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Reportagem
Internet sem fio em benefício de quem?
Por Flávia Gouveia
10/10/2006

Em um país onde o acesso à internet ainda é privilégio de poucos, a popularização do avançado sistema sem fio (ou wireless, do inglês) pode parecer uma utopia, sobretudo para populações de baixa renda que vivem longe dos grandes centros. De fato, o número de pessoas com acesso à tecnologia de banda larga sem fio hoje é pouco significativo, mas há quem diga que essa tecnologia seja a grande oportunidade para a inclusão digital. Será mesmo? A briga das empresas de telefonia pela participação no leilão de freqüências WiMax sugere que esse promissor mercado renderá bons lucros às operadoras, que venderão o acesso à internet aos cidadãos e às empresas. “Numa primeira instância, além das operadoras, ganharão as empresas usuárias que, com apenas um acesso, poderão distribuir o benefício para todas as suas subsidiárias no mesmo município”, diz Luciano Leonel Mendes, professor do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel).

Mendes acredita que o acesso público e gratuito à internet poderá decorrer das tecnologias sem fio, mas sobretudo em telecentros e cidades digitais. De acordo com o Barômetro Cisco da Banda Larga (informe produzido pela empresa de tecnologia), o acesso à internet via linha telefônica (xDSL) ainda equivale a quase 80% das conexões de banda larga existentes no Brasil. A regulamentação dos serviços sem fio nas faixas de freqüência de 3,5 GHz e 10,5 GHz, que abrangem tecnologias como Wireless Mesh, WiFi e Wimax (veja box ao final da matéria), deverá aumentar a participação das tecnologias sem fio já a partir do ano que vem.

Total de Conexões de Banda Larga no Brasil

2005 2006
Milhares
1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre 4º Trimestre
1º Trimestre 2º Trimestre
ADSL (cabos telefônicos)
TV Assinatura
Outros (rádio)
2.088 2.406 2.762 3.092
393 452 528 629
30 44 60 75
3.359 3.594
789 950
80 86
Total Brasil
2.510 2.902 3.350 3.796
4.228 4.630

Nota: Não inclui satélite e IP dedicado. *estimativa Teleco.
Fonte: Teleco

Jogo de forças

Antes da tecnologia de conexão sem fio, para se ter acesso à internet em banda larga era necessário algum tipo de cabo, como o fio do telefone ou da TV por assinatura. Isso representa um custo para que o serviço seja oferecido, que desaparece com a tecnologia wireless. Por isso o WiMax, de alcance muito maior do que o WiFi, é tão interessante e cresce rapidamente no mundo. Segundo pesquisa da Infonetics Research, o mercado mundial de equipamentos para redes WiMax cresceu 107% no primeiro semestre de 2006, atingindo 141 milhões de dólares.

O mercado será impulsionado pela inclusão de chips de conexão para redes WiMax nos computadores (como ocorre hoje com os laptops que têm a conexão WiFi embutida). Espera-se que empresas como Intel, Samsung, Nokia e Siemens produzam os equipamentos adaptados ao novo sistema a partir do próximo ano. O acesso à conexão sem fio WiMax deverá ser vendido por empresas que atualmente disputam faixas de freqüência em leilão.

Do ponto de vista dos consumidores, o acesso aos benefícios do WiMax ainda seria privilégio de poucos, ao menos na fase inicial de implantação. Os analistas prevêem que o modem custaria em torno de US$ 500,00 e chegaria a US$ 150,00 em 3 anos, ampliando o acesso. O preço do serviço deverá incorporar os custos das empresas com a instalação de torres e o aluguel de novos terrenos. Para Jaime Balbino Gonçalves da Silva, consultor em automação em sistemas de ensino da ProfSAT - TV Educativa Via Satélite, “durante os primeiros anos, o WiMax será de poucos mesmo, mas é preciso garantir formas de massificar a tecnologia”.

O uso das ondas eletromagnéticas é limitado e regulado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Assim como acontece com o rádio e a televisão, será preciso uma concessão do governo para que as radiofreqüências sejam exploradas (seja para o acesso à internet ou para seus outros possíveis usos, como acesso aos sinais de TV, telefonia móvel ou vídeo sob demanda). "Assim, um operador WiMax compra uma licença de uso que lhe permite oferecer mais e melhores serviços que os atuais, atendendo a novos nichos de mercado e atingindo diretamente a competitividade com as tecnologias concorrentes."

