma, é ainda incerto se haverá aumento da longevidade nos pacientes operados. Novamente, o estudo SOS deverá fornecer as respostas definitivas para essas questões.

A cirurgia bariátrica apresenta também resultados favoráveis nos fatores de risco cardiovasculares(5). Há nítida melhora do perfil lipídico, da hipertensão arterial, da apneia de sono, além de redução da hipertrofia ventricular esquerda e espessamento da camada íntima média das carótidas após a cirurgia (6).


2. Mecanismos de ação das técnicas cirúrgicas sobre a fisiopatologia do diabetes

2.1. Cirurgias restritivas

As cirurgias puramente restritivas são representadas pela antiga gastroplastia vertical de Mason, uma técnica praticamente abandonada no Brasil devido ao reganho de peso e por sua inferioridade de resultados ponderais e metabólicos quando comparadas ao bypass gástrico. A versão atual da técnica puramente restritiva é a banda gástrica. O mecanismo de ação dessa técnica sobre o diabetes resume-se à redução da resistência à insulina decorrente da perda de peso em si. Embora existam trabalhos publicados mostrando resultados positivos sobre a remissão do diabetes, isso não corresponde à prática encontrada no Brasil. Além disso, existe uma tendência natural à não-divulgação/publicação dos resultados insatisfatórios sobre a perda de peso e inferiores na melhora das comorbidades. O estudo SOS demonstra perdas ponderais de 25% do peso corporal após dez anos do bypass gástrico contra 13% na banda gástrica. A redução da insulinemia é de 54% e 25%, respectivamente, mais uma vez indicando a inferioridade das técnicas puramente restritivas.


2.2. Cirurgias disabsortivas

Os procedimentos disabsortivos são eficazes na redução do peso e na melhora da sensibilidade à insulina. O primeiro procedimento bariátrico utilizado foi a derivação jejunoileal, iniciada em 1954 e caracterizada por perdas maciças de peso, mas associada a altas taxas de complicações como desnutrição, litíase renal e insuficiência hepática. Essa técnica foi abandonada. A versão atual e eficaz do método disabsortivo é representada pela cirurgia de derivação biliodigestiva, conhecida no Brasil como cirurgia de Scopinaro, cuja perda de peso média é de 80% sobre o peso excessivo inicial, com reversão do diabetes em pelo menos 85% dos casos. O sucesso dessa cirurgia em pacientes diabéticos é reflexo da disabsorção de lípides (provável redução da lipotoxicidade) e da intensa melhora da sensibilidade à insulina. A comparação entre o bypass gástrico (cirurgia de Capella) e a cirurgia de Scopinaro sobre a resistência à insulina foi feita em conjunto pelo grupo de cirurgia bariátrica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e por um grupo italiano. Nesse trabalho foi demonstrado que a cirurgia de Scopinaro leva à melhora da sensibilidade à insulina de forma mais intensa que a cirurgia de Capella. Isso, no entanto, não confere superioridade à cirurgia disabsortiva, pois as complicações crônicas, em especial a desnutrição, são mais intensas nessa cirurgia. Além disso, as taxas de remissão do diabetes parecem ser maiores na cirurgia de Capella.


2.3. Cirurgias hormonoincretínicas

A cirurgia de gastroplastia vertical com derivação jejunoileal - que promove o encurtamento do intestino delgado - é vista como uma evolução da gastroplastia vertical de Mason. Os resultados superiores foram inicialmente atribuídos à característica restritiva da cirurgia associada a uma disabsorção imposta pela derivação jejunoileal. Além disso, vários trabalhos de observação mostraram melhora do controle glicêmico poucos dias após a cirurgia, não podendo ser atribuído ao emagrecimento tampouco à melhora da resistência à insulina. Na verdade, a intensa redução da ingestão alimentar, acompanhada da paradoxal redução do apetite, é atribuída à diminuição da produção do hormônio grelina (um orexígeno endógeno) pela exclusão do fundo gástrico do trânsito alimentar(7,8). A redução da grelina no seguimento de pacientes diabéticos foi demonstrada pela primeira vez no Brasil pelo nosso grupo. Essa redução deve ser importante na prevenção do reganho de peso no longo prazo. A reversão do diabetes deve-se a um aumento da sensibilidade à insulina associado à melhora da função da célula beta, incluindo a recuperação da primeira fase de secreção de insulina(9). Essa recuperação deve-se ao aumento do hormônio gastrointestinal com ação incretínica, o glucagon like peptide 1 (GLP-1), secundário a derivação jejunoileal. Assim, a cirurgia de Capella pode ser considerada um procedimento com resultados positivos decorrentes da modulação de hormônios e incretinas, e é a cirurgia padrão ouro para o paciente obeso mórbido diabético.

