Desde a campanha presidencial norte-americana de 2008, que culminou na eleição de Barack Obama, não se “tuita” outra coisa: as redes sociais farão a diferença nas eleições brasileiras em 2010. Muitos candidatos criaram perfis no Twitter, no Orkut, no Facebook e em outras ferramentas de relacionamento, quando não criaram suas próprias redes sociais, caso dos principais candidatos à presidência.
O Brasil possui atualmente 67 milhões de internautas que navegam em média mais de 45 horas por mês na rede, segundo dados de uma pesquisa do Ibope/Nielsen/Datafolha. O país é recordista em tempo de navegação e o quinto em número de conexões à internet. Do total de internautas brasileiros, 86% se conectam em redes sociais, segundo outra pesquisa da Nielsen, com uma média de cinco horas mensais de conexão. Diante desse universo, as redes sociais apresentam, teoricamente, grande potencial para a propaganda política. Embora não abarquem a maioria do eleitorado, elas têm como uma de suas características o compartilhamento e a multiplicação de informações entre aqueles com alguma afinidade.
A campanha na internet foi liberada a partir do dia 5 de julho deste ano, pela lei 12.034/09, que passou a legislar também sobre as questões da campanha na rede mundial de computadores. Segundo a nova legislação eleitoral, a propaganda política na internet fica permitida com a utilização de páginas de propriedade dos candidatos. Porém, o endereço deve ser comunicado à Justiça Eleitoral e a hospedagem do site deve ser necessariamente no Brasil. O uso de redes sociais também foi liberado, mas a propaganda paga nos portais e sites fica proibida, assim como a propaganda (mesmo gratuita) em sites de pessoas jurídicas ou entidades da administração pública.
Após dois meses de campanha virtual, qual é a impressão sobre as propagandas na rede? Estarão os candidatos aproveitando o potencial da internet para somar informação relevante à divulgação que já é feita nas mídias tradicionais? “É um terreno novo e não diria, depois de alguns meses de campanha, e com o início da televisão, que a internet tem desempenhado papel central. O que vira o jogo por aqui ainda continua a ser a televisão, que, como diz Eugênio Bucci, é o próprio espaço público brasileiro”, afirma Rodrigo Savazoni, diretor da FLi Multimídia e do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital. Savazoni também acredita que as campanhas estão importando padrões internacionais sem considerar a realidade e o contexto brasileiro. Como exemplo, cita a contratação, pela coordenação da campanha de Dilma Rousseff, da empresa que trabalhou para o presidente Obama, a Blue State Digital.
O diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ronaldo Lemos, avalia que os candidatos ainda estão aprendendo como utilizar as ferramentas, mas destaca que é a primeira vez que a internet é levada à sério como mídia, embora não exista ainda uma fórmula de marketing estabelecida pela rede. “O mais interessante, até agora, tem sido ver o contraste entre o discurso oficial gerado pelos candidatos na rede e aquele gerado pelos próprios usuários da rede, que se reapropriam desse discurso e das campanhas oficiais, recontextualizando-o. Vejo essa convivência entre discurso oficial e críticas descentralizadas como bastante saudável e algo a ser aprofundado em processos eleitorais futuros.”, analisa Lemos.
Navegando nas campanhas dos principais candidatos à presidência, é possível encontrar perfis de todos nas redes sociais mais populares no país (Orkut, Facebook, Twitter, Flickr e Youtube), mas Lemos acredita que o impacto nas campanhas presidenciais não deverá ser decisivo. O fenômeno poderá gerar maior transparência e o escrutínio público, pois a exposição dos candidatos aumenta, forçando o detalhamento das suas propostas e ideias. “Nesse sentido, propostas da campanha, ideias e debates permanecerão online e poderão ser revisitados ao longo do próximo governo. Isso ajudará não só a cobrar promessas, mas a colocar o próximo governo em perspectiva”, aposta o professor da FGV.
As criações de redes sociais próprias, como fizeram Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), aparecem como tentativas de mobilização da militância, mas existem dúvidas se, depois de organizada, a militância partiria para uma disputa efetiva na sociedade, procurando atrair mais votos. Uma possibilidade seria a mobilização indireta, ou seja, os militantes utilizariam suas contas pessoais em outras redes sociais para disseminar as discussões e pontos gerados nas redes dos candidatos. E após as eleições, o que fazer com essas redes? “Se (os candidatos) seguirem utilizando-as para dialogar com seu potencial eleitorado, farão um excelente exercício de vivência política virtual. Aposto que a maior parte deles irá desativar esse patrimônio construído, ou os deixará como memória estática de um tempo que já passou”, responde Savazoni.
Se as redes sociais não terão o desejado “efeito Obama” aqui no Brasil, é possível que beneficiem mais os candidatos das eleições proporcionais, como deputados estaduais e federais, criando oportunidades àqueles que Lemos define como candidatos de “nichos”. “O efeito dessas candidaturas é expandir a possibilidade do voto de opinião, permitindo que eleitores com uma determinada visão política encontrem candidatos que as representem especificamente, transcendendo ligações fisiológicas e geográficas”, afirma. Savazoni, por sua vez, acha que o fenômeno pode ocorrer, mas acredita que é necessário mais distanciamento para observar melhor.
Cuidado com a g@fe
Em época de campanha, um passo errado pode significar muitos votos perdidos. Na velocidade da internet, um escorregão pode ser ainda mais desastroso, pois a rede funciona como caixa de ressonância para a campanha eleitoral. Segundo Lemos, o discurso dos candidatos pode assumir outro significado quando é recontextualizado, chamando a atenção para pontos específicos. Savazoni concorda e lembra dois episódios no Twitter que repercutiram de maneira negativa: o atual candidato ao governo de São Paulo, Aloízio Mercadante (PT), quando “tuitou” que renunciaria à liderança do governo no Senado, em caráter irrevogável, e acabou não renunciando; e o tweet de uma seguidora de Marina Silva, recomendado pela equipe da candidata, criticando o escritor José Saramago na ocasião de sua morte, o que causou uma série de críticas. “Isso demonstra que a resposta nas mídias sociais é mais imediata. O canal de retorno está na mão do usuário. Pode ter implicações, eu diria, até mais profundas que perda momentânea de votos. Pode cristalizar uma imagem pública em uma determinada pessoa. Isso, sim, é grave”, analisa Savazoni.
As eleições deste ano deverão ser um aprendizado para políticos, marqueteiros e eleitores, no que diz respeito ao uso das redes sociais. O real impacto das mídias sociais só poderá ser avaliado após o pleito, mas já é possível antever que o processo democrático ganhará em aperfeiçoamento. As visões oficiais das campanhas são transformadas na rede através de um enriquecimento da esfera pública, podendo ganhar novos significados. A internet também facilita a obtenção de informações sobre candidatos específicos. Savazoni acredita que se a rede conseguir se tornar um instrumento efetivo para aprofundar a participação, a colaboração, o diálogo e a cooperação, haverá um benefício enorme para a sociedade. “Hoje há estudos que demonstram que a internet também pode ser capturada e utilizada por visões anti-democráticas. Mas nessa eleição, a rede é certamente uma força pró-democracia. Para os próximos pleitos, torna-se cada vez mais importante manter sólidos os princípios de abertura da rede, de forma a garantir sempre o debate”, conclui Lemos.
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