Cerca de cem empresas credenciaram-se para o leilão das faixas de 3,5Ghz e 10,5Ghz, inclusive empresas de telefonia fixa (como Telemar, Brasil Telecom, Telefônica, Sercomtel e CTBC Telecom). Além da concorrência com as operadoras que hoje vendem banda larga, como as telefônicas e as empresas de TV por assinatura, a tecnologia WiMax pode avançar no mercado das operadoras de celulares. Uma das principais vantagens do sistema é a possibilidade de conexão contínua com a rede mesmo durante um deslocamento - dentro de um veículo em movimento, por exemplo. De acordo com Paulo Henrique Ferreira, diretor de comunicação estratégia da consultoria de negócios e posicionamento em Tecnologia da Informação Accenda, o WiMax poderia ameaçar diretamente as empresas de telefonia fixa e móvel por permitir a oferta desses serviços a custos menores no longo prazo. “Por isso essas empresas querem tanto participar do leilão”, afirma.

No último dia 04, após a entrega das propostas para o leilão, a licitação foi suspensa pelo Tribunal de Contas da União (TCU), sob a alegação de que havia uma defasagem no valor do câmbio utilizado na determinação dos preços mínimos definidos no edital, além de valores mínimos subavaliados para as cidades de Ribeirão Preto e Santos. Com a suspensão do leilão, a Anatel decidiu não dar continuidade ao processo enquanto as operadoras de telefonia permanecerem na disputa em regiões onde já têm concessão. A agência alega que a atuação das telefônicas na transmissão WiMax nessas áreas - onde elas já oferecem o serviço discado - pode prejudicar os consumidores ante a ausência de concorrência. Por outro lado, o Ministério das Comunicações apóia a participação das telefônicas, mas deseja implementar uma política mínima de inclusão digital com a criação de “quotas sociais” que garantam a oferta do WiMax em comunidades distantes e em locais públicos (como telecentros e escolas).

Para Silva, há uma questão política entre a Anatel – que procuraria garantir a estabilidade para os investidores do setor – e o Ministério das Comunicações – cujas diretrizes mudam ao sabor dos mandatos de governo. “Existe um conflito de interesses, mas pode-se dizer que ambos os lados têm pontos que prezam o consumidor”, diz Silva. Segundo o consultor, “é louvável a Anatel preocupar-se com a manutenção da concorrência e seus efeitos sobre os preços finais, mas o Ministério das Comunicações também tem suas razões ao defender as ‘quotas socias’ para a inclusão digital”.

Silva acredita que a Anatel confia demais na auto-regulação do mercado. Para ele, as regras da agência não garantem a oferta dos serviços WiMax à população, o que pode ameaçar a inclusão digital. “A concessionária pode adquirir o direito de explorar a freqüência e não fazê-lo, prejudicando os consumidores”. Algumas medidas apontadas por Silva poderiam contornar esse problema, como a determinação da obrigatoriedade da oferta num período de dois ou três anos (ao invés dos atuais dez anos previstos) e a implementação das quotas sociais, garantindo a oferta do serviço em áreas de baixo poder aquisitivo por meio de um cronograma com metas para inclusão digital e acesso gratuito ou a baixo custo em espaços públicos específicos, como as escolas.

Cidades digitais

Algumas cidades brasileiras destacam-se em programas de inclusão digital, com base na tecnologia sem fio. A tecnologia mais utilizada nessas cidades digitais é a WiFi, mas há projetos experimentais de instalação da redes WiMax em cidades como Campinas, Belo Horizonte, São Paulo e Ouro Preto, com o envolvimento de empresas privadas e, às vezes, apoio público. “A transmissão WiMax, quando regulamentada, será crucial para as cidades digitais em função do seu longo alcance, mas WiFi e WiMax deverão complementar-se”, diz Mendes. O sistema WiMesh é pouco utilizado no Brasil, mas há uma experiência recente na cidade de Tiradentes (MG), onde o Ministério das Comunicações, em parceria com a Cisco, habilitou um telecentro e quatro escolas para oferecerem acesso gratuito à internet. O Comitê Gestor da Internet no Brasil reservou R$ 10 milhões do seu orçamento para fomentar as cidades digitais, a grande promessa para a universalização do acesso à internet no país.