Ao contrário do GLP-1, foi demonstrada queda do nível do GIP (polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose) após cirurgia bariátrica em três estudos e aumento do mesmo em um estudo, logo ainda é incerta a participação desse hormônio na melhora da resistência insulínica após cirurgia bariátrica (10).

Tentando esclarecer os mecanismos pelos quais ocorre a reversão do DM2 após a cirurgia, foi realizado estudo no qual foram avaliados: peptídeo C, sensibilidade insulínica através do clamp euglicêmico hiperinsulinêmico e teste de tolerância oral à glicose (OGTT) com dosagem de incretinas e adipocitocinas em obesos mórbidos diabéticos, na primeira e quarta semanas após a derivação bílio-pancreática tipo Scopinaro. O DM2 teve resolução após 1 semana da cirurgia com normalização da sensibilidade insulínica. Houve diminuição da secreção total e em jejum de insulina, com grande aumento da sensibilidade da célula beta, redução do GIP, aumento do GLP-1, redução dos níveis de leptina em jejum e após OGTT. As alterações observadas ocorreram entre 1 e 4 semanas, antes da perda de peso significativa(11).

Estudo realizado com ratos diabéticos Goto-Kakizaki submetidos à exclusão duodenal, cirurgia que preserva o estômago e exclui o intestino proximal, mostrou uma melhora do controle glicêmico nesses animais, sugerindo que o bypass do intestino proximal pode ser uma opção de tratamento do DM2. Nesses animais a resolução do DM2 foi independe dos mecanismos relacionados à obesidade já que os ratos não eram obesos e inclusive ganharam peso após a cirurgia(12).

Para testar esta hipótese, foi realizado estudo no Limed/Unicamp no qual foram submetidos à exclusão duodenal 12 indivíduos não-obesos com DM2 há menos de 15 anos, sem evidência de autoimunidade (anti-GAD negativo), com significante produção endógena de insulina (peptídeo C acima de 1 ng/mL), e em uso de insulina. Baixa morbidade perioperatória foi observada como vômitos, constipação e náuseas. A reavaliação após 24 semanas da cirurgia demonstrou significativas quedas da glicemia de jejum (14% vs 7% no grupo controle), da hemoglobina glicada (de 8.78 para 7.84 no grupo de pacientes operados, p < 0.01 e de 8.93 para 8.71 no grupo controle; p < 0.05 entre os grupos) e necessidade diária de insulina. Dez pacientes deixaram de usar insulina, porém mantiveram uso de hipoglicemiantes orais. Nenhuma diferença em termos de IMC, percentual e distribuição de gordura, pressão arterial e perfil lipídico foi observada entre os grupos. Estes achados sugerem um potencial papel do intestino proximal na patogênese do DM2 e apresentam uma possibilidade de uma nova alternativa terapêutica no seu manejo (13).


3. Conclusões e recomendações

A obesidade deve ser considerada uma doença neuroquímica, crônica e recidivante.

Assim, o seu tratamento deve incluir abordagens de longo prazo. A aceitação do tratamento cirúrgico do paciente diabético depende da percepção de médicos e pacientes, da influência da obesidade na fisiopatologia da doença e da possibilidade de intervenção duradoura sobre a obesidade. A cirurgia bariátrica, que promove prevenção e reversão de longo prazo da doença, pode alterar essa percepção.

