REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
Memorial da Fapesp* - Carlos Vogt
Reportagens
Gestores e instituições de CT&I reivindicam legislação específica para a área
Vanessa Fagundes
A institucionalização da pesquisa e o sistema nacional de CT&I no Brasil
Carolina Octaviano
Aumento de recursos e articulação propicia ampliação de ações
Isabela Palhares
A demografia do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil
Andréia Hisi
FAPs incrementam pesquisa e inovação e se unem em parcerias
Carolina Ramos
Artigos
Quanto vale o investimento em ciência, tecnologia e inovação?
Sergio Salles-Filho
Núcleo apoia atuação de agências de fomento à inovação em MG
Adelaide Baêta, Vanessa Paiva e Reginaldo de Jesus Lima.
Gestão pública flexível e ágil por meio do Sigfap
Marcelo A. S.Turine, Camilo Carromeu, Márcio A.I da Silva, Maria Istela Cagnin
Por que as fundações estaduais de apoio à pesquisa investem em comunicação
Fábio Reynol de Carvalho
Desafios e estratégias para a cooperação internacional em pesquisa no Brasil e as FAPs
Carlos Henrique de Brito Cruz
Resenha
O lado B da ciência
Cristiane Kämpf
Entrevista
Mario Neto Borges
Entrevistado por Vanessa Fagundes
Poema
Divã
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Reportagem
FAPs incrementam pesquisa e inovação e se unem em parcerias
Por Carolina Ramos
10/06/2011

Os ouriços da castanha do Pará estão sendo transformados em cerâmica vegetal e gerando emprego e renda na interior amazonense. O empreendedorismo por trás disso tem sua origem na pesquisa acadêmica e foi viabilizado graças ao apoio de uma das fundações de amparo à pesquisa (FAPs) do país. Os ouriços – cuja aparência lembra a do coco e que, no seu interior, guardam as amêndoas conhecidas como castanha do Pará – são frutos da castanheira do Brasil (Berthollettia excelsa). Com seus quase 50 metros de altura, essa árvore ganha apropriadamente o título de uma das maiores da Amazônia. Do chão das florestas onde são encontrados em abundância, os ouriços são colhidos para serem triturados e transformados em pastilhas que, por sua vez, formam peças apropriadas especialmente para revestir e decorar ambientes internos.

Esse uso para o ouriço foi descoberto a partir da pesquisa que o engenheiro agrônomo Aguimar Vasconcelos Simões desenvolveu em seu mestrado em sistemas agroflorestais. O estudo consistiu no teste da adoção de práticas de manejo da castanha por parte dos extrativistas, de forma a evitar a contaminação das amêndoas por aflatoxina, toxina produzida por fungos do gênero Aspergillus. Se ingerida em grande quantidade, essa substância pode causar câncer no fígado humano. “A pesquisa verificou que a contaminação podia ocorrer ainda na floresta e que os ouriços concentravam a maior predominância dos fungos, que passavam para a amêndoa”, explica Simões.

Para evitar a contaminação, ele e sua equipe elaboraram o programa “Boas práticas do manejo da castanha do Brasil”. Uma das etapas desse plano, baseado em técnicas validadas cientificamente, é a coleta dos ouriços de forma a impedir a proliferação dos fungos para a castanha. A partir desse estudo, Aguimar vislumbrou o potencial do ouriço ser usado não apenas em pequena escala, como ocorre com os artesanatos convencionais, mas também em processos fabris.

Foi dessa forma que nasceu a Revestimentos da Amazônia, marca comercial da cerâmica vegetal desenvolvida pela empresa Agrocon Indústria e Serviços Agroambientais, com sede em Manaus (AM), e da qual Simões é sócio administrador. A empresa trabalha em parceria com comunidades extrativistas de três municípios do interior do Amazonas: Novo Aripuanã, Amaturá e Tefé. De acordo com Aguimar, a renda dos produtores, depois da parceria com a empresa, foi incrementada em 50% quando comparada ao ganho que tinham com outros compradores. O valor pago por 100 quilos da amêndoa passou de R$ 60,00 para R$ 90,00.

Mas não é só a partir do ouriço da castanha que a cerâmica vegetal é produzida: outros recursos florestais não-madeireiros, a exemplo das sementes das frutas açaí e tucumã, também são utilizados.