No município de Piraí (RJ) foi criado, em 2002, o projeto Piraí Digital, com o objetivo de democratizar o acesso aos meios de informação e comunicação, gerando oportunidades de desenvolvimento econômico e social. Os técnicos da equipe desenvolveram o Sistema Híbrido com Suporte Wireless (SHSW), que se adapta às condições de cada localidade por meio da adoção de tecnologias diferentes sobre o suporte sem fio. A rede, que atinge os 520 Km de território (inclusive a área rural), cobre 39 edifícios públicos, 25 escolas, quatro bibliotecas, uma Casa da Criança, uma APAE, uma creche, quatro telecentros e nove quiosques. O coordenador geral do projeto, Franklin Dias Coelho, diz que desde o início o objetivo não era oferecer o acesso à internet apenas nos telecentros, mas incluir terminais de atendimento nas praças, escolas, rodoviária e sindicatos.

Com relação à tecnologia, o sistema WiFi é a base do suporte de rede, mas outras entram no projeto para a captação dos sinais. “A diversidade topográfica, a distância e as particularidades das construções demandam a adaptabilidade que o sistema híbrido permite”, diz Coelho.

Outro caso exemplar é o da pequena cidade paulista de Sud Mennucci. Depois de enfrentar as dificuldades de não ter um provedor local - e, por isso, depender de ligações interurbanas para se conectar à internet por linha discada – a cidade conseguiu disponibilizar o acesso gratuito à internet sem fio, via WiFi, para sua população. Os moradores devem fazer uma solicitação à prefeitura e aguardar sua aprovação. Depois, compram uma antena e uma placa WiFi para receber o sinal emitido pela prefeitura e usam o computador de mesa para acessar a internet. O kit custa de R$ 300 a R$ 600, mas, como não há lojas especializadas em produtos de informática, alguns representantes buscam o equipamento em cidades próximas.

No último dia 20, a Intel inaugurou uma rede sem fio em banda larga com tecnologia WiMax na cidade de Parintins, localizada em uma ilha no rio Amazonas. O sistema foi instalado em um centro de saúde, duas escolas públicas, um centro comunitário e na Universidade da Amazônia. O projeto faz parte de uma iniciativa da empresa (programa World Ahead) para acelerar o acesso a computadores e à internet em comunidades em desenvolvimento, com investimentos previstos em mais de US$ 1 bilhão em todo o mundo ao longo dos próximos cinco anos.

As tecnologias de banda larga sem fio

O acesso à internet em banda larga sem fio ocorre por meio de ondas de rádio, que podem ser enviadas pelos sistemas WiFi (Fidelidade Sem Fio), WiMax (Interoperabilidade Mundial para Acesso de Microondas) e WiMesh (Rede em Malha Sem Fio).

A tecnologia WiFi consiste na emissão de sinais de rede para serem captados por usuários com equipamentos apropriados. Esse tipo de conexão trabalha com radiofreqüências de 2,4Ghz (também utilizadas em telefones sem fio e fornos microondas), atinge a velocidade de 11Mbps e alcança até 100m a partir da fonte emissora. Portanto, é um sistema geralmente usado em ambientes internos.

Desenvolvido por um consórcio mundial e certificado pelo IEEE (Institute of Electrical and Electronicas Engeneers), o padrão de transmissão WiMax difere do WiFi principalmente porque pode alcançar distâncias e velocidades muito maiores, com limites de 50 Km e 75Mbps, respectivamente. Assim, o WiMax pode cobrir localidades de grandes dimensões, como as cidades. Estão disponíveis no Brasil para a transmissão WiMax as freqüências de 2,5Ghz, 3,5Ghz, 10,5Ghz (que necessitam de autorização da Anatel) e 5,8Ghz (livre).

Quanto às redes Mesh, elas podem utilizar os sistemas sem fio WiFi/WiMax ou cabos, para conectar os usuários. O WiMesh é uma rede composta por várias antenas com capacidade de cobertura menor que o WiMax e maior que o WiFi. As antenas ficam mais próximas umas das outras e tornam a transmissão mais densa e segura, com velocidades de 54 Mbps e alcance de até 400 metros.