Os ouriços da castanha do Pará estão
sendo transformados em cerâmica vegetal e gerando emprego e renda na interior amazonense.
O empreendedorismo por trás disso tem sua origem na pesquisa acadêmica e foi
viabilizado graças ao apoio de uma das fundações de amparo à pesquisa (FAPs) do
país. Os ouriços – cuja aparência lembra a do coco e que, no seu interior,
guardam as amêndoas conhecidas como castanha do Pará – são frutos da castanheira
do Brasil (Berthollettia excelsa). Com
seus quase 50 metros
de altura, essa árvore ganha apropriadamente o título de uma das maiores da
Amazônia. Do chão das florestas onde são encontrados em abundância, os ouriços
são colhidos para serem triturados e transformados em pastilhas que, por sua
vez, formam peças apropriadas especialmente para revestir e decorar ambientes
internos.
Esse uso para o ouriço foi
descoberto a partir da pesquisa que o engenheiro agrônomo Aguimar Vasconcelos Simões
desenvolveu em seu mestrado em sistemas agroflorestais. O estudo consistiu no
teste da adoção de práticas de manejo da castanha por parte dos extrativistas,
de forma a evitar a contaminação das amêndoas por aflatoxina, toxina produzida
por fungos do gênero Aspergillus. Se
ingerida em grande quantidade, essa substância pode causar câncer no fígado humano. “A pesquisa verificou que a contaminação
podia ocorrer ainda na floresta e que os ouriços concentravam a maior
predominância dos fungos, que passavam para a amêndoa”, explica Simões.
Para evitar a contaminação, ele e
sua equipe elaboraram o programa “Boas práticas do manejo da castanha do
Brasil”. Uma das etapas desse plano, baseado em técnicas validadas
cientificamente, é a coleta dos ouriços de forma a impedir a proliferação dos
fungos para a castanha. A partir desse estudo, Aguimar vislumbrou o potencial
do ouriço ser usado não apenas em pequena escala, como ocorre com os
artesanatos convencionais, mas também em processos fabris.
Foi dessa forma que nasceu a
Revestimentos da Amazônia, marca comercial da cerâmica vegetal desenvolvida
pela empresa Agrocon Indústria e Serviços Agroambientais, com sede em Manaus
(AM), e da qual Simões é sócio administrador. A empresa trabalha em parceria
com comunidades extrativistas de três municípios do interior do Amazonas: Novo
Aripuanã, Amaturá e Tefé. De acordo com Aguimar, a renda dos produtores, depois
da parceria com a empresa, foi incrementada em 50% quando comparada ao ganho
que tinham com outros compradores. O valor pago por 100 quilos da amêndoa
passou de R$ 60,00 para R$ 90,00.
Mas não é só a partir do ouriço
da castanha que a cerâmica vegetal é produzida: outros recursos florestais
não-madeireiros, a exemplo das sementes das frutas açaí e tucumã, também são
utilizados.
O projeto para desenvolver a
cerâmica vegetal, denominado “Utilização de matérias primas amazônicas para a
produção de placas decorativas para revestimentos”, foi financiado pelo Programa
Amazonas de Apoio à Pesquisa em Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pappe),
com subvenção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep/Amazonas) e gerido
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam). A contribuição de R$
198 mil se somou aos R$ 60 mil de capital inicial da própria empresa. A Agrocon
é uma das 54 empresas beneficiadas pelo Pappe que, entre 2003 e 2010, investiu
cerca de R$ 8 milhões em pesquisas voltadas ao setor produtivo no estado,
principalmente em estudos na área de fitofármacos, cosméticos, pesca e
alimentos.
Transformar conhecimento em
produto, a exemplo da conversão do ouriço da castanha em cerâmica vegetal, é um
dos maiores desafios do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no
Amazonas, de acordo com o professor Odenildo Sena, ex-diretor presidente da
Fapeam e, atualmente, à frente da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia
do Amazonas e do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de
CT&I (Consecti).