A redução de 5% a 10% do peso corporal tem sido apontada como eficaz em melhorar o controle do diabetes ou promover uma reversão da doença nas suas fases iniciais. No entanto esses dados referem-se aos pacientes com sobrepeso ou obesidade grau I. Nos casos de obesidade grau III e na superobesidade (IMC > 50kg/m2) essa redução, embora útil, é muito modesta para atingir os objetivos de tratamento do diabetes. Além disso, se considerarmos o diabetes doença relacionada a uma disfunção do eixo enteroinsular, a redução de peso deixa de ser o foco único, sendo acrescida da modulação da produção prandial de insulina. Essa modulação pode ser alcançada ao menos pela técnica de Capella. Da parte dos pacientes existem o medo e a ansiedade gerados pela ideia de cirurgias chamadas de radicais.

Da parte dos diabetologistas, não há dúvidas de que o diabetes é uma doença crônica que deve ser radicalmente tratada a fim de evitar suas complicações crônicas. Vários estudos indicam melhora geral da qualidade de vida mesmo diante de restrições dietéticas impostas pela cirurgia. A reversão ou melhora do diabetes e as alterações metabólicas associadas são acrescidas da melhora da aparência física e das oportunidades sociais e econômicas.

Em resumo, a potencial reversão do diabetes nesses pacientes faz com a que a cirurgia bariátrica deva ser considerada uma opção terapêutica em todos os pacientes obesos mórbidos diabéticos.


Bruno Geloneze é médico endocrinologista, pesquisador e coordenador do Limed (Laboratório de Investigação em Diabetes e Metabolismo) da Universidade Estadual de Campinas.


1 Bypass gástrico é a cirurgia de redução de estômago mais frequentemente realizada no mundo. Consiste em reduzir o estômago a um tamanho aproximado de 30-40 ml, utilizando instrumentos chamados grampeadores cirúrgicos. Além disso, a comida faz um atalho chegando ao intestino sem passar pelo duodeno implicando em mudanças hormonais importantes para a perda de peso e melhora do diabetes.

Referências bibliográficas

1. Bushwald H.; Avidor Y.; Braunwad E.; Jensen M.D.; Pories W.; Fahrbach K. et al. “Bariatric surgery: a systematic review and meta-analysis”. JAMA. 2004; 292: 1724-37.
2. Pories W.J.; MacDonald K.G.; Morgan E.J et al. “Surgical treatment of obesity and its effect on diabetes: 10-y follow-up”.
Am J Clin Nutr. 1992; 55: 582-5S.
3. Sjöstrom L.; Lindroos A.K.; Peltonen M. et al. ”
Lifestyle, diabetes and cardiovascular risk factors 10 years after bariatric surgery”. N Engl J Med. 2004; 351: 2283-93.
4. Eisenberg D.; Bell R.L. “The impact of bariatric surgery on severely obese patients with diabetes”.
Diabetes Spectrum. 2003; 16: 240-5.
5. Muscelli E.; Mingrone G.; Camastra S.; Manco M.; Pereira J.A.; Pareja J.C. et al. “Differential effect of weight loss on insulin resistance in surgically treated obese patients”. Am J Med. 2005; 118: 51-7.
6. Geloneze B.; Repetto E.M.; Pareja J.C.; Tambascia M.A. “The insulin tolerance test in morbidly obese patients undergoing bariatric surgery”. Obes Res. 2001; 9: 763-9.
7. Cummings D.E.; Overduin J.; Foster-Schubert K.E. “Gastric bypass for obesity: mechanisms of weight loss and diabetes resolution”.
J Clin Endocrinol Metab. 2004; 89: 2608-15.
8. Geloneze B.; Repetto E.M.; Pilla V.F.; Tambascia M.A.; Pareja J.C. “Ghrelin: a gut-brain hormone. Effect of gastric by-pass”. Obes Surg. 2003; 13: 17-22.