O projeto para desenvolver a cerâmica vegetal, denominado “Utilização de matérias primas amazônicas para a produção de placas decorativas para revestimentos”, foi financiado pelo Programa Amazonas de Apoio à Pesquisa em Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pappe), com subvenção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep/Amazonas) e gerido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam). A contribuição de R$ 198 mil se somou aos R$ 60 mil de capital inicial da própria empresa. A Agrocon é uma das 54 empresas beneficiadas pelo Pappe que, entre 2003 e 2010, investiu cerca de R$ 8 milhões em pesquisas voltadas ao setor produtivo no estado, principalmente em estudos na área de fitofármacos, cosméticos, pesca e alimentos.

Transformar conhecimento em produto, a exemplo da conversão do ouriço da castanha em cerâmica vegetal, é um dos maiores desafios do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no Amazonas, de acordo com o professor Odenildo Sena, ex-diretor presidente da Fapeam e, atualmente, à frente da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia do Amazonas e do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti).

Apenas recentemente, no Norte do país – e em outras regiões, como o Nordeste e Centro-Oeste –, o setor de CT&I começou a ser mais encorpado, principalmente, com a criação das fundações estaduais de amparo à pesquisa. A Fapeam, por exemplo, só tem oito anos e foi a primeira FAP da região Norte. “Nosso sonho é ser a Fapesp quando crescermos”, brinca o professor Sena, aludindo à congênere paulista, quase cinquentenária – a primeira FAP do Brasil –, e seu trabalho de fomento à pesquisa realizado nesse período.

“Nossas carências são tão grandes que temos que investir em tudo”, avalia Sena. Para ilustrar, ele cita a necessidade de formação de engenheiros nas mais diversas áreas, especialmente engenheiros navais. “Na região amazônica, os rios equivalem às estradas do Sul e Sudeste do Brasil. Precisamos desenvolver conhecimento para esse setor”. De acordo com ele, a região já avançou na instalação de algumas competências em áreas como ciências biológicas e biotecnologia, graças, principalmente, ao desempenho do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) – que completa 50 anos de atuação em 2012 – e às universidades federal e estaduais. “Mas temos um longo caminho a percorrer ainda”, completa. Apesar dos problemas, Sena reforça o desempenho da Fapeam em oito anos: foram concedidas 600 bolsas de doutorado, nesse período, e 196 dos bolsistas são titulados (com tese já defendida). “Isso considerando que são quatro anos, no mínimo, para formar um doutor. É um grande salto”, comenta. “Fora a publicação de editais e o desenvolvimento de programas de apoio à graduação e de estímulo a professores de níveis fundamental e médio, entre outras ações”, enumera.

Todo esse esforço, na opinião de Sena, é necessário para a formação de pesquisadores locais. O estímulo das fundações, então, é fundamental para torná-los mais competitivos. O resultado é a formação de pesquisadores fortalecidos, com porte para se candidatar aos editais nacionais que também são objeto de desejo dos pesquisadores das regiões Sul e Sudeste, veteranas em pesquisa e inovação. “Melhor qualificados, eles se associam a outros pesquisadores, começam a consolidar experiência e, consequentemente, atuar em cursos de pós-graduação. Dessa forma, a dependência de formar profissionais fora do estado é reduzida”.

Transferência de conhecimento

Se, por um lado, o desenvolvimento da ciência deve passar, necessariamente, pelo ciclo completo, começando pela pesquisa básica, ele não pode dispensar a realização de projetos de inovação tecnológica em empresas do setor produtivo. Essa é a opinião de Anilton Salles Garcia, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes), ainda com menos tempo de existência do que a Fapeam: tem seis anos.

“O apoio a projetos no setor produtivo colabora, em primeiro lugar, com o aumento da competitividade das empresas locais; em segundo, privilegia a capacitação de mão de obra e a fixação de recursos humanos no estado; e, indiretamente, colabora com o aumento da receita do estado”, avalia Garcia. Ele destaca, entre os programas da Fapes, aquele cujo objetivo é o desenvolvimento da inovação tecnológica. “É a transferência do conhecimento da pesquisa de bancada para o mercado”. De acordo com ele, estão em curso, atualmente, oito projetos de inovação tecnológica.