Apenas recentemente, no Norte do país
– e em outras regiões, como o Nordeste e Centro-Oeste –, o setor de CT&I
começou a ser mais encorpado, principalmente, com a criação das fundações
estaduais de amparo à pesquisa. A Fapeam, por exemplo, só tem oito anos e foi a
primeira FAP da região Norte. “Nosso sonho é ser a Fapesp quando crescermos”,
brinca o professor Sena, aludindo à congênere paulista, quase cinquentenária – a
primeira FAP do Brasil –, e seu trabalho de fomento à pesquisa realizado nesse
período.
“Nossas carências são tão grandes
que temos que investir em tudo”, avalia Sena. Para ilustrar, ele cita a
necessidade de formação de engenheiros nas mais diversas áreas, especialmente
engenheiros navais. “Na região amazônica, os rios equivalem às estradas do Sul
e Sudeste do Brasil. Precisamos desenvolver conhecimento para esse setor”. De
acordo com ele, a região já avançou na instalação de algumas competências em
áreas como ciências biológicas e biotecnologia, graças, principalmente, ao desempenho
do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) – que completa 50 anos de
atuação em 2012 – e às universidades federal e estaduais. “Mas temos um longo
caminho a percorrer ainda”, completa. Apesar dos problemas, Sena reforça o desempenho
da Fapeam em oito anos: foram concedidas 600 bolsas de doutorado, nesse período,
e 196 dos bolsistas são titulados (com tese já defendida). “Isso considerando
que são quatro anos, no mínimo, para formar um doutor. É um grande salto”,
comenta. “Fora a publicação de editais e o desenvolvimento de programas de
apoio à graduação e de estímulo a professores de níveis fundamental e médio,
entre outras ações”, enumera.
Todo esse esforço, na opinião de
Sena, é necessário para a formação de pesquisadores locais. O estímulo das fundações,
então, é fundamental para torná-los mais competitivos. O resultado é a formação
de pesquisadores fortalecidos, com porte para se candidatar aos editais
nacionais que também são objeto de desejo dos pesquisadores das regiões Sul e
Sudeste, veteranas em pesquisa e inovação. “Melhor qualificados, eles se associam
a outros pesquisadores, começam a consolidar experiência e, consequentemente,
atuar em cursos de pós-graduação. Dessa forma, a dependência de formar
profissionais fora do estado é reduzida”.
Transferência de conhecimento
Se, por um lado, o desenvolvimento
da ciência deve passar, necessariamente, pelo ciclo completo, começando pela
pesquisa básica, ele não pode dispensar a realização de projetos de inovação
tecnológica em empresas do setor produtivo. Essa é a opinião de Anilton Salles
Garcia, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo
(Fapes), ainda com menos tempo de existência do que a Fapeam: tem seis anos.
“O apoio a projetos no setor
produtivo colabora, em primeiro lugar, com o aumento da competitividade das
empresas locais; em segundo, privilegia a capacitação de mão de obra e a
fixação de recursos humanos no estado; e, indiretamente, colabora com o aumento
da receita do estado”, avalia Garcia. Ele destaca, entre os programas da Fapes,
aquele cujo objetivo é o desenvolvimento da inovação tecnológica. “É a
transferência do conhecimento da pesquisa de bancada para o mercado”. De acordo
com ele, estão em curso, atualmente, oito projetos de inovação tecnológica.
A Fapes começou a operar em 2006
e sua principal fonte de receita vem do Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia,
que destina 0,5% do Imposto sobre Circulação da Mercadoria (ICMS) líquido, ou
cerca de R$ 27 milhões por ano, para a fundação. Outras fontes de recursos
financeiros, também estaduais, totalizam uma receita de aproximadamente R$ 50
milhões estimada para 2011. “É muito para o Espírito Santo, considerando o
pouco tempo de existência da sua fundação de amparo à pesquisa. Mas é pouco
frente às demandas do estado”, avalia Garcia. Entre elas, o diretor-presidente
destaca as relacionadas ao setor produtivo, as áreas de logística, meio
ambiente e as que compõem a cadeia de petróleo e gás, devido à atuação da
Petrobras no Espírito Santo.
O sistema de ciência e tecnologia
no estado capixaba ainda está em formação: conta apenas com uma universidade
federal e não há nenhuma estadual. O resultado, portanto, é o baixo número de profissionais
qualificados. Esse cenário começa a mudar com a atuação da Fapes, responsável,
de acordo com Garcia, pela concessão de 1/3 do total das bolsas de pesquisa,
que, para mestrado e doutorado, totalizam 150.
Para minimizar o impacto negativo
dos baixos valores das bolsas – que seguem o padrão do CNPq –, a Fapes concede
uma série de apoios aos bolsistas. Os mestrandos, por exemplo, cuja bolsa é de
R$ 1.200 por mês, recebem mais R$ 7 mil no decorrer do desenvolvimento do seu
projeto, investidos na realização de trabalhos de campo ou de experimentos
laboratoriais. Outro caso é o dos pesquisadores – doutores formados há menos de
dez anos – que fazem parte do programa Primeiro Projetos. Eles recebem R$ 35
mil para que possam montar uma infraestrutura inicial mínima para o
desenvolvimento da sua pesquisa. “A idéia básica é proporcionar a esse
pesquisador condições para que possa se inserir o mais rápido possível no
contexto de produtividade em pesquisa, desenvolvimento ou inovação na sua
instituição”, explica o diretor-presidente da Fapes.
Pesquisa em rede
O compartilhamento de
conhecimentos em redes de pesquisadores é uma outra ação colocada em prática
pelas FAPs como estratégia de estímulo ao desenvolvimento de pesquisas. Exemplo
nesse sentido são as redes de fomento à pesquisa em saúde que estudam três
graves enfermidades que atingem os brasileiros: a dengue, a malária e a
tuberculose.
No mapa brasileiro da dengue,
lançado pelo Ministério da Saúde no início deste ano, são 16 os estados com
alto risco de enfrentar epidemia em 2011: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia,
Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. Só o Amazonas, no
primeiro trimestre deste ano, registrou quase 37 mil notificações da doença,
com 407 casos graves e 12 óbitos. Quase 80% das notificações foram registradas
em Manaus, o município com maior número de casos no país.
Pesquisadores apoiados por 20 fundações
de amparo à pesquisa, incluindo 15 que atuam em estados com alto risco de
enfrentar uma epidemia da doença, formam a Rede Dengue, que conta com recursos
da ordem de R$ 22,7 milhões. Desse total, R$ 12,7 milhões partem das FAPs, e o
restante, do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Um dos 15 projetos aprovados
pela rede é o “Estudo da dengue nas regiões Norte e Sudeste do Brasil: criação
de uma rede interdisciplinar de pesquisa básica e aplicada”, que envolve 40
pesquisadores no estudo da dengue em seus aspectos clínicos, epidemiológicos,
laboratoriais e de prevenção. A ideia é formar recursos humanos, além de
fomentar a pesquisa interdisciplinar básica e aplicada e a transferência de
tecnologia.
Duas outras redes de
pesquisadores estão envolvidas com estudos relativos à malária – cujo maior
número de casos está concentrado na Amazônia Legal – e à tuberculose. A
primeira congrega especialistas apoiados por sete FAPs e conta com recursos de
R$ 15,4 milhões, destinados pelas próprias fundações, pelo FNS e pelo CNPq,
para apoiar atividades de pesquisa científica, tecnológica e de inovação, a exemplo
do projeto que estuda a dinâmica de transmissão da malária no ambiente amazônico
e as perspectivas de novas tecnologias para seu controle. Já a segunda rede
recebe o nome de Programa Temático em Diagnóstico de Tuberculose e reúne as fundações
do Amazonas, Rio de Janeiro e Minas Gerais (os dois primeiros estados têm,
respectivamente, 68,93 e 66,56 casos da doença para cada 100 mil habitantes). Nesse
programa, são destinados R$ 6 milhões – R$ 2 milhões de cada uma das fundações
– para desenvolver pesquisas colaborativas em diagnóstico da doença.
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