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Reportagem
Os quinze minutos de fama e a espetacularização do cotidiano
Por Carolina Octaviano
10/09/2010

Com o advento da internet, criam-se novos mecanismos para quem busca ser uma celebridade ou tornar-se, pelo menos, conhecido. Um exemplo disso é a utilização das redes sociais – o Facebook, Twitter e o Orkut, entre outros – pelos aspirantes a famosos, que desejam alcançar os seus quinze minutos de fama – previstos por Andy Warhol em 1960 –, por meio da utilização dessas ferramentas. Essas redes, que surgiram prioritariamente como um agente para a integração social, criam um ambiente propício para o exibicionismo e o voyerismo (prática que consiste no prazer a partir da observação de outras pessoas), onde ser contemplado é o que importa.

É sobre essa prática que Paula Sibília, professora do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trata no artigo, “Celebridade para todos: um antídoto contra a solidão”, publicado na revista Ciência e Cultura. Ela comenta que a rede tem proporcionado uma espécie de democratização na busca pelo estrelato. “A internet oferece um outdoor com espaço para todos: nessas vitrines mais populares, qualquer um pode ser visto como tem direito. As opções são inumeráveis e não cessam de se multiplicar: blogs, fotologs, Orkut, Facebook, MySpace, Twitter, Youtube e um longo etcétera”, diz no artigo.

O temor da chamada “invasão de privacidade”, segundo a pesquisadora, dá espaço para o quase oposto: o aparecer, ser visto, contemplado e admirado. Para ela, o exibicionismo na rede ocorre a partir da necessidade que as pessoas têm de serem vistas, e como uma forma de confirmação de que existem e estão vivas. As pessoas mostram-se como um personagem, saciando a voracidade e a curiosidade de outras. “Tudo aquilo que antes concernia à pudica intimidade pessoal tem se 'evadido' do antigo espaço privado, transbordando seus limites, para invadir aquela esfera que antes se considerava pública. O que se busca nessa exposição voluntária, que anseia alcançar as telas globais é se mostrar, justamente: constituir-se como um personagem visível. Por sua vez, essa nova legião de exibicionistas satisfaz outra vontade geral do público contemporâneo: o desejo de espionar e consumir vidas alheias”.

Cláudia da Silva Pereira, professora do Centro de Ciências Sociais, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, também acredita que na internet se cria um espaço para que as pessoas vivam outros personagens e consigam, deste modo, uma espécie de autorrealização pessoal. “Podemos ser ali o que desejarmos, construindo perfis de acordo com o que projetamos ser o ideal. Ou não. Afinal, a internet abre ainda mais espaço para condutas sociais desviantes que raramente poderiam se concretizar na vida offline. Aderir a comunidades politicamente incorretas, criar perfis falsos ou transitar por comunidades que consideramos 'exóticas' pode ser uma ótima maneira de buscar a experimentação e, consequentemente, a realização, da mesma forma”, conclui.

A superexposição na web

Sibília aponta ainda para a ruptura de um padrão de vida em que os muros já não protegem mais a privacidade individual. “Das webcams até os paparazzi, dos blogs e fotologs até YouTube e MySpace, das câmeras de vigilância até os reality shows e talk shows, a velha intimidade transformou-se em outra coisa. E agora está à vista de todos. Ou, pelo menos é isso o que conseguem aqueles afortunados: os famosos”. Já Pereira lembra que a “espetacularização” do cotidiano atinge a todos, invariavelmente, ao utilizarem essas ferramentas sociais, levando a uma maior permissividade com relação ao que é restrito ou irrestrito, ao que é público e ao que é privado. “A própria ideia de fronteira é imprecisa em se tratando de internet. É evidente que existe a opção de se compartilhar ou não da intimidade na internet, existe até mesmo a opção de não participar de redes sociais online, mas esta já parece ser uma escolha que limita o trânsito em diversos espaços sociais. A superexposição nas redes sociais online tem seus reflexos na vida offline, assim como a simples ausência”.

Recentemente, o caso de dois adolescentes que transmitiram cenas eróticas, por meio de uma webcam, no microblog Twitter, em 25 de julho deste ano, chocou a opinião pública e pode ser considerado um exemplo da superexposição da intimidade, colocando em discussão os limites entre o que é público e o que é privado. Pereira acredita que “aqueles que conseguem fazer uso das redes sociais, utilizando minimamente seus recursos, conhecem seu alcance”.

Pollyana Ferrari, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora em mídias sociais, discorda de Pereira. Para ela, os adolescentes, de modo geral, não estão preparados para enfrentar esta superexposição e seus impactos, tornando-se algo preocupante para professores, educadores e os próprios pais, por não ser possível prever os estragos causados. “Eu, por exemplo, como mãe de adolescentes, regulo horário de acesso à internet e não tenho webcam. Isso porque trabalho diariamente analisando redes sociais e vejo que falta no adolescente o amadurecimento necessário para lidar com toda essa exposição, que muitas vezes pode ser prejudicial para ele”, comenta.

Para Rita Maria Manjaterra Khater, professora do Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, o uso inadequado dessas ferramentas pode gerar desvios comportamentais, trazendo prejuízos tanto para as pessoas quanto para a própria comunidade. “O prejuízo não está na ferramenta em si, mas na forma obsessiva como alguns a utilizam. De modo geral, essas ferramentas, se utilizadas com responsabilidade, contribuem para o desenvolvimento de diversas habilidades e competências, especificamente no caso das redes sociais, que foram criadas com a proposta de ampliar conhecimentos e estabelecer comunicação interpessoal entre seus usuários, o que fortalece também a inclusão social”, explica. Ela alerta ainda que, no caso das crianças, por não terem discernimento de seus atos, os pais devem acompanhar a utilização que os filhos fazem das redes sociais. “Elas precisam de acompanhamento estreito e sistemático para que aprendam os caminhos adequados e possam tirar o máximo de proveito desse recurso para seu desenvolvimento pessoal. A família é responsável por essa educação”, afirma Khater.

Outra rede social em que a exposição está presente e nem sempre de maneira benéfica é o Youtube. Inúmeros são os casos de pessoas que se tornam famosas por meio da utilização dessa ferramenta, sem se importarem em ser reconhecidos por postarem vídeos de gosto duvidoso ou grotesco, confirmando a obsessão de muitos na busca pela fama a qualquer custo. “Esses sujeitos têm fortalecido o hábito de serem reconhecidos pelo que fazem de transgressão e não por respeitarem a ordem social. Em toda prática de desvio de conduta, sempre podemos acreditar que o meio ou a ferramenta apenas facilitou o ato, que na verdade já havia no sujeito que o praticou uma pré-disposição para fazê-lo. Infelizmente, os valores de determinados grupos sociais são refletidos nessas práticas e as consequências podem ser a banalização desses atos aumentando as probabilidades de legitimá-las”, lembra Khater. Para ela, as pessoas não devem permitir que o virtual se sobreponha ao real. “Nós, seres humanos, precisamos da realidade, pois somos seres eminentemente sociais. Quando o virtual se sobrepõe ao real, nos sentimos vazios pois sabemos da nossa necessidade de real aprovação em nosso meio social”. 

Do Olimpo para a vida comum

Ainda, na contramão dos que buscam o reconhecimento, muitos famosos e celebridades encontram nas redes sociais uma forma de se aproximar das pessoas comuns, do seu público, de seus fãs. Artistas, jornalistas, músicos e público interagem de uma maneira mais natural. “É praticamente imperativo que uma celebridade mantenha um perfil no Twitter ou no Facebook, caso contrário ela simplesmente não existe no ambiente online. Desta forma, o público se aproxima daqueles que o sociólogo e filósofo Edgar Morin, um dia chamou de ‘olimpianos’, aqueles que se veem obrigados a descer de seus altares dos meios de comunicação de massa para interagir em 140 caracteres com as pessoas 'comuns'. O fã torna-se íntimo do ídolo, o que retira dessa relação grande parte de sua magia”, defende Pereira.

Para Francisco Rüdiger, docente do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as celebridades, ao migrarem para as redes sociais, têm seus carismas submetidos a testes cotidianos e banais. “As redes sociais abriram aos fãs a possibilidade de articular, mais ampla e cotidianamente, o culto de seus ídolos mas, por outro lado, atraíram estes últimos para um terreno onde sua capacidade de gerenciar a própria imagem e influência é muito mais fraca ou instável. As celebridades não podem ficar fora das redes, se quiserem continuar sendo celebridades, mas a redução da distância que assim se instala, converte-se em fonte de perigo para sua condição”, acredita.

Ferrari aponta para o fim do antigo esquema celebridade-mídia-público. Pois, agora, os fãs podem interagir diretamente com seus ídolos (e vice-versa), sem precisar de um intermédio. “As mídias sociais tiraram os intermediários, ou seja, a grande mídia. Hoje uma celebridade interage diretamente com seus fãs pelo Twitter, Facebook, MySpace etc. O feedback é instantâneo”, conclui.

É esse o processo que ocorre em redes sociais como o MySpace, Purevolume ou Last.fm, nos quais bandas e músicos que buscam o reconhecimento se apresentam para um público amplo e indefinido. Artistas já reconhecidos também fazem uso da ferramenta para conseguir uma maior e diferenciada divulgação para suas músicas. Valterlei Borges, mestrando em ciência da arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF), no artigo, cita alguns casos. “Na Inglaterra, uma banda que chegou ao nosso conhecimento e que ganhou destaque e popularidade a partir do boca a boca iniciado pela internet são os jovens do Arctic Monkeys. Eles começaram gravando CD´s demo e distribuíam esse material em shows para o público. Porém, como a oferta era pouca, por iniciativa do próprio público e sem que a banda soubesse, esses CD´s foram parar na rede e, consequentemente, foram baixados por outras tantas pessoas que, em algum momento, se interessaram pelo trabalho da banda. Em seguida, mais uma vez por iniciativa dos fãs, foi criado um perfil no MySpace onde foram disponibilizadas as músicas do Arctic Monkeys para quem quisesse ouvir”. A cantora brasileira Mallu Magalhães também é outro exemplo do poder da internet (e, neste caso, de novo, do MySpace) na divulgação de novos talentos. No artigo, Borges conclui que “o que vale ressaltar aqui é a versatilidade e a inovação no modo de divulgação e fruição dos respectivos trabalhos no Brasil, pois muitas vezes o que acontece é uma inversão da antiga cadeia produtiva da música, onde existiam etapas definidas a serem cumpridas, que resumidamente poderiam ser: primeiro lançar um disco, depois chegar às rádios e/ou TV e finalmente alcançar a popularidade e a venda. Em outras palavras, o artista ficava sem meios para produção do seu trabalho e dependia, única e exclusivamente, de todo o aparato formado pela indústria da mídia para conseguir se lançar na carreira”.