A Fapes começou a operar em 2006 e sua principal fonte de receita vem do Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia, que destina 0,5% do Imposto sobre Circulação da Mercadoria (ICMS) líquido, ou cerca de R$ 27 milhões por ano, para a fundação. Outras fontes de recursos financeiros, também estaduais, totalizam uma receita de aproximadamente R$ 50 milhões estimada para 2011. “É muito para o Espírito Santo, considerando o pouco tempo de existência da sua fundação de amparo à pesquisa. Mas é pouco frente às demandas do estado”, avalia Garcia. Entre elas, o diretor-presidente destaca as relacionadas ao setor produtivo, as áreas de logística, meio ambiente e as que compõem a cadeia de petróleo e gás, devido à atuação da Petrobras no Espírito Santo.

O sistema de ciência e tecnologia no estado capixaba ainda está em formação: conta apenas com uma universidade federal e não há nenhuma estadual. O resultado, portanto, é o baixo número de profissionais qualificados. Esse cenário começa a mudar com a atuação da Fapes, responsável, de acordo com Garcia, pela concessão de 1/3 do total das bolsas de pesquisa, que, para mestrado e doutorado, totalizam 150.

Para minimizar o impacto negativo dos baixos valores das bolsas – que seguem o padrão do CNPq –, a Fapes concede uma série de apoios aos bolsistas. Os mestrandos, por exemplo, cuja bolsa é de R$ 1.200 por mês, recebem mais R$ 7 mil no decorrer do desenvolvimento do seu projeto, investidos na realização de trabalhos de campo ou de experimentos laboratoriais. Outro caso é o dos pesquisadores – doutores formados há menos de dez anos – que fazem parte do programa Primeiro Projetos. Eles recebem R$ 35 mil para que possam montar uma infraestrutura inicial mínima para o desenvolvimento da sua pesquisa. “A idéia básica é proporcionar a esse pesquisador condições para que possa se inserir o mais rápido possível no contexto de produtividade em pesquisa, desenvolvimento ou inovação na sua instituição”, explica o diretor-presidente da Fapes.

Pesquisa em rede

O compartilhamento de conhecimentos em redes de pesquisadores é uma outra ação colocada em prática pelas FAPs como estratégia de estímulo ao desenvolvimento de pesquisas. Exemplo nesse sentido são as redes de fomento à pesquisa em saúde que estudam três graves enfermidades que atingem os brasileiros: a dengue, a malária e a tuberculose.

No mapa brasileiro da dengue, lançado pelo Ministério da Saúde no início deste ano, são 16 os estados com alto risco de enfrentar epidemia em 2011: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. Só o Amazonas, no primeiro trimestre deste ano, registrou quase 37 mil notificações da doença, com 407 casos graves e 12 óbitos. Quase 80% das notificações foram registradas em Manaus, o município com maior número de casos no país.

Pesquisadores apoiados por 20 fundações de amparo à pesquisa, incluindo 15 que atuam em estados com alto risco de enfrentar uma epidemia da doença, formam a Rede Dengue, que conta com recursos da ordem de R$ 22,7 milhões. Desse total, R$ 12,7 milhões partem das FAPs, e o restante, do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Um dos 15 projetos aprovados pela rede é o “Estudo da dengue nas regiões Norte e Sudeste do Brasil: criação de uma rede interdisciplinar de pesquisa básica e aplicada”, que envolve 40 pesquisadores no estudo da dengue em seus aspectos clínicos, epidemiológicos, laboratoriais e de prevenção. A ideia é formar recursos humanos, além de fomentar a pesquisa interdisciplinar básica e aplicada e a transferência de tecnologia.

Duas outras redes de pesquisadores estão envolvidas com estudos relativos à malária – cujo maior número de casos está concentrado na Amazônia Legal – e à tuberculose. A primeira congrega especialistas apoiados por sete FAPs e conta com recursos de R$ 15,4 milhões, destinados pelas próprias fundações, pelo FNS e pelo CNPq, para apoiar atividades de pesquisa científica, tecnológica e de inovação, a exemplo do projeto que estuda a dinâmica de transmissão da malária no ambiente amazônico e as perspectivas de novas tecnologias para seu controle. Já a segunda rede recebe o nome de Programa Temático em Diagnóstico de Tuberculose e reúne as fundações do Amazonas, Rio de Janeiro e Minas Gerais (os dois primeiros estados têm, respectivamente, 68,93 e 66,56 casos da doença para cada 100 mil habitantes). Nesse programa, são destinados R$ 6 milhões – R$ 2 milhões de cada uma das fundações – para desenvolver pesquisas colaborativas em diagnóstico da